Ricos e radicais: os fazendeiros que apoiavam golpe e buscavam 'Dia D'
Um pastor garimpeiro, um acusado de assassinato de sem-terra, um pecuarista com multa milionária por desmatamento e até o ex-assessor de um senador. Esses são alguns representantes da elite rural do sul do Pará que não apenas estão inconformados com a derrota de Jair Bolsonaro (PL) como fazem campanha aberta por um golpe militar desde a eleição presidencial.
Vídeos e fotografias obtidos com exclusividade pela Repórter Brasil mostram fazendeiros, comerciantes e garimpeiros da região participando de atos golpistas, tanto em seus redutos como em Brasília. Com cartazes ou palavras de ordem, convocam as Forças Armadas, espalham notícias falsas e instigam mais brasileiros a se rebelarem contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Todos são apoiadores de Bolsonaro — alguns fizeram doação de campanha — e vivem em uma região marcada por altos níveis de desmatamento, grilagem de terras públicas, pecuária predatória e garimpo ilegal, inclusive dentro de terras indígenas.
Pecuaristas dessa região utilizaram o Pix de uma loja de informática de Xinguara (PA) para financiar acampamentos golpistas, conforme revelou a Repórter Brasil. Entre eles estão Enric Lauriano, candidato a primeiro suplente de senador na chapa de Flexa Ribeiro (PP/PA) no ano passado, e seu pai, Onício Lauriano, que tem fazendas espalhadas por pelo menos três municípios do Pará. Mas a família não é a única que clama por intervenção militar.
Foi com destino a Marabá (PA) que o empresário Wellington Francisco Rosa saiu de casa após a vitória de Lula, ainda em novembro. "Vou lutar bravamente para que as autoridades brasileiras possam ser claras e objetivas quanto ao resultado das urnas", disse em vídeo.
Em Marabá está o 52º Batalhão de Infantaria de Selva, um dos pontos de encontro dos atos antidemocráticos no Pará. Mas os protestos dos fazendeiros também chegaram ao quartel-general do Exército em Brasília, onde montaram uma barraca.
Em dezembro, Rosa esteve no acampamento da capital federal e convocou "os brasileiros de bem" a se juntarem aos manifestantes nos dias 10, 11 e 12 daquele mês, quando seria estabelecido "o dia da vitória, o dia D". "O Exército brasileiro vai agir a nosso favor", afirmou.
Mais conhecido como T.A, Rosa é pecuarista e dono da Casa da Roça, rede de produtos agropecuários com 12 lojas no Pará. Em setembro, a Repórter Brasil apurou que a Fazenda Maranata, de Rosa, em São Félix do Xingu (PA), recebeu animais criados ilegalmente na Terra Indígena Apyterewa.
O empresário milita no grupo Direita Xinguara, organização conhecida por fazer campanhas em prol de Bolsonaro e divulgar ataques a Lula.
No vídeo, Rosa tem a seu lado mais dois pecuaristas do Pará. O de boné é Lázaro de Deus Vieira Neto, conhecido como Lazinho, um dos acusados do assassinato de duas lideranças do MST em Parauapebas (PA) em 1998. O caso deve ir a júri popular. O fazendeiro afirma ser inocente. Nas eleições passadas, doou R$ 100 mil na pré-campanha para o PL e R$ 1.000 para Bolsonaro.
O outro homem que aparece é João Franco da Silveira Bueno, pecuarista com R$ 9 milhões em multas ambientais recebidas de 2009 a 2019, por vender gado proveniente de áreas embargadas, segundo o Ibama. No dia 12 deste mês, o produtor foi alvo de denúncia do MPF relacionada ao descumprimento do embargo.
O pecuarista foi um dos principais financiadores da campanha de Flexa Ribeiro ao cargo de senador pelo Pará em 2022, com R$ 120 mil. Doou outros R$ 5.000 para Bolsonaro.
Vieira Neto e Bueno aparecem em outro vídeo gravado em dezembro no QG de Brasília, convocando manifestantes a se juntarem ao grupo.
A Repórter Brasil tentou contato com Rosa, Neto e Bueno por meio de seus advogados, e também com o ex-senador Flexa Ribeiro, mas não obteve resposta.
'SOS Forças Armadas'
Desde que começaram as prisões dos golpistas em Brasília, o produtor rural Luciano Guedes usa suas redes sociais para questionar a legalidade das detenções, espalhar fake news e acusar o Exército de ser "traidor do povo". Mas, antes dos ataques, ele esteve em um protesto no batalhão de Marabá carregando um cartaz escrito "SOS Forças Armadas".
Guedes foi prefeito de Pau D'Arco (PA) entre 2009 e 2012, ano em que perdeu a reeleição. Naquele pleito, declarou ao TSE R$ 12,4 milhões em bens. Apesar do patrimônio, ele aceitou um cargo com salário de cerca de R$ 5.700, de agosto de 2019 a julho de 2022, no gabinete do senador Zequinha Marinho (PL-PA), que já recebeu lobistas pró-garimpo em Brasília.
O produtor rural esteve em Brasília no último 7 de Setembro para apoiar Bolsonaro. "Faça o que for necessário", pediu ao então presidente, em cartaz. Com a derrota do candidato, passou a frequentar protestos em quartéis.
Em 2017, quando Pau D'Arco foi palco do maior massacre no campo dos últimos 25 anos, ele insinuou que os dez sem-terra assassinados eram bandidos.
Guedes não respondeu aos contatos da reportagem. Procurado, o gabinete de Zequinha Marinho disse, em nota, que "não se manifesta a respeito de atos e/ou posicionamentos de seus ex-assessores".
Quem também passou pela porta do 52º batalhão de Marabá foi o pecuarista Vitório Guimarães da Silva, candidato a vice-prefeito de Redenção (PA) em 2008, quando declarou patrimônio de R$ 1,9 milhão. Em novembro, ele aparece em vídeo evocando o golpe que instalou a ditadura no Brasil. "Quero lembrar vocês que, em 64, quem fez a diferença foi a Marcha da Família, liderada pelas mulheres."
Procurado, o advogado de Guimarães, Carlos Eduardo Teixeira, atribuiu o posicionamento político de direita do pecuarista ao fato de uma de suas fazendas ter sido alvo de ocupação de trabalhadores rurais sem terra.
Pastor garimpeiro
Desde a derrota de Bolsonaro, o pastor, pecuarista e garimpeiro João José de Sousa, conhecido como Pr. J Sousa, utiliza suas redes sociais para questionar o pleito, declarar guerra ao comunismo e evocar a intervenção militar. Alguns de seus vídeos foram gravados no acampamento de Brasília.
Em 16 de dezembro, o pastor da Assembleia de Deus declarou que a sociedade deve "agir e convocar o seu Exército" quando "as instituições não dão conta de cuidar do país".
A Repórter Brasil conversou com Sousa por telefone, que pediu as perguntas por mensagem, mas não respondeu.
O pastor foi candidato a deputado estadual no Pará em 2022 pelo PL e não se elegeu. Seus bens declarados ultrapassam R$ 9 milhões. Além de pecuarista, Sousa atua no garimpo. Em janeiro de 2020, quando era secretário de Finanças de Ourilândia do Norte (PA), esteve em Brasília e foi recebido na Agência Nacional de Mineração para reunião sobre a defesa dos garimpeiros.
Logo no início do novo governo, o pastor protestou contra a decisão de Lula de revogar decreto de Bolsonaro que estimulava o chamado "garimpo artesanal". "Por que tanta perseguição contra o trabalhador brasileiro? Garimpeiro não é bandido", declarou.
Na sexta-feira (20), a Polícia Federal deflagrou a Operação Lesa Pátria, que tem como alvos bolsonaristas envolvidos nas invasões ocorridas nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Eles vão responder sob acusação dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido. As investigações seguem em curso. Nenhum empresário mencionado nesta reportagem é alvo dos inquéritos até agora divulgados.
*Colaborou Beatriz Souza
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