Sem emprego, sem liberdade e sozinhos: a vida dos venezuelanos em abrigo de SP
Há dois meses, 179 venezuelanos que fazem parte do programa de interiorização de imigrantes tentam se acostumar às regras do novo lar, o CTA (Centro Temporário de Acolhimento) de São Mateus. Eles são proibidos de se reunir e têm acesso restrito a computador, máquina de lavar e televisão. Além disso, precisam estar de volta às 20h, caso queiram jantar.
Longe do centro da cidade, sem dinheiro para o transporte público e com pouco acesso à internet, os imigrantes têm dificuldades para realizar o sonho de encontrar um emprego no Brasil e reconstruir a vida.
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"Precisamos de liberdade. Se não nos deixam buscar trabalho e não nos ajudam com transporte, como vamos encontrar emprego?", diz Manuel*, um dos imigrantes que faz parte do programa. A 20 quilômetros do Centro de São Paulo, alguns relatam caminhar de seis a oito horas por dia distribuindo currículos. Muitos vão para Santo André, cidade da Grande São Paulo mais próxima do bairro de São Mateus do que o centro da capital paulista.
Como as reuniões no abrigo são vetadas por funcionários da Prefeitura de São Paulo, um grupo de venezuelanos decidiu se encontrar no Centro de São Paulo neste mês para conversar. A reportagem do UOL acompanhou a reunião, cujo objetivo era discutir maneiras de procurar emprego na cidade.
O CTA de São Mateus tem apenas venezuelanos, mas não tem somente pessoas que integram o programa de interiorização e não é exclusivo para o projeto. Entre eles está o venezuelano Cesar Augusto Barrios, 30, que veio para o Brasil no ano passado, vivia nas ruas e em um CTA na Vila Mariana até ser transferido para São Mateus.
Ele é um dos organizadores do grupo voltado para a busca de emprego. "Como vamos organizar atividades culturais, esportivas e nos ajudar para buscar emprego se não podemos nos organizar?", questiona.
O grupo levou mais de 1 hora e meia para sair da Zona Leste, onde estão abrigados, até a região central. Nem todos receberam o bilhete único - outra queixa do grupo.
Além do isolamento do centro econômico de São Paulo, os venezuelanos também sofrem com a distância da família. No abrigo, só podem usar computadores três vezes por semana, quatro horas por dia. Há sinal wifi, mas eles dizem que a conexão não é boa o suficiente para fazer ligações - além do fato de nem todos terem telefones celulares.
Vida no abrigo
Instalados em um local que era ocupado por moradores de rua, os venezuelanos sabiam que viriam para um albergue - a condição constava de documento assinado por eles. No local, recebem três refeições diárias, têm camas individuais em quartos coletivos, lavanderia e banheiro. Mas as restrições dos CTAs - que segundo a Prefeitura, não diferenciam imigrantes das pessoas em condição de rua - incomodam alguns que dizem, inclusive, que as regras dificultam a busca por emprego.
"Se você está na rua, procurando trabalho, e acontece um imprevisto e você não chega a tempo de comer, fica sem a refeição", relata Miguel*.
Os imigrantes também relatam dificuldades para manter as roupas limpas. A lavanderia do abrigo está disponível de segunda a sexta, das 7h às 10h e das 16h às 20h, e aos fins de semana, até as 20h. Para eles, o horário é insuficiente para 179 pessoas.
Há também restrição no uso da televisão: a sala fica disponível das 12h às 13h e das 18h às 22h. Com isso, eles dizem que não conseguem se manter informados.
Comunicação limitada
"Quando tentamos fazer a reunião, vem um funcionário e tenta ouvir ou fala algo dando a entender que não é permitido. Também temos orientações para não falar com jornalistas. Mas eu tenho direitos como pessoa, não estamos em um país ditatorial. Aqui é um país onde podemos falar o que pensamos, com todo o respeito, sobre a nossa realidade", diz Manuel.
A solução para outra barreira de comunicação, o idioma, também está literalmente longe dos venezuelanos. As aulas de português prometidas para ocorrer dentro do CTA foram deslocadas para um ponto a 45 minutos de caminhada do abrigo. Segundo a prefeitura, o local não comportava tanta gente, por isso o curso foi transferido para uma escola.
Desde o início da interiorização, os venezuelanos dizem ter recebido ajuda oficial uma vez para encontrar emprego - uma empresa multinacional visitou o CTA. Em alguns episódios esporádicos, eles recebem ajuda de alguns funcionários, que doam dinheiro ou cartões para as passagens, além de contar com motoristas de ônibus que oferecem caronas.
"Precisei dar aos meus filhos sementes de mamão torradas para matar a fome, comemos manga com sal por uma semana. Via meus filhos chorando porque queriam um pedaço de pão que eu não conseguia comprar. Eu não queria ter saído do meu país, mas isso me fez vir para o Brasil, quero um emprego", diz Manuel*.
O que diz a Prefeitura de SP
Em entrevista ao UOL, o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social em exercício, José Antônio de Almeida Castro, disse desconhecer por que os funcionários impedem as reuniões dos venezuelanos. "Recebo esta informação com muita estranheza. Fazemos justamente o contrário: promovemos reuniões. Inclusive, muitas regras dentro dos nossos equipamentos são definidas em assembleias estimuladas pelo corpo técnico, justamente para que as pessoas em processo de reconquista da autonomia possam desenvolver, adquirir ou retomar estes princípios básicos de convivência coletiva em sociedade", disse Castro.
O secretário em exercício também disse que a pasta oferece veículos para o transporte para entrevistas de emprego, "desde que seja feito de forma organizada, agendada e planejada". Sobre o bilhete único, Castro afirmou que não é possível falar sobre prazos, já que dependeria de tratativas com a Secretaria dos Transportes.
Em relação às limitações de uso dos computadores, Castro diz que a sala deveria estar aberta das 7h às 19h e não soube explicar o motivo das restrições maiores em São Mateus. Sobre as outras restrições, ele diz que "essas regras existem para que o espaço funcione bem. Regras fazem parte de todos os lugares em que convivemos. O princípio é conseguir garantir uma rotina interessante, sempre tentando fazer com que as pessoas se sintam em casa".
*Os nomes foram trocados para evitar a exposição dos refugiados.
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