'Vida foi muito generosa', conta brasileiro que sobreviveu ao Holocausto
Andor Stern, 87, prefere ser chamado de André. Paulistano, sobreviveu ao horror do Holocausto. Há 20 anos, é ativo funcionário de uma empresa petroquímica de São Paulo. Há 70 anos, foi libertado por soldados americanos das mãos dos alemães, data que virou motivo para comemorar a vida.
Stern foi para a Hungria com dois anos quando o pai, que era médico, foi transferido para Mumbai, na Índia, em 1930.
"Em vez de voltarmos para o Brasil, ficamos na Hungria. Acabei ficando por lá, no endereço errado em uma péssima ocasião. Quando o Brasil declarou guerra [em 1942, ao Eixo], virei refém. Tinha 14 para 15 anos quando fui preso num campo de concentração pela primeira vez", conta.
"Quando os alemães ocuparam a Hungria, começaram a empacotar gente em vagões de trem e mandar para Auschwitz. Fui parar em Auschwitz, onde cheguei com minha família. Aliás, em Birkenau, onde fui selecionado para o trabalho, porque era um garoto bem desenvolvido, trabalhei pouquíssimo tempo em Auschwitz-Monowitz em uma fábrica de gasolina artificial. De lá, fui parar em Varsóvia, com a finalidade de limpar tijolos, em 1944, fomos levados para recuperar os tijolos inteiros e consertar as estradas que os bombardeios destruíram".
Da família Stern, que moravam no mesmo bairro que Andor na Hungria, de 93 pessoas, apenas quatro retornaram dos campos de concentração.
Andor passou por diversos campos nazistas. "Depois de uns três dias, fomos empacotados em vagões, fui parar em Dachau, era um campo de trânsito e castigo, e de extermínio, aí fui distribuído para um lugar perto de Dachau, um lugar que tinha três firmas alemãs que estavam construindo um complexo industrial, construindo foguetes de longa distância para bombardear Londres, aí a gente estava trabalhando carregando cimento, construindo a estrada. Passei por muitos outros lugares, um lugar chamado Mühldorf, fui para Ampfing, e depois fui parar na Bavária", explica.
Durante o confinamento, o brasileiro disputou comida com os ratos, e apanhou muito dos soldados da SS. Andor Stern foi libertado numa cidade do sul da Alemanha, chamada Seeshaupt, em 1º de maio de 1945 por soldados dos Estados Unidos.
"Não estava em estado de me sentir inteiro, estava em dúvidas se estava vivo ou no céu, foi quando os americanos me libertaram em 1º de maio de 1945, me deram um banho, jogaram meus trapos no fogo, e botaram um pijama da Cruz Vermelha, aí falei: 'estou no céu'. E ainda por cima me deixaram comer um mingau. Muita gente morreu quando começou a comer tudo que caiu nas mãos. Tinha 28 kg e faltavam 40 dias para eu fazer 17 anos", relembra o sobrevivente.
Casado há 60 anos, pai de cinco filhos e já avô e bisavô, Andor não sente raiva do tempo em que foi prisioneiro por ser judeu. "Fui separado da minha família e nunca mais os vi. Quando dou palestras, falo muito mais da vida do que dos meus sofrimentos. Falo sobre o valor da liberdade. Minhas melhores lembranças são todos os dias em que estou livre, estou limpo, em que posso trabalhar e ainda estou inteiro. Valorizo muito, muito a vida. E a vida foi muito generosa comigo. Conheço bem os dois lados da vida: o bem e o mal", diz.
O brasileiro, que tem um depoimento imortalizado no Museu do Holocausto, em Washington DC, nos EUA, terá também sua história contada em livro. Sua biografia está sendo escrita e deve sair em breve.
Auschwitz
Nesta terça-feira (27), completam-se 70 anos da libertação do maior campo de concentração nazista, Auschwitz-Birkenau, pelos soldados do Exército Vermelho.
Os alemães construíram Auschwitz em 1940 como um lugar para prender poloneses. Em 1942, tornou-se o maior local de exterminação de judeus na Europa. Lá, foram mortos cerca de 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus, mas também poloneses, ciganos e soldados de guerra soviéticos.
"O 70º aniversário não será o mesmo dos outros grandes aniversários. Temos que dizer claramente: será o último aniversário que podemos comemorar com um numeroso grupo de sobreviventes", disse Piotr M.A. Cywi?ski, diretor do memorial de Auschwitz, que virou museu em 1947, graças ao apoio de ex-prisioneiros.
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