Empresário que não fez doação oficial indica caixa 2 para Crivella em 2016
Em mensagens obtidas pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) em aplicativos de conversa no celular, o empresário Rafael Alves —pivô de suposto esquema de corrupção conhecido como "QG da Propina"— diz a diversos interlocutores ter sido o "maior investidor" da campanha que levou Marcelo Crivella (Republicanos) à Prefeitura do Rio em 2016. Dados do TSE analisados pelo UOL mostram contudo que Crivella não recebeu nenhuma doação oficial de Rafael Alves em 2016.
O doleiro Sergio Mirzahy —que relatou a existência do QG da Propina em delação premiada— afirmou ao MP que os recursos que diz ter lavado para Alves em 2016 foram usados na campanha de Crivella. Entretanto, o MP-RJ ainda não obteve provas de que esse dinheiro tenha sido usado para despesas eleitorais e sustenta que possa ter sido empregado para outros fins ilícitos.
O pré-candidato à reeleição pelo Republicanos, que arrecadou R$ 9,66 milhões na campanha de 2016, nega que o empresário tenha feito doações naquele ano.
A legislação eleitoral determina que todas as doações a campanhas eleitorais sejam registradas na prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral. Repasses feitos fora da contabilidade oficial das campanhas configuram crime de caixa 2.
Por ser crime eleitoral, casos de suspeita de caixa 2, como o de Crivella, podem dar origem a ações penais na Justiça Eleitoral após investigação conduzidas por um promotor eleitoral.
De acordo com a investigação, o suposto esquema criminoso teria sido iniciado durante a disputa eleitoral, com a arrecadação de propina junto a empresários a título de "adiantamento".
'Banquei grande parte da campanha', diz empresário
A primeira menção a esse papel foi feita por Rafael ainda durante a campanha eleitoral, de acordo com a investigação. Em conversa com Marcelo Faulhaber, então marqueteiro de Crivella, em 8 de setembro de 2016, ele afirma: "Hoje o maior investidor sou eu. Não quero cargo nem status. Quero retorno do q está sendo investido". A grafia original das mensagens foi mantida.
O print da mensagem foi anexado pelo MP-RJ no pedido de medidas cautelares que deu origem à Operação Hades 2, deflagrada na semana passada.
O mesmo tipo de afirmação consta em outra mensagem enviada por Rafael Alves em um grupo do qual fazia parte também Marcos Luciano, um dos mais próximos assessores do prefeito e apontado como o líder dos Guardiões do Crivella. Um outro contato não identificado também estava no chat.
"Crivella deve achar que sou moleque", inicia Alves. "Ou ele deve ter amnésia de tudo q fiz investi e sei ...".
Após reclamar que não era recebido pelo prefeito, Alves insiste nesse argumento. "Ninguém merece isso não", queixa-se. "Ainda mais eu que banquei grande parte da campanha."
Relações antigas com partido de Crivella
O fato de não ter feito doações formais à campanha de Crivella em 2016 interrompeu um histórico de contribuições que revelam a proximidade de Rafael Alves com Marcelo Crivella e a cúpula do Republicanos.
Em entrevista à CNN, Crivella afirmou que não tem relação de amizade com Rafael Alves.
"Não tenho relações pessoais com Rafael. Às vezes, eu o vi na igreja onde eu prego. Todo domingo estou na igreja na Barra e já o vi lá algumas vezes", alegou.
Contudo, o prefeito do Rio mantinha uma rotina de encontros com o empresário, segundo o MP-RJ. Crivella inclusive compareceu à festa de aniversário da filha de Alves em janeiro de 2017, poucos dias depois de sua posse.
Ainda segundo Crivella, ele conheceu Alves durante uma campanha eleitoral.
"O Rafael é do meu partido. Eu conheci no PRB. Ele era candidato a prefeito lá em Angra dos Reis. Na época eu era senador e ele me pediu para que fosse lá para dar apoio a ele em Angra dos Reis. A meu ver é uma pessoa honesta, honrada. Conheço a filha dele, o pai dele. E o irmão dele fez uma gestão espetacular na Riotur [companhia de turismo do Rio]."
Porém, os registros do TSE mostram que Alves não concorreu aos cargos de prefeito ou vice-prefeito em Angra desde que Crivella se elegeu senador, em 2002.
O UOL questionou Crivella quando e em que contexto esse pedido de apoio político por Rafael Alves se deu, mas não obteve resposta.
Alves já havia feito generosas doações a Crivella e a seu partido em 2012 e 2014.
Na eleição de 2014, ele doou R$ 200 mil para a campanha de Crivella — sendo o maior doador entre pessoas físicas. Na mesma eleição, o empresário ainda destinou R$ 300 mil para o diretório estadual do Republicanos, até então chamado PRB, no Rio.
Em 2012, Alves já havia dedicado um grande volume de recursos ao partido: destinou R$ 245 mil para o Republicanos.
Outro lado
O UOL enviou ao prefeito quatro perguntas a respeito das mensagens e das contribuições de Rafael Alves em campanhas eleitorais de Crivella e do Republicanos.
Contudo, o prefeito limitou-se a afirmar, por meio de sua assessoria, que "não houve contribuição do Sr. Rafael Alves para a campanha de Marcelo Crivella em 2016", sem responder os demais questionamentos.
A reportagem perguntou a Crivella quando e como se aproximou de Rafael Alves e se intermediou as doações feitas formalmente pelo empresário em 2012 e 2014. O prefeito não respondeu.
Crivella pontuou ainda que "refuta as denúncias e as ilações que estão sendo feitas envolvendo seu nome. Ele considera estranha uma operação realizada em sua casa em período eleitoral".
A reportagem também ligou e enviou mensagens para o advogado de Rafael Alves, mas não obteve resposta.
Em nota, o Republicanos afirmou que "somente atua nos estreitos preceitos da lei, desse modo, toda a movimentação financeira realizada pode ser encontrada nos respectivos processos de prestações de contas protocolados na Justiça Eleitoral. Salienta, por oportuno, que os dados sobre processos de prestações de contas são públicos e podem ser consultados por quaisquer interessados".
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