Zona oeste do Rio tem calor de até 44º: 'Achei que ia desmaiar'

Na segunda-feira (17), o termômetro de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, registrou 44º como temperatura máxima. Trata-se da maior registrada pelo Alerta Rio, sistema de meteorologia da prefeitura, desde o início das medições, em 2014.

Um sistema de alta pressão no oceano influenciou o tempo na cidade. Isso fez com que o nível de calor chegasse a 4, em uma escala de 1 a 5. Ou seja, crítico. A previsão é a de que temperatura e sensação térmica se mantenham altas até, pelo menos, sexta-feira (21).

A reportagem foi até os bairros de Guaratiba, Campo Grande e Bangu, todos na zona oeste, durante esta semana de calor. E ouviu relatos de dezenas de pessoas que não têm alternativa a não ser se expor, diariamente, ao sufoco climático.

Nos horários de pico, o terminal de ônibus de Campo Grande fica lotado. A aposentada Sueli Felix, 75, costuma ir ao calçadão do bairro para fazer comprar. Para isso, pega um coletivo no Jardim Arnaldo Eugênio.

"Demora para chegar, vem cheio e sem ar-condicionado. Pior ainda é para a minha filha que faz isso todo dia para trabalhar em Nova Iguaçu [Baixada Fluminense]. Eu tenho hipertensão. Tomo água o tempo todo e me alimento bem para não cair dura", disse.

Sueli Félix, de 75 anos, reclama de ônibus sem ar condicionado na zona oeste do Rio
Sueli Félix, de 75 anos, reclama de ônibus sem ar condicionado na zona oeste do Rio Imagem: Luís Adorno/UOL

No calçadão de Bangu, telhados e lonas tapam produtos populares do sol, mas não a alta sensação de calor. Os irmãos E. e J., adolescentes de 16 e 17 anos, trabalham vendendo roupas de times ali. Os dois vestidos apenas de bermudas e chinelos. Ambos com as camisetas amarradas em suas cabeças.

"Segunda-feira foi a primeira vez que eu achei que ia desmaiar, tava demais mesmo. Mas é o nosso dia a dia para ajudar em casa, minha mãe não tem como trabalhar", disse um dos adolescentes.

No entorno dos calçadões dos dois bairros, uma dinâmica é comum para fugir do sol: todos buscam uma sombra. Seja se apertando no ponto de ônibus seja debaixo de uma árvore enquanto espera o semáforo de pedestre ficar verde.

Continua após a publicidade

Calor afeta ensino

A comerciante Karen Souza, 35, tem duas filhas matriculadas em uma escola municipal de Guaratiba. Para levá-las e buscá-las, em uma caminhada de 15 minutos, só é possível com um guarda-chuva aberto e garrafinhas d'água nas mãos.

"Quando dá época de verão aqui, a água some das bicas. Então, dá uma desidratação. Elas [filhas] ficam mais molengas, afeta a concentração. Teve dia nesta semana que não tive coragem de levá-las para a escola", afirmou.

Das 1.234 escolas estaduais do Rio, 200 não têm ar-condicionado. A Seeduc (Secretaria Estadual de Educação) determinou redução da carga horária pela metade neste mês.

A secretaria estadual informou que as escolas estão com mais ventiladores e que as que reduziram a carga horária deverão prover, preferencialmente, o conteúdo pedagógico por meios tecnológicos.

Na manhã de segunda-feira (17), alunos do Colégio Estadual Professora Maria Terezinha de Carvalho Machado, na Praça Seca, zona oeste, fizeram um protesto na rua contra a falta de climatização nas salas de aula.

Continua após a publicidade

Das escolas municipais, 15 de 1,5 mil não têm ar-condicionado. A prefeitura instalou ventiladores e climatizadores para combater o calor. A carga horária nas escolas do municípios não será afetada.

Enquanto aguardava a filha sair da aula no Colégio Municipal Professor Castilho, em Guaratiba, às 11h45, a operadora de caixa Josiane do Nascimento, 42, disse nesta quinta-feira (20) que o sol está fazendo com que ela "cozinhe no vapor igual cuscuz".

A aposentada Maria das Dores e a operadora de caixa Josiane do Nascimento dizem que só saem de casa com garrafas de água
A aposentada Maria das Dores e a operadora de caixa Josiane do Nascimento dizem que só saem de casa com garrafas de água Imagem: Luís Adorno/UOL

"Minha filha ficou doente, com febre, dor de cabeça e dor na garganta, porque dá choque térmico sair da sala com ar-condicionado e ficar debaixo desse sol", afirmou. Ela disse que só sai de casa pela manhã ou noite para evitar os raios solares.

Mães que têm filhos matriculados no Complexo Educacional Nova Sepetiba também relataram problemas nas climatizações das salas de aula.

Explicações técnicas

O meteorologista Wanderson Luiz Silva, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que a região de Bangu ficou com a fama de ser uma das regiões mais quentes do Rio porque havia uma estação meteorológica ali, que foi fechada em 2003.

Continua após a publicidade

Essa estação de Bangu registrava recordes de calor na região. Ele diz que Bangu e Campo Grande têm grandes centros urbanos e estão entre dois grandes maciços, o da Pedra Branca e o de Gericinó. Então, o calor acaba não dissipando.

"O maciço da Pedra Branca tem encosta para o oceano. Então, ele barra o que poderia vir do oceano para a zona oeste. Já o maciço de Gericinó, que fica do outro lado, funciona como se fosse um aprisionamento do calor daquela região", afirma o professor.

Guaratiba tem um termômetro no local, mas tem um centro urbano menor e fica próximo do mar. Isso gera uma sensação térmica maior. "Sensação térmica ocorre na junção da temperatura do ar e da umidade relativa do ar", diz.

"Se tiver a umidade alta, a sensação térmica é mais quente. Ou seja, faz com que a sensação de calor fique maior. É o que a gente consegue ver em Guaratiba. Como tem grande temperatura e a umidade fica mais alta por conta do oceano, a sensação térmica sobe", explica.

O professor da URFJ diz que o Centro do Rio e regiões da zona norte da capital, que também têm grande adensamento urbano, têm "ilhas de calor tão quentes quanto na zona oeste". A diferença é que nem todo bairro tem medidor de temperatura o tempo todo.

Nível Calor 4

O que quer dizer cada nível?

Continua após a publicidade
  • 1 - Sem índices altos de calor;
  • 2 - Índices de calor entre 36º e 40º por um ou dois dias seguidos;
  • 3 - Índices de calor entre 36º e 40º ou mais por três dias seguidos;
  • 4 - Índices de calor entre 40º e 44º ou mais por três dias seguidos;
  • 5 - Índices de calor acima de 44º por três dias seguidos.

Segundo o Climatempo, o Rio lidera o ranking nacional de calor, com algumas cidades entre as mais quentes do país.

O secretário municipal de saúde, Daniel Soranz, afirmou à imprensa que, só em janeiro, 3 mil pessoas foram internadas na cidade por causa do calor.

Nos dias mais quentes de janeiro, o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) identificou aumento de 34% nas ligações na capital fluminense.

"Eventos relacionados a alterações neurológicas, condições cardiológicas e também relacionados a queda", explicou José Henriques, gerente do Núcleo de Educação Permanente do SAMU.

Em fevereiro, a previsão da gestão municipal é a de que 4 mil pessoas procurem locais de emergência da prefeitura no mês de fevereiro.

Continua após a publicidade

O Climatempo identificou que fevereiro foi o mês mais quente registrado no Estado desde 2003. Entre o dia 1º e o dia 17, a média da temperatura registrada foi de 36,6º.

Marcus Belchior, chefe-executivo do Centro de Operações do Rio, afirmou a jornalistas no começo da semana que é necessário preservar a saúde do cidadão reduzindo a temperatura corporal.

Para trabalhadores expostos diretamente à radiação solar, Belchior orientou que eles devem fazer uma parada técnica a cada hora, por 15 minutos, e não abrir mão do filtro solar.

Com a alta temperatura, médicos orientam que também é importante beber muita água, mesmo sem sede e, se possível evitar exposição direta ao sol entre 10h e 16h.

Para o meteorologista Wanderson Luiz Silva, deve haver continuidade e intensificação das medidas que já são adotadas para o Nível de Calor 4 para melhorar as condições da população, como disponibilização de pontos de resfriamento, hidratação de funcionários que trabalham ao ar livre e preparação da rede de saúde para atendimentos relacionados ao calor.

Todas as medidas estão disponíveis no site da prefeitura do Rio: clique aqui para acessar.

Continua após a publicidade

Proposta de ponto facultativo

Dois projetos de lei foram protocolados na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) na última terça-feira (18) que visam mitigar os impactos do calor na população.

Um deles visa proibir o trabalho ao ar livre de servidores públicos e trabalhadores terceirizados da administração pública em dias de calor extremo.

A proposta estabelece que, quando forem registrados índices de calor acima de 40°C, com previsão de permanência ou aumento por pelo menos três dias consecutivos, as atividades externas deverão ser suspensas.

O segundo projeto quer ponto facultativo em dias de calor extremo. A proposta prevê que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Contas, priorizem o trabalho remoto.

As duas propostas foram apresentadas pela deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.

Continua após a publicidade

"É uma questão urgente de saúde pública e dignidade humana. O calor extremo, que estamos vendo cada vez mais no Rio, pode causar exaustão térmica, desidratação e até morte", disse a deputada.

O que diz o Governo do Estado

O Governo do Estado afirmou que investiu mais de R$ 300 milhões na reforma das unidades escolares, incluindo a cobertura das quadras esportivas e a climatização das salas de aula em 2024.

"Para as escolas que ainda não possuem ar-condicionado, a Secretaria de Educação dobrou a cota de manutenção, permitindo a compra de ventiladores enquanto aguardam a instalação dos novos equipamentos", disse.

Na área da saúde, a secretaria estadual afirmou que irá disponibilizar veículos de intervenção rápida do SAMU na zona oeste para agilizar o atendimento a pacientes em situações de emergência.

"As UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) também funcionarão como pontos de hidratação, com a instalação de bebedouros externos para a população", informou.

Continua após a publicidade

O que diz a Prefeitura do Rio

Em nota, a Prefeitura do Rio afirmou que para garantir o bem-estar dos passageiros e aprimorar o monitoramento da climatização, iniciou, em dezembro de 2024, a instalação de sensores de ar nos veículos.

"Até o momento, 600 sensores foram instalados, e a instalação dos demais está em andamento. O objetivo é fortalecer a fiscalização e penalizar as empresas que não cumprirem as normas de climatização", diz a gestão municipal.

A Secretaria de Transportes informou que multou 317 ônibus neste ônibus por inoperância ou mau funcionamento dos aparelhos de ar-condicionado.

"A prefeitura corta o subsídio diário pago a veículos flagrados com ar-condicionado desligado, além de pagar um valor de subsídio menor aos ônibus licenciados sem ar. Só em 2024, foram descontados cerca de R$ 40,3 milhões por causa de viagem sem ar-condicionado", disse.

Com relação às escolas, a Secretaria de Educação informou que as que tiveram problemas com ar-condicionado terão aparelho trocado e que o Complexo Educacional Nova Sepetiba fica em uma região que vem sofrendo com falta de luz.

Continua após a publicidade

A secretaria afirmou que está solicitando à Light que o fornecimento de energia seja regularizado.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.