A briga do ex com o atual

No Rio, disputa do 2º turno será entre Eduardo Paes (DEM) e Marcelo Crivella (Republicanos)

Gabriel Sabóia e Igor Mello Do UOL, no Rio Reprodução
UOL

Eduardo Paes (DEM), ex-prefeito do Rio, e Marcelo Crivella, o atual prefeito, disputarão o 2º turno das eleições na capital fluminense. A briga pela segunda vaga foi acirrada durante toda a campanha, terminando com as candidatas Martha Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT) fora da disputa.

Finalizada a apuração, Paes somou 37,01% dos votos (974.804) e Crivella, 21,9% (576.825).

Em seguida estão Martha Rocha (PDT) (11,3%), Benedita da Silva (PT) (11,27%), Luiz Lima (PSL) (6,85%), Renata Souza (PSOL) (3,24%), Paulo Messina (MDB) (2,93%), Bandeira de Mello (Rede) (2,48%), Fred Luz (Novo) (1,76%), Glória Heloiza (PSC) (0,52%), Clarissa Garotinho (Pros) (0,46%); Suêd Haidar (PMB) (0,15%); Cyro Garcia (PSTU) (0,11%) e Henrique Simonard (PCO) (0,02%).

Os votos nulos são 12,69% (413.962) e os brancos, 6,54% (213.138). Não compareceram às urnas 1.590.876 eleitores (32,79%) —o maior número desde ao menos 1996.

Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella contou com o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para chegar ao 2º turno. Agora, terá apenas 14 dias para reverter a expressiva rejeição ao seu nome, ligada à má avaliação de sua gestão à frente da prefeitura.

Em entrevista na noite de hoje, Crivella atribuiu a rejeição à crise econômica. "A minha rejeição é por causa da gestão, o que é normal, sobretudo em um período de crise. Não é porque eu sou corrupto. Não sou réu em nada, diferente de outros candidatos", disse ele, que é alvo de investigações e foi condenado por abuso político pela Justiça Eleitoral.

Prefeito do Rio entre 2009 e 2016, Paes manteve-se isolado na liderança durante toda a campanha, na qual adotou o mote de "bom gestor".

Diferentemente do republicano, Paes procurou não nacionalizar a campanha, enaltecendo seus mandatos —sobretudo as obras em decorrência da Olimpíada— em contraponto ao governo Crivella.

"Eu não quis e não quero nacionalizar a campanha. O candidato do Bolsonaro é o Crivella, do Lula é a Benedita da Silva [PT], a do Ciro Gomes é a Martha Rocha [PDT]. Não se trata de não querer o apoio de alguém. Acontece que eu sou candidato do Rio", afirmou ontem (14) o ex-prefeito.

A coligação de Eduardo Paes contou com outros seis partidos (Cidadania, DC, PV, Avante, PL e PSDB), o que deu a ele o maior tempo de propaganda na TV (dois minutos e cinco segundos). O candidato a vice é Nilton Caldeira (PL).

Crivella também costurou uma aliança grande, com sete legendas (Podemos, PTC, PMN, PRTB, Progressistas, Patriota e Solidariedade), e obteve o segundo maior tempo de TV desta campanha (dois minutos e dois segundos). A vice na chapa é a tenente coronel Andréa Firmo (Republicanos) —a escolha da militar também é um aceno ao eleitorado bolsonarista.

Com a esquerda fora da disputa, o prefeito —que investiu em pautas conservadoras— negou conversas com essas legendas. "Aliança com a esquerda é impossível porque eles pensam em ideologia de gênero e são contra a família", criticou.

Mas, na noite de hoje, o prefeito mirou os votos de Benedita da Silva, que é evangélica. "Esses votos que vocês dizem ser de esquerda têm uma grande parcela da área popular, que sempre votou com o Crivella. Há uma grande quantidade de evangélicos que votaram em Benedita. É possível que esses votos venham conosco."

Já Paes disse que buscará os eleitores de Benedita, Renata Souza (PSOL) e Martha Rocha (PDT).

Tanto Paes quanto Crivella sofreram desgastes em razão de investigações e reveses judiciais.

O democrata se tornou réu por corrupção após acusação de caixa dois da Odebrecht e o republicano foi alvo de operação do MP-RJ contra o suposto "QG da Propina". Crivella também sofreu desgaste em razão do episódio conhecido como Guardiões de Crivella.

Em setembro, o prefeito foi condenado pelo TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral) por abuso de poder político e conduta vedada, o que o deixou inelegível até 2026. Ele conseguiu uma liminar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que suspendeu a decisão. O caso está sub judice.

Ambos negam as acusações.

Rafael Andrade/Folhapress

Paes: 'Ninguém pode ser condenado por uma relação de amizade'

Eduardo da Costa Paes tenta voltar ao cargo após dois mandatos como prefeito da capital fluminense, entre 2009 e 2016. É possível dizer que eventual retorno dele ao Executivo municipal significaria uma espécie de "renascimento" da vida pública desse carioca de 51 anos, marcado por altos índices de aprovação dos seus governos e por derrotas significativas nas urnas.

No auge de sua popularidade, em 2016, quando o Rio sediou a Olimpíada, Paes não conseguiu emplacar o seu fiel escudeiro, Pedro Paulo (hoje no DEM, na época no MDB), para a sucessão.

Em 2018, mais um baque: depois de liderar toda a corrida eleitoral para o governo do Rio, Paes foi superado pelo até então desconhecido Wilson Witzel (PSC).

Principal entrave na disputa de dois anos atrás, as antigas alianças políticas com o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), preso desde 2016 por liderar esquema de corrupção no governo, e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foram lembradas por adversários nas eleições deste ano.

Com 32% de rejeição, segundo pesquisa Datafolha de sábado (14), Paes usou os programas eleitorais para se justificar. Nas palavras dele, "ninguém pode ser condenado por uma relação de amizade". Ele também negou envolvimento em escândalos de corrupção em que antigos aliados são citados.

Ramon Vellasco/Futura Press/Estadão Conteúdo

QG da Propina e Guardiões de Crivella

Aos 63 anos, o candidato à reeleição Marcelo Crivella terá só duas semanas para enfrentar a mais alta rejeição entre todos os adversários. Na pesquisa Datafolha de sábado (14), 62% dos eleitores disseram que não votariam em Crivella de jeito nenhum.

Durante a campanha, Crivella tenta atribuir a Paes as dificuldades que enfrentou no primeiro mandato. Em sua propaganda de rádio e TV, disse reiteradas vezes que lidar com queda de receitas e pagar dívidas deixadas pela gestão do adversário.

Na pré-campanha, Crivella viveu uma série de reveses na Justiça. Em 10 de setembro, Crivella foi alvo de um mandado de busca a apreensão obtido pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e teve o celular apreendido.

Os promotores investigam a existência de um QG da Propina supostamente comandado pelo prefeito e pelo empresário Rafael Alves na atual administração, com cobrança de valores indevidos para garantir vantagens para empresas, como o recebimento de restos a pagar.

A investigação traz conversas comprometedoras de Crivella apreendidas em um aparelho de Alves.

Dias antes, o MP-RJ e a Polícia Civil deflagraram outra operação que atingiu o núcleo duro de Crivella. Os investigadores miraram Marcos Luciano, assessor especial do prefeito apontado como o articulador de um grupo de funcionários comissionados usados para intimidar jornalistas e pacientes que expusessem problemas em unidades de saúde.

Um pedido de impeachment contra o prefeito foi votado na Câmara Municipal, mas ele foi barrado pela base de Crivella.

Reprodução

Sem união, esquerda fica fora do 2º turno

Com votos pulverizados em cinco candidaturas, a esquerda terminou as eleições fora do segundo turno. A proposta de uma frente ampla ao redor do nome do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) não avançou, e PT, PDT e PSOL lançaram candidaturas próprias.

A ideia era montar uma frente ampla de esquerda, que contaria também com PSB, PCdoB e Rede Sustentabilidade, além do PDT. No entanto, não houve acordo com o partido do ex-governador Leonel Brizola, que insistiu em ter a deputada estadual Martha Rocha como cabeça de chapa.

Em maio, Freixo anunciou sua desistência da disputa, diante da falta de uma unidade na esquerda. Por sua vez, o PSOL recusou como vice Benedita da Silva. A petista recebeu apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que gravou vídeos exibidos no programa eleitoral.

Durante a campanha, Martha Rocha teve um crescimento expressivo e chegou a ameaçar Paes nas projeções de 2º turno, mas perdeu musculatura após ataques do ex-prefeito. A pedido da campanha de Martha, a Justiça determinou a retirada do ar de perfis de apoio a Paes que estariam compartilhando notícias falsas em redes sociais.

Na reta final, Benedita e Martha —entre as quatro melhor colocadas nas pesquisas— pregaram voto útil para derrotar Crivella, mas individualmente não superaram a votação do prefeito.

Divulgação/Assessoria

Bolsonaro: 'Quem não quiser votar nele fique tranquilo'

Apesar da estratégia explícita de colar sua imagem à do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Crivella recebeu sinalizações conflitantes vindas do clã presidencial.

Após abrigar no Republicanos, o senador Flávio Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro e Rogéria Bolsonaro —primeira mulher de Bolsonaro e mãe dos seus filhos políticos—, Crivella foi surpreendido com o anúncio de que o presidente não faria campanha para candidatos no primeiro turno.

Posteriormente, Bolsonaro recuou: primeiro autorizou que Crivella usasse sua imagem nos programas de TV, depois gravou um vídeo em apoio à reeleição do prefeito.

No entanto, declarações do presidente desagradaram aliados de Crivella. O tom de Bolsonaro —que chegou a elogiar Paes— foi considerado "catastrófico".

Eu tô aqui com um nome que dá polêmica. O Rio de Janeiro sempre é polêmico. Eu fico aqui com o Crivella e não tem muita polêmica não, quem não quiser votar nele fique tranquilo, tá certo? Não vamos criar polêmica, não vamos brigar entre nós por causa disso. Eu respeito os seus candidatos também

Jair Bolsonaro, em live de 30 de outubro

No dia seguinte, Crivella viajou a Brasília para gravar com Bolsonaro uma inserção para sua propaganda eleitoral, e o presidente passou a se engajar abertamente na campanha.

Contudo, não houve o mesmo empenho por parte dos filhos. Flávio se manteve alheio à campanha em meio à repercussão negativa da denúncia do MP-RJ no caso da rachadinha na Alerj.

Já Carlos fez sua campanha sem qualquer menção a Crivella no material gráfico e nas redes sociais. Eduardo Bolsonaro, que viajou o Brasil oferecendo apoio a bolsonaristas, visitou cidades do Rio, mas não incluiu Crivella no roteiro.

Propostas de Paes na pandemia

Educação

Volta às aulas será avaliada com comitê científico e podem ser transmitidas pela internet.

Carnaval

Com apoio da prefeitura. Sapucaí e Carnaval de rua só quando tive vacina contra covid-19.

Economia

Fundo de captação, revisão do IPTU e ampliar programa das atividades por alvará eletrônico.

Cultura

Paes diz que fará restauração e a recuperação de equipamentos culturais.

Ricardo Stuckert/Instituto Lula

De Cesar Maia a Cabral: a trajetória política de Paes

Eduardo Paes iniciou sua carreira política no PFL (atual DEM), ocupando o cargo de subprefeito da zona oeste, na prefeitura de Cesar Maia, entre 1993 e 1996. O sucesso na administração municipal o fez ser eleito vereador.

Em 1998, ele foi eleito deputado federal pela primeira vez. No ano seguinte, Paes trocou de partido e foi para o PTB, onde permaneceu até 2001. No mesmo ano, Paes voltou para o PFL e se tornou secretário de Meio Ambiente do segundo mandato de Cesar Maia.

Após romper com Maia, Paes foi para o PSDB, com o qual concorreu pela primeira vez ao governo do estado. Ele perdeu para Sérgio Cabral, que ofereceu a ele a Secretaria de Esportes e Lazer —Paes migrou para o então PMDB.

A essa altura, ele cumpria o seu segundo mandato como deputado federal.

Em 2008, Paes foi eleito prefeito pelo PMDB e se reelegeu em 2012, pela mesma sigla, concorrendo contra Rodrigo Maia, que hoje o apoia ao lado do pai, Cesar Maia.

Em 2018, Paes se filiou ao DEM, numa tentativa de se desvincular de alguns dos seus principais apoiadores dos últimos anos.

Propostas de Crivella na pandemia

Educação

Volta liberada, mas decisão é da escola e pais. Alimentação aos alunos e apoio psicológico.

Carnaval

Depende de apoio da iniciativa privada. Sapucaí e Carnaval de rua só com vacina contra a covid-19.

Economia

Novos negócios, economia solidária, fortalecimento de produção local e economia criativa.

UOL

Cultura

Espaços com metade da capacidade, máscaras, higienização e compra antecipada de ingressos.

Jonas Pereira/Agência Senado

Após aliança com PT, Crivella investe em pautas conservadoras

Na esteira da aliança com Bolsonaro, Crivella abraçou o discurso conservador e recuperou o discurso de bispo evangélico, do qual procurou se desvincular ao longo de sua carreira política.

Mesmo tendo sido aliado dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff por mais de uma década, o prefeito vem fazendo um discurso anticomunista e antiesquerda, com menções constantes a países como a Venezuela.

Também apostou em temas de costume, dizendo-se um defensor da família.

A estratégia não fez com que Crivella crescesse nas pesquisas ao longo da campanha, mas o ajudou a solidificar uma base de apoio na casa dos dois dígitos, formada sobretudo por evangélicos.

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