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Mulheres sauditas testam sua independência com aulas básicas de direção

Ata Batrawy

Da Associated Press

08/03/2018 07h31

Fatima Salem ri de com hesitação quando chega sua vez de pegar no volante em um pequeno estacionamento repleto de cones de trânsito e setas no chão. Como milhões de mulheres sauditas, ela planeja solicitar uma carteira de motorista quando o reino retirar a proibição de que mulheres dirijam em junho. Mas antes, ela precisa aprender a dirigir.

"Estou um pouco nervosa", diz a estudante de mestrado de 30 anos.

Francesca Pardini, uma antiga motorista de corrida italiana, ajuda Salem a se acalmar e a lembra de olhar para os espelhos retrovisores. Na rua, Pardini a ajuda a endireitar o volante após uma curva à esquerda, e as duas vão para frente quando Salem pisa no freio antes de um sinal de pare.

O direito de dirigir, que adolescentes de outros países ganham após aulas parecidas -- devidamente reconhecidas como cursos de auto-escola -- tinha sido negado às mulheres da Arábia Saudita. Dúzias das que desafiaram protestar ou desafiar a proibição foram presas, processadas e estigmatizadas.

Um decreto real emitido no ano passado pelo rei Salman, anunciando que as mulheres seriam autorizadas a dirigir em 2018, colocou fim a uma das formas mais visíveis de discriminação contra as mulheres na Arábia Saudita, onde as leis permitem que homens tenham a palavra final sobre se as mulheres podem fazer viagens internacionais, obter passaporte e até mesmo se casar.

O filho de 32 anos e herdeiro do rei, príncipe Mohammed bin Salman, tem incentivado uma série de reformas para relaxar algumas das regras ultraconservadoras do país, como permitir que mulheres frequentem estádios para assistir esportes, autorizar a realização de shows e deixar que cinemas se instalem no país após três décadas de banimento.

As reformas são uma tentativa de melhorar a imagem da Arábia Saudita no exterior, o que pode atrair investidores, aumentar a participação feminina na classe trabalhadora e aumentar os gastos familiares, já que os preços mais baixos do petróleo forçaram o reino a realizar medidas severas de austeridade.

aula volante mulher saudita - Amer Hilabi/AFP - Amer Hilabi/AFP
Mulher saudita durante aula de direção em Jidda
Imagem: Amer Hilabi/AFP

No campus da Universidade Effat em Jidda, frequentada só por mulheres, dúzias de jovens estudantes sauditas vestidas em longas túnicas pretas — ainda exigidas pela norma -- desbravaram o calor da tarde por uma chance de aprender a dirigir.

A universidade organizou uma semana de treinamento para ensinar para as alunas o básico de como conduzir um carro. Espera-se que faculdades femininas de toda a Arábia Saudita ofereçam cursos completos de direção assim que as novas normas forem anunciadas pelo governo.

Para muitas das jovens mulheres, o treinamento de uma hora, patrocinado pela Ford, é a sua primeira vez no banco do motorista. 

Eu me senti deslocada. Eu nunca me sento deste lado do carro. Geralmente eu sempre me sento nos bancos de trás ou no lado direito, mas me senti bem. Você se sente no controle. Eu quero dirigir, quero ser independente

Sara Ghouth, caloura de 18 anos

7.mar.2018 - Mulher saudita em uma aula de direção na universidade de Jeddah - Faisal Al Nasser/Reuters - Faisal Al Nasser/Reuters
Mulher saudita em uma aula de direção
Imagem: Faisal Al Nasser/Reuters

As empresas de carro veem a suspensão da proibição como uma oportunidade para promoverem suas marcas e aumentarem suas vendas na Arábia Saudita, um país com 20 milhões de habitantes onde quase metade são mulheres.

O programa da Ford Driving Skills for Life (habilidades de direção para a vida, em tradução livre), que consiste em uma aula de direção focada em segurança, tem sido ensinado ao redor do mundo nos últimos anos, inclusive para os motoristas homens da Arábia Saudita. Essa, no entanto, é a primeira vez que a companhia tem ensinado grupos só com mulheres, que são, em sua maioria, motoristas de primeira viagem.

"Essas garotas são como um livro em branco", disse Pardini, a professora italiana que ministra o curso da Ford. "Elas realmente querem aprender".

Antes do treinamento desta semana, a Ford conduziu pesquisas com mulheres de toda a Arábia Saudita para entender melhor o que elas estavam buscando em um carro e qual seria a melhor forma de apresentar a marca para as novas motoristas.

"A primeira coisa que nós não queremos é sermos paternalistas. Isso não é sobre batom, lixa de unha e coisas assim. Essas são mulheres educadas", disse Crystal Worthem, gerente de marketing da Ford.

Worthem diz que a fabricante americana espera "realmente" um aumento nas vendas assim que as mulheres sauditas começarem a dirigir neste verão. Ela diz que algumas das mulheres já estão comprando carros e aguardando o fim da proibição, enquanto outras possuem os carros em que são transportadas.

"Mulheres sempre visitaram nossas exposições, mas agora as mulheres estão comprando ativamente para si, o que é empolgante", disse. "É um carro que elas podem dirigir e não mais um carro em que elas serão passageiras".

7.mar.2018 - Mulher saudita posa para foto com certificado de conclusão do curso de direção oferecido pela Ford na Universidade de Jeddah - Amer Hilabi/AFP - Amer Hilabi/AFP
Mulher saudita posa para foto com certificado de conclusão do curso de direção
Imagem: Amer Hilabi/AFP

Amal al-Jihanii, uma estudante de arquitetura de 23 anos, disse que o maior apoiador para que ela dirija é seu pai, que prometeu dar a ela um dos carros usados da família assim que ela estiver habilitada. Seu irmão de 16 anos já dirige.

"Minha mãe está recusando a ideia de nós dirigirmos. Ela diz que é perigoso e que ela só vai nos deixar dirigir quando nos casarmos", disse al-Jihani, rindo. "Meu pai diz que ela vai relaxar quando vir todas as outras mulheres dirigindo".

Joanna al-Fattani, uma caloura de 19 anos, depende de serviços de carona como Uber para ir para a maior parte dos lugares. Para ir e voltar da faculdade, ela tem dois motoristas diferentes.

Ela diz que muitas mulheres estão nervosas com a ideia de dirigir ao lado de homens nas ruas, mas ela está ansiosa para ter liberdade. "É um grande feito. Todos precisávamos disso. Agora é o momento certo para se fazer isso", disse a estudante.