'Não se contamine': marca cristã é acusada de racismo; OAB repudia
A estampa de uma camiseta com duas mãos de cores diferentes se aproximando, acompanhada da frase "Não se contamine" gerou polêmica nas redes e levou a marca de moda cristã Criações Gênesis a ser alvo de críticas; OAB exige providências e investigação.
O que aconteceu
A comercialização de uma camiseta pela marca cristã Gênesis gerou indignação em Petrópolis, na região Serrana do Rio. A peça trazia a frase "Não se contamine", acompanhada da imagem de duas mãos — uma branca e outra preta — se aproximando uma da outra, como na obra "A Criação de Adão", pintada por Michelangelo Buonarroti por volta de 1511, no teto da Capela Sistina no Vaticano. Após levantar discussões polêmicas nas redes, a marca foi acusada de racismo por entidades de igualdade racial. A empresa retirou o produto do mercado e afirmou que a estampa havia sido mal interpretada.
A polêmica chegou à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que emitiu uma nota de repúdio por meio das Comissões de Igualdade Racial e de Direitos Humanos da 3ª Subseção. No texto, as comissões classificaram a mensagem como ofensiva e perpetuadora do racismo estrutural. "A associação entre a cor da pele e a ideia de contaminação é uma afronta direta aos direitos humanos e um insulto à luta histórica pela igualdade racial", destaca o documento.
A OAB solicitou a retirada imediata da propaganda de todos os canais de comunicação, um pedido público de desculpas por parte da empresa e a implementação de medidas concretas contra práticas discriminatórias, como treinamentos em diversidade e inclusão. Além disso, foi requisitada uma investigação por parte do Ministério Público e da Polícia Judiciária para apurar eventuais responsabilidades civis e criminais.
A nota conclui com um convite às organizações e à sociedade para que somem esforços na luta contra o racismo e na construção de uma sociedade mais igualitária. "Seguiremos vigilantes, cobrando ações efetivas contra práticas que promovam preconceitos e segregação".
Brenda Sá, proprietária da marca Gênesis, explicou com exclusividade ao UOL que a arte foi enviada por uma cliente para um congresso cristão de jovens e fazia referência ao capítulo 1 do livro de Daniel, que aborda o conceito de contaminação espiritual. "Meu noivo viu a arte e achou interessante. Por isso decidimos colocá-la à venda, mas jamais com intenção de ofender", disse Brenda.
A imagem das duas mãos, uma branca e outra preta, não faria alusão à cor da pele, seria apenas uma metáfora visual para ilustrar a ideia de uma "mão necrosada", simbolizando o afastamento espiritual de Deus. Segundo Brenda, a mensagem tinha como objetivo reforçar a importância "de se manter puro e fiel aos valores cristãos", sem qualquer intenção de perpetuar discriminações raciais. Ela enfatizou que o design passou por várias pessoas, inclusive familiares negros, antes de ser comercializado, e ninguém identificou a possibilidade de interpretações racistas, o que a surpreendeu diante da repercussão negativa.
Ela destacou que, antes de ser comercializada, a peça foi vista por diversas pessoas, inclusive por familiares negros, e ninguém apontou qualquer problema. "Minha mãe é afrodescendente, o pai do meu noivo é negro. Nunca faríamos algo para ofender nossas próprias raízes ou nossas famílias", defendeu. Apesar disso, Brenda reconheceu que a mensagem foi interpretada de forma negativa por parte do público e pediu desculpas. "Jamais tivemos essa intenção, e lamento profundamente o ocorrido", afirmou.
A imagem, explica a empresária e influencer, que possui mais de 133 mil seguidores no Instagram, já teria sido utilizada anteriormente. De fato, em uma busca na internet foi possível identificar a mesma arte, com os mesmos dizeres, em um telão durante culto da IBNFOZ (Igreja Batista Nacional de Foz do Iguaçu). O tema faz referência ao capítulo 1 do livro de Daniel, especificamente à passagem em que Daniel e seus amigos decidem não se contaminar com os alimentos e o vinho oferecidos pelo rei da Babilônia. O versículo central é:
E Daniel propôs no seu coração não se contaminar com a porção das iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; portanto, pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não se contaminar.
Daniel 1:8
Essa passagem simboliza a fidelidade de Daniel aos princípios de sua fé. Segundo site Bíblia Online, ele o faz ao recusar alimentos que poderiam ter sido sacrificados a ídolos ou que não eram permitidos pela lei judaica, destacando o compromisso com a pureza espiritual e moral.
A empresária disse que está muito abalada pelo impacto que a repercussão do caso provocou em sua vida pessoal. Segundo ela, as críticas se tornaram ameaças e ataques nas redes sociais. "Desativamos os comentários porque as mensagens eram muito maldosas. As pessoas julgam sem querer entender. Se não tivéssemos apoio familiar, seria insuportável", desabafou. Apesar das dificuldades, Brenda afirmou acreditar que tudo tem um propósito maior. "Confio que Deus tem um plano em tudo isso, mas é muito triste ser taxada por algo que não foi nossa intenção".
O UOL procurou a IBNFOZ, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos. O Compir (Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial) de Petrópolis também foi procurado, mas não enviou seu posicionamento.
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