EUA e Brasil não reconhecem eleições na Venezuela: entenda o que isso significa para o país
Nicolás Maduro foi reeleito nesse domingo (21) presidente da Venezuela em um dos pleitos mais controversos do país. Marcado pela abstenção da população (54% não foram às urnas), por denúncias de fraude e por um pano de fundo de profunda crise, o resultado não foi reconhecido por diversos países do mundo, entre eles Estados Unidos e Brasil.
Seu maior concorrente nas eleições, Henri Falcón, também não reconheceu a vitória de Maduro. A despeito da reação internacional e da oposição interna, Maduro segue governando a Venezuela. Igor Fuser, professor de relações internacionais da UFABC, lembra ainda que o mandato da reeleição tem início apenas em 2019.
"Pode parecer formalismo, mas na prática, nenhum país deixou de reconhecer Maduro como atual presidente da Venezuela", diz o professor. "E um ano, num país com a dinâmica política da Venezuela, é uma eternidade. Muita coisa pode acontecer neste período."
Por outro lado, não ter reconhecimento internacional das eleições pode ter impactos relevantes, afetando a geopolítica da região e aprofundando o caos econômico e humanitário do país. É para esse impacto nos cofres públicos que chama a atenção Jennie K. Lincoln, diretora do programa para América Latina e Caribe do Carter Center, organização humanitária norte-americana que até meados de 2015 conduziu projetos na Venezuela.
“Os países que não reconhecem a legitimidade dessa eleição colocam em dúvida uma série de relações bilaterais, multilaterais e regionais para a Venezuela”, explica ela.
Veja mais:
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- Estados Unidos reforçam sanções contra a Venezuela após 'farsa' eleitoral
Os próximos passos da eleição
Um dia após as eleições, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou uma ordem executiva que limita a capacidade do governo venezuelano de vender dívidas e ativos em solo norte-americano, em resposta às eleições qualificadas pelos EUA como uma "farsa".
O objetivo é aumentar a pressão sobre o regime de Maduro, que também teve limitada sua capacidade de obter liquidez.
Para Jennie Lincoln, esse é o principal efeito prático para uma sociedade cujo governo não é legitimado. “O impacto é sentido pela ruína econômica que resulta das perdas de relações comerciais e da habilidade do governo de prover serviços esperados”, diz a diretora.
“Em outras palavras, o impacto no dia a dia é econômico, muito mais do que psicológico. O desastre humanitário pelo qual a Venezuela passa agora apenas ficará pior.”
Fuser, por sua vez, diz que há um limite em que os países estão dispostos a infringir represálias econômicas. Na reunião do G20 realizada na segunda (21), por exemplo, apenas seis países endossaram a adoção de sanções. Isso porque para muitas nações permanece importante manter relações comerciais com o país bolivariano, como é o caso do Brasil, que exporta inúmeros produtos para o vizinho. "Se o Brasil adotar sanções, terá problemas a mais, e não uma solução".
Mesmo os Estados Unidos, lembra Fuser, é um grande importador de petróleo venezuelano e, se optar por frear essa compra, comprometerá em certa medida sua própria dinâmica econômica. As sanções anunciadas por Trump não atacam diretamente as transações petrolíferas da Venezuela, razão pela qual os EUA não colocam impedimentos a que o petróleo venezuelano continue sendo comercializado no país.
Um aceno a China e Rússia
Para o professor, uma das saídas para Maduro será se aproximar da China e da Rússia, em busca de apoio tanto financeiro, quando militar (com a venda de armas, por exemplo), o que pode aumentar as chances de sobrevivência do chavismo.
Além disso, segundo Fuser, outra consequência do não reconhecimento internacional pode ser a radicalização do regime bolivariano.
"Trótski dizia que a contrarrevolução é o chicote que faz a revolução avançar. O isolamento da Venezuela, o assédio pesado, pode levar o regime bolivariano a radicalizar suas posições, se tornar uma revolução no sentido literal, no sentido da revolução cubana, da revolução chinesa e das grandes revoluções comunistas do mundo", diz.
Lincoln, por sua vez, acredita mais numa crise de representatividade - considerando, por exemplo, a grande abstenção dessas eleições (cerca de 54%).
Um boicote às urnas foi convocado pela coalizão oposicionista MUD (Mesa da Unidade Democrática) e teve uma adesão expressiva - parte pelo fato de eleitores não se reconhecerem nos candidatos, parte por que muitos deles deixaram o país com a crise, rumo aos vizinhos da América do Sul.
Como resultado, o comparecimento nas eleições foi de apenas 46% de um total de 20,5 milhões de pessoas registradas para votar. Na eleição anterior, em 2013, o comparecimento foi de 80%.
Lincoln acredita que as vozes que não foram representadas nessas eleições deverão encontrar uma forma de se fazerem ouvidas. Quais são as opções? “Ainda é cedo para saber”, responde ela.
Por que os países não reconheceram a vitória de Maduro
Para Jennie Lincoln, não há nada nas eleições de 2018 que esteja de acordo com os padrões internacionais de um pleito democrático. Entre os quatro pontos mais problemáticos do processo eleitoral venezuelano deste ano, ela destaca a incapacidade de garantir a participação total da população e de candidatos; a aceleração do processo, que prejudicou as campanhas eleitorais; a desqualificação da oposição e a manipulação das votações.
Foi com base nesses argumentos que alguns países declararam inválida a vitória de Maduro nas urnas neste domingo.
Antes mesmo de o resultado ser divulgado, o governo norte-americano chamou o processo de “fraudulento” e “um ataque à ordem constitucional”, afirmando não reconhecer qualquer que fosse o desfecho.
“Até que o regime de Maduro restaure a democracia na Venezuela, o governo enfrentará o isolamento da comunidade internacional”, afirmou o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.
Nesta segunda (21), os países do chamado Grupo de Lima, no qual o Brasil se inclui, seguiram a decisão dos EUA e declararam não reconhecer o resultado das urnas.
"As eleições de ontem aprofundam a crise política no país, pois reforçam o caráter autoritário do regime, dificultam a necessária reconciliação nacional e contribuem para agravar a situação econômica, social e humanitária que aflige o povo venezuelano, com impactos negativos e significativos para toda a região, em particular os países vizinhos”, disse o Itamaraty.
Além do Brasil, o Grupo de Lima é formado por Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia.
(Com agências internacionais)
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