Parque Minhocão não avança apesar de lei que prevê desativar via para carro
A cidade de São Paulo discute há 10 anos o que fazer com o Minhocão, apelido do Elevado Presidente João Goulart. As gestões de Fernando Haddad (PT), João Doria (sem partido) e Bruno Covas fizeram esforços pela criação do Parque Minhocão, mas a discussão foi parar na Justiça e agora anda a passos lentos.
O que aconteceu
Minhocão deve ser desativado para carros em cinco anos. É o que prevê um artigo do Plano Diretor de São Paulo de 2014, uma lei municipal que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade.
Texto diz que a Prefeitura de SP deve elaborar uma lei para restringir o transporte individual e definir prazos para a demolição ou transformação do Minhocão em parque, parcial ou integral. Ele não exclui a possibilidade de uso do Minhocão para o transporte público, como ônibus ou VLT.
Em 2018, a Câmara de Vereadores aprovou uma lei para a criação do Parque Minhocão e a desativação gradual da via para carros. O urbanista Nabil Bonduki é um dos autores da lei. Ele contou ao UOL que o texto foi proposto para colocar o Minhocão na pauta da cidade.
Texto foi sancionado pelo então prefeito João Doria, mas a Justiça declarou, em 2021, que a lei é inconstitucional após manifestação do Ministério Público. Os desembargadores apontaram vício de iniciativa porque, segundo eles, a atribuição é do prefeito em exercício.
Caso foi parar no Supremo. Em 2022, a Câmara de SP entrou com um pedido de recurso para que o STF (Supremo Tribunal Federal) reavalie a decisão. A Prefeitura e a Câmara de SP defendem que a criação de parques não é iniciativa exclusiva do Executivo municipal. Eles citam como exemplo uma decisão do Supremo, que, em 2013, manteve a validade da lei municipal que criou o Parque Regional Oeste, em Belo Horizonte. A decisão cabe ao ministro Edson Fachin. Não há prazo para o fim do julgamento.
Prefeitura de SP não propôs nova lei, mas prefeito Ricardo Nunes (MDB) fala em construir túnel para viabilizar o Parque Minhocão. Em 2023, em entrevista ao Estado de S.Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que o parque depende da criação de uma alternativa para carros. "Fizemos muitas reuniões para encontrar uma maneira de distribuir o tráfego de veículos, mas o impacto passava de 10 km de trânsito. Chegou uma hora que pedi para estudarmos a construção de um túnel. Já temos um pré-desenho da obra".
Ideia de túnel no lugar do Minhocão é reciclada da campanha de Márcio França (PSB) para a Prefeitura de São Paulo em 2020. Na época, França afirmou ser contra a instalação de um parque, mas disse à TV Globo que o Minhocão precisava ser "enterrado". "Não adianta quebrar o Minhocão porque passam 80 mil veículos por aí por dia. Você não tem uma rota alternativa. Pra fazer o túnel precisa de R$ 3,5 bilhão. É uma obrar super importante e a prefeitura, se tiver organização, consegue fazer".
O UOL pediu entrevista com um porta-voz da Secretaria de Obras Urbanas para entender o projeto da Prefeitura de São Paulo, mas o pedido não foi atendido. Em nota, a pasta informou que estudos técnicos da possível substituição do Minhocão seguem em andamento. "A gestão ressalta que trabalha com expectativa de médio e longo prazo para apresentar a solução que melhor atenda às demandas da cidade nesse tema, tanto no que diz respeito ao funcionamento do sistema viário quanto aos investimentos necessários".
Especialistas criticam ideia de túnel. O urbanista Bonduki diz que São Paulo tem opções suficientes de transporte para a ligação leste-oeste.
É a maior barbaridade que alguém poderia fazer, melhor manter a situação atual do Minhocão. Não tem o menor cabimento gastar uma fortuna para fazer túnel com tantas alternativas, como a Avenida São João, Marques de São Vicente, além do corredor de ônibus, linhas de metrô e CPTM. É totalmente fora de próposito.
Nabil Bonduki, urbanista e professor da FAU (Faculdade de Urbanismo da USP)
Onde a prefeitura vai cavar túnel? Debaixo do túnel do metrô? Embaixo do Minhocão tem a linha vermelha do Metrô. Ali não tem problema de mobilidade. Um túnel é uma tremenda bobagem.
Advogado Wilson Levy, doutor em Direito Urbanístico e diretor da Associação Parque Minhocão
O advogado Wilson Levy particiou das audiências públicas na Câmara sobre o Parque Minhocão. Ele ouviu de técnicos da CET que a maior parte dos 70 mil veículos que usam o Minhocão diariamente se deslocam entre bairros centrais da cidade. "O Minhocão, pensado na gestão Maluf para ser um equipamento leste-oeste, perdeu muito rapidamente essa função. Quem sai da Barra Funda hoje para a zona leste usa muita mais as marginais".
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Quero receber"Tirar o Minhocão não vai congestionar a cidade", concorda Bonduki, que também participou das sessões na Câmara. "Os técnicos diziam que o Minhocão não era tão revelante assim, que o trânsito poderia se ajeitar."
Minhocão ainda pode ser demolido?
Quem defende a derrubada do Minhocão diz que só assim o entorno da região poderia ser recuperado. Especialistas dizem que este debate perdeu força porque o Minhocão virou espaço de lazer.
Todos os candidatos prometiam derrubar o Minhocão. O Kassab quase conseguiu, foi por dias que a gestão dele acabou. Do Haddad para frente isso deixou de ser assunto. O parque se tornou um fato que dificilmente será revertido.
Wilson Levy
Há 30 anos eu diria 'demoli o Minhocão', mas hoje ele foi ressignificado e é uma área utilizada por milhares de pessoas. A cidade tem uma ausência de áreas de lazer, entretenimento e convivência.
Nabil Bonduki
O arquiteto e urbanista Felipe Rodrigues mora em frente ao Minhocão e comemora as conquistas até agora. Ele também é diretor da Associação Parque Minhocão. "Para quem mora ali muda muita coisa. Quando tem carro significa que tem duas cargas a mais de poluição no ar. As pessoas mantêm as janelas quase sempre fechadas. Quanto menos carro, mais qualidade de vida".
"Os guarda-corpos, as escadas, mesmo construídas de maneira temporária, existem e permitem os eventos, as sessões de cinema", diz Rodrigues. "Parece singelo, mas essa pequena insfraestrutura que monta e desmonta são conquistas relevantes", ressalta. "Claro que eu gostaria de ter uma estrutura mais firme, que a cidade estivesse mais comprometida com o parque".
Bonduki cobra que SP faça um projeto urbanístico que considere o entorno do Minhocão e diz que transformar só parte da via em parque é um equívoco. Ele sugere algumas mudanças. "Poderiam estreitar alguns trechos da via porque embaixo tem muita sombra. Ele não precisa ter a largura que tem hoje. Isso responde parcialmente a quem pede o desmonte. Em outros trechos, ele pode incorporar praças que ficam no caminho, como o Largo do Arouche e a Praça Roosevelt".
O que foi feito até agora
Entre 2015 e 2016, Haddad ampliou o horário de funcionamento do Parque Minhocão (quando a via é fechada para carros) e sancionou uma lei da Câmara de Vereadores que muda o status da via para parque. A mudança, segundo ele, possibilitaria a criação de um conselho com moradores para discutir o futuro do Minhocão.
Em 2017, Doria restringiu ainda mais o funcionamento do Minhocão, que passou a ficar fechado para carros 66% do tempo. Ele também encomendou estudos para transformar o Minhocão em um parque linear, nos moldes do High Line, antiga linha férrea de Nova York que virou uma área de lazer e ponto turístico. Era parte de um projeto de revitalização do centro de São Paulo. O plano previa até uma "praia" com piscina e bolsão de areia e rampas que ligariam o Parque Minhocão a alguns edifícios com cafés e restaurantes.
Em 2019, com Bruno Covas, o Parque Minhocão ganhou guarda-corpos, mobiliário e mais infraestrutura, como bancos para descanso, jogos e escadas em vários pontos. Antes da pandemia de covid-19, Covas anunciou um projeto para transformar parte do Minhocão em um parque linear. A primeira fase da obra foi orçada em R$ 38 milhões, mas não saiu do papel. Ele morreu em maio de 2021, vítima de um câncer, e Ricardo Nunes assumiu o cargo.
Sob a gestão Nunes, a discussão não teve avanços significativos, dizem porta-vozes da Associação Parque Minhocão. Eles citam a iniciativa do prefeito de passar a gestão do espaço para a SP Turis, dando status de ponto turístico ao local.
O que pensam os pré-candidatos
O UOL procurou todos os onze pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo e questionou seus projetos para o Minhocão. Apenas quatro enviaram respostas à reportagem. Veja abaixo na íntegra.
O espaço segue aberto para Datena (PSDB), Pablo Marçal (PRTB), Marina Helena (Novo), Kim Kataguiri (União Brasil), Ricardo Senese (UP) e João Pimenta (PCO).
Ricardo Nunes (MDB)
"O prefeito Ricardo Nunes (MDB) determinou a realização de estudos técnicos a respeito da possível substituição do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, para o trânsito de veículos. Esta avaliação segue em andamento. A expectativa é que, a médio e a longo prazos, se apresentem soluções que melhor atendam às demandas de São Paulo nesse tema, tanto no que diz respeito ao funcionamento do sistema viário quanto aos investimentos necessários."
Guilherme Boulos (PSOL)
Tabata Amaral (PSB)
"Vou seguir o que determina o Plano Diretor e desativar, até 2029, o funcionamento do Minhocão para a passagem de carros.
Ao mesmo tempo, me comprometo a, no primeiro dia de governo, criar um Grupo de Trabalho para mapear os efeitos da desativação no trânsito da cidade e definir as intervenções necessárias para garantir que os impactos viários sejam contornados. Queremos desativar o minhocão em 2029, e para isso precisamos de um plano viário alternativo para conectar as regiões oeste e leste da cidade.
Sobre o futuro da estrutura é uma decisão que a população de SP vai tomar. Vou seguir o que determinou a Câmara e realizar um plebiscito sobre o Minhocão, garantindo maior peso do voto para quem mora no entorno do elevado. Essa é uma estrutura emblemática para a cidade e é justo que as pessoas escolham o seu destino"
Altino Júnior (PSTU)
"O Minhocão, desde sua fundação, foi um erro. Com certeza expressa uma escolha política de uma cidade com locomoção através de veículos particulares e a valorização capitalista da região central a serviço do mercado imobiliário.
Nós defendemos outro projeto de cidade e uma obra como essa não seria parte do nosso plano de governo. No que diz respeito à mobilidade urbana vamos investir fortemente na melhora do transporte coletivo, rodoviário e sobre trilhos, com a sua estatização e tarifa zero. Para combater o problema dos congestionamentos em São Paulo, além de desestimular o transporte individual, através da melhora do coletivo, é preciso investir em geração de emprego nas periferias, evitando que milhões de trabalhadores precisem passar 2, 3 ou mais horas por dia no deslocamento ao trabalho.
Mas, na medida em que o Minhocão se transformou nesse problema urbano do centro da cidade, que todos conhecemos, vamos construir dois projetos, nos apoiando nas propostas e projetos já existentes, um para sua demolição e outro para a sua transformação em um parque. E ouvir a população, particularmente a da região, sobre as duas opções."
Fernando Fantauzzi (DC)
"Desde o ano 2000, quando fui Secretário de Planejamento de SP, defendo que, com a remoção de toda a estrutura do Minhocão, as avenidas e ruas do entorno, como a Avenida General Olímpio da Silveira, podem ser revitalizadas com vegetações arbóreas, implementação de ciclovias e, consequentemente, valorizando os imóveis que foram desqualificados no mercado imobiliário. Teremos uma revitalização de toda a região.
Ali próximo temos diversas áreas de lazer: Parque da Água Branca, Praça Marechal Deodoro, Largo do Arouche, Praça da República, Praça Buenos Aires... Por lá também está sendo construída uma linha importante do Metrô (solução definitiva e única para os grandes centros urbanos mundiais). Trata se de uma ação de caráter permanente para São Paulo... Infelizmente, a cidade vem sendo construída sem organização e planejamento.
Portanto, dessa forma, estaremos colaborando também com a segurança da região, acabando com focos de criminalidade que afetam demais os moradores e comerciantes da região."
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