Topo

Com apuração lenta e por 40 mil votos, Kuczynski é o "virtual" presidente do Peru

Ivan Martínez-Vargas

Colaboração para o UOL, em Lima

09/06/2016 05h27

Os peruanos estão vivendo uma acirrada apuração dos votos para definir quem comandará o país a partir de julho. Na última atualização da contagem dos votos, feita na madrugada desta quinta-feira (9), o candidato Pedro Pablo Kuczynski (PPK, como é conhecido o economista de 77 anos) ainda não poderia ser declarado oficialmente o presidente, apesar de liderar a disputa contra Keiko Fujimori desde o início da apuração, iniciada no domingo (5).

Apesar da demora na contagem dos votos, para o presidente do instituto de pesquisa Ipsos Perú, Alfredo Torres, já se pode afirmar que PPK é o virtual presidente do Peru. “Matematicamente Keiko Fujimori tem alguma chance de reverter a vantagem de Kuczynski, mas isso é altamente improvável. Ela teria que ter quase todos os votos que faltam ser contabilizados”, afirma.

Nesse sentido, os candidatos a vice-presidentes da chapa de PPK, Martín Vizcarra e Mercedes Aráoz, já deram declarações à mídia peruana afirmando que Kuczynski já está montando o ministério. À imprensa, contudo, PPK afirmou que só vai se pronunciar oficialmente após o término da apuração, o que deve ocorrer entre quinta (9) e sexta-feira (10).

No lado adversário, a candidata Keiko e os porta-vozes de seu partido, Força Popular, afirmam que acreditam que é possível reverter a vantagem de PPK e que só vão aceitar uma eventual derrota com o fim da apuração.

Apuração

Com 99,53% das urnas apuradas, PPK tem 50,11% dos votos válidos e está pouco menos de 40 mil votos à frente de Keiko Fujimori, que tem 49,89% dos votos válidos. Faltam contabilizar cerca de 85 mil votos. Embora seja possível uma mudança no cenário, ela é dada como altamente improvável por especialistas. O principal desafio de PPK seria a governabilidade, já que Fujimori tem maioria no Congresso.

No Peru, a apuração dos resultados pode demorar mais de uma semana. Isso porque a maioria dos votos é feita manualmente em cédulas de papel. Além disso, depois de encerrada a votação, as urnas são enviadas a Lima para serem contabilizadas. Os votos emitidos nas embaixadas peruanas ao redor do mundo e nas zonas rurais mais isoladas do país, na cordilheira e na Amazônia peruanas, são os que demoram mais tempo para serem apurados.

Qualquer que seja o resultado, o eleito terá obtido a vitória mais apertada desde a redemocratização do país, em 2000. Na eleição presidencial anterior, em 2011, o atual presidente, Ollanta Humala, derrotou Keiko Fujimori com uma margem de 1,5% dos votos válidos.

Vitória improvável

Se confirmada, a eleição de Kuczynski terá sido uma surpresa para a boa parte dos peruanos, já que, nas últimas pesquisas de intenção de voto publicadas pela imprensa local, a uma semana da votação, Keiko liderava com até 6 pontos porcentuais de vantagem.

Para o analista político Martín Saltiváñez, a mudança do cenário eleitoral foi iniciada quando, no final de maio, o canal de TV "Univisión" divulgou que o então secretário geral do partido de Fujimori, Joaquín Ramírez, acusado de lavagem de dinheiro pela justiça peruana, era alvo também de uma investigação da DEA (Drug Enforcement Administration), a agência do governo americano de combate ao narcotráfico. Ramírez renunciou ao cargo no partido. "A reação [do partido fujimorista] demorou pouco [três dias], mas acabou afetando a campanha", afirma Saltivãñez.

O caso teve ampla cobertura da imprensa peruana e foi explorado pela campanha de PPK, que acusou o fujimorismo de ter relações com o narcotráfico. A repercussão foi ampliada ainda mais depois que o candidato a vice-presidente de Keiko Fujimori, José Climper, foi acusado de ter fornecido a um programa de TV local um áudio adulterado no qual uma testemunha da DEA afirmava que as acusações contra Ramírez eram falsas. Climper admitiu ter entregue o áudio, mas negou tê-lo editado.

Além disso, Saltivañez ressalta que o apoio de Verónika Mendoza, terceira colocada nas eleições e que teve a maioria dos votos em províncias no sul do país, como Cusco e Puno, também ajudou a campanha de PPK. Mendoza declarou publicamente seu “voto crítico” em Kuczynski quatro dias antes da votação e conclamou seus eleitores a fazerem o mesmo para “fechar o caminho ao fujimorismo”, que ela e seu partido, Frente Amplio, consideravam como “a pior das alternativas”. PPK ainda recebeu o apoio de Julio Guzmán e Cesar Acuña, candidatos excluídos do processo eleitoral.

Governabilidade em xeque

O maior problema de um eventual governo de PPK será garantir a governabilidade. Isso porque o novo congresso peruano será controlado pelo fujimorismo, que elegeu 73 dos 130 parlamentares. O partido do virtual presidente ficará com 18 dos 130 parlamentares, a terceira bancada do novo congresso. Já a sigla de Verónika Mendoza, que promete fazer oposição a PPK, terá a segunda bancada, com 20 deputados. Para Martín Saltiváñez, “é uma situação de debilidade em um momento econômico delicado, o governo de PPK já nasce frágil e terá dificuldade para aprovar projetos importantes no Legislativo”.

Segundo o cientista político Enrique Bernales, a única alternativa de Kuczynski será negociar com a oposição fujimorista um acordo que permita aprovar as medidas mais importantes. “O fujimorismo participar do governo é uma possibilidade remota, porque existe um projeto de poder para as próximas eleições. Mas tampouco lhe convém ser visto como uma oposição implacável, há margem de negociação”, ressalta.

Além de ter que lidar com um congresso de maioria oposicionista, PPK assumiria a presidência com um partido que, na prática, não existe. “É um grupo que se reuniu com fins eleitorais, que têm ideologias e agendas bastante diferentes. Será difícil conciliar”, afirma Saltiváñez. Por outro lado, Bernales ressalta que “dos 50% dos votos válidos de PPK, pelo menos 30 pontos vêm do antifujimorismo, que não é uma ideologia nem tem identidade própria, é mais um sentimento de rechaço a Fujimori. É inviável governar com base nesse movimento”.