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Brasil é mediador secundário na crise nuclear iraniana, dizem especialistas

Carlos Iavelberg<br>UOL Notícias

Em São Paulo

23/02/2010 07h53

O Brasil é um mediador secundário na crise envolvendo o Irã e o Ocidente e sua posição terá pouca influência para a resolução do impasse. A opinião é defendida por três especialistas ouvidos pelo UOL Notícias.

Analistas questionam ambição da diplomacia brasileira no Irã

Desde que o governo de Teerã anunciou que retomaria o enriquecimento de urânio a 20%, a pressão para que o país receba sanções vem crescendo. Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia têm defendido a medida – a China é o único membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (CS) contrário às sanções. O temor é de que o Irã esteja buscando a bomba atômica, fato negado pelos iranianos.

O Brasil também já se posicionou contra as sanções e a favor do diálogo. Além disso, o Itamaraty confirmou a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Irã no mês de maio.

“A proposta deste governo [brasileiro] é aparecer como um mediar internacional. Agora, quando entra em questões delicadas, como a nuclear, o Brasil não tem tradição, seu papel é marginal. O Brasil não é uma potência nuclear. Dificilmente terá um papel protagonista nesse tema”, explica Gilberto Sarfati, professor de relações internacionais especializado em Oriente Médio da Universidade Rio Branco.

A opinião é compartilhada pelo professor de relações internacionais da PUC-SP especializado em segurança internacional Reginaldo Nasser. “O Brasil é um país de segunda ordem no cenário internacional. Ele não tem a mesma capacidade da China, da Rússia ou da Inglaterra. Não é o Brasil que vai resolver a questão. Ele é apenas mais um”, analisa.

Já para Samuel Feldberg, cientista político do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP e especialista em Oriente Médio, que também não acredita num papel decisivo do Brasil no impasse, a posição brasileira sobre o programa nuclear iraniano ficou “delicada” depois da visita que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, fez ao Brasil em novembro do ano passado. Na época, Lula defendeu o programa nuclear iraniano para fins pacíficos (veja o vídeo abaixo).

“O Ahmadinejad foi muito hábil durante sua visita ao Brasil ao dizer que a situação do programa nuclear do Irã é a mesma do programa brasileiro”, afirma Feldberg. Para o especialista, é difícil o Brasil criticar o Irã quando ele próprio possui um programa nuclear com fins civis. Em 2004, o programa brasileiro chegou a ser classificado como “preocupante” por parte da imprensa internacional.

  • 23.11.2009 - Sérgio Lima/Folha Imagem

    Lula e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, durante a viagem do iraniano ao Brasil

Posição brasileira
Os especialistas, porém, divergem quando o tema é a posição que o Brasil deve adotar com relação ao impasse. Para Sarfati, o Brasil tenta ser um protagonista internacional e ainda sonha em assumir uma cadeira permanente no CS. Seria por isso, que o governo Lula tenta ser um mediador na crise iraniana e mantém a liderança da Minustah (missão de paz da ONU no Haiti).

“Os riscos [de o Brasil se posicionar contra as sanções] são maiores que os possíveis benefícios. Mas quem quer ser líder tem de pagar altos custos. Pessoalmente, acredito que a ideia de o Brasil tentar uma cadeira permanente e os seus altos custos é uma questão de vaidade. Considero perda de tempo e antiprodutivo”, afirma Sarfati.

Para o cientista político Feldberg, as chances de o país conseguir uma cadeira no CS são muito remotas. “O risco que o Brasil corre é de ficar à margem de importantes decisões [no cenário internacional]. É um desgaste em vão. O Brasil não tem nada a ganhar com essa posição. Está indo na contramão”, opina.

  • Lula defende programa nuclear iraniano para fins pacíficos durante visita de Ahmadinejad ao Brasil

Já para o professor Nasser, Brasília tem todo o direito de buscar mais destaque no exterior e não existe uma posição certa ou errada. “Se o Brasil escolher ter uma política externa mais autônoma e ser mais capaz de defender suas posições, ele tem de adotar uma posição clara em relação ao Irã e ser fiel a ela”, acredita.

“Se continuar com essa posição e tiver alguma influência em uma negociação que chegue a uma solução [na crise entre Irã e o Ocidente], o Brasil sairá fortalecido”, defende o professor.

Segundo Nasser, o Japão tem se posicionado de forma parecida ao Brasil, mas ninguém tem criticado o país asiático.

Nasser também defende que o Brasil deva se posicionar independentemente de contar ou não com apoio das grandes potências mundiais. “Em 2003, o Lula viajou para a Líbia e foi duramente criticado pela imprensa aqui. Uns vinte dias depois, Tony Blair [então premiê britânico] disse que o [ditador líbio Muammar] Gaddafi era bem-vindo na comunidade internacional. Será que precisamos do apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido para desenvolver a nossa política externa? Acho isso complicado”, afirma.

Aliado irrestrito?
Na semana passada, o jornal “Folha de S.Paulo” publicou reportagem na qual afirmava que o Brasil está se afastando do governo iraniano na questão dos direitos humanos. Seria essa a justificativa para o fato de os brasileiros terem pressionado o país persa a receber relatores especiais na ONU no Conselho de Direitos Humanos.

O objetivo brasileiro seria, segundo o jornal, manter a posição contrária às sanções, mas, ao mesmo tempo, tentar mostrar que não é aliado irrestrito do governo de Ahmadinejad, o que poderia dar mais credibilidade ao Brasil como mediador.

Os especialistas ouvidos, entretanto, não acreditam que este seja o objetivo do Brasil e acreditam que o país está apenas sendo coerente com sua tradição de defensor dos direitos humanos. “Caso o Lula citasse algo referente aos direitos humanos durante a viagem [ao Irã], isso, sim, seria inesperado. Mas considero essa possibilidade praticamente nula”, afirma Sarfati.

Para Feldberg, a atitude do Brasil no Conselho de Direitos Humanos indica uma eventual mudança de posição, mas é preciso observar o que acontecerá mais para frente. Até porque, segundo o analista, o peso de uma decisão no Conselho de Segurança da ONU é muito maior do que no de direitos humanos.

De acordo com Nasser, defender os direitos humanos “não é uma posição do governo Lula, mas, sim, uma posição clássica da diplomacia brasileira”. O professor lembra que, em 1962, o Brasil condenou o “totalitarismo” em Cuba, mas, ao mesmo tempo, condenou a expulsão do país caribenho da Organização dos Estados Americanos.