Uruguai vive explosão de homicídios; há relação com legalização da maconha?
Até recentemente visto como uma ilha de tranquilidade em meio aos altos índices de violência registrados na América Latina, o Uruguai vive uma explosão na quantidade de crimes. Em 2018, o número de assassinatos subiu 35% em relação a 2017.
Especialistas apontam causas diversas para esse crescimento e questionam uma possível relação do fenômeno com a legalização da maconha no país.
Um relatório divulgado no começo de janeiro pela Fundapro (Fundação Propostas), ligada ao Partido Colorado, que faz oposição ao governo do presidente Tabaré Vázquez, revelou que, no ano passado, ocorreram 382 homicídios no país, uma média de um assassinato a cada 23 horas.
O número é 35% maior se comparado com a quantidade anotada no ano anterior (283). Os dados são baseados em notícias divulgadas pela imprensa. O governo uruguaio ainda não tornou público o balanço oficial relativo a 2018.
Se essa quantidade for confirmada, a taxa de homicídios do país será de 11,2 por 100 mil habitantes. Um índice superior a dez assassinatos por 100 mil pessoas é considerado como característica de violência epidêmica pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Como comparação, o Brasil tem uma taxa de 30,3 mortes por 100 mil habitantes, segundo a edição mais recente do Atlas da Violência, divulgado em junho do ano passado e elaborado com base em dados do Ministério da Saúde.
Há relação com a legalização da maconha?
Críticos da descriminalização da maconha estabelecem uma ligação direta com o aumento de crimes. Um deles é o ministro brasileiro da Cidadania, Osmar Terra.
Em seu perfil no Twitter, ele postou no começo do ano: "Quem não vê relação entre o aumento de mortes violentas e a liberação da maconha deve procurar todas as declarações do [ex-] presidente [José] Mujica na época em que patrocinou a liberação, todas, sem exceção, garantindo que liberando a maconha diminuiria a violência no Uruguai!".
Embora tenha sido legalizada há cerca de cinco anos, a droga só começou a ser vendida regularmente nas farmácias do país em julho de 2017, o que pode reforçar o argumento dos opositores à regulação da maconha.
Apesar disso, especialistas na área discordam de uma possível relação entre o aumento da quantidade de assassinatos e a legalização da maconha. "Não há relação alguma que tenhamos constatado entre a legalização da cannabis e o aumento dos homicídios no Uruguai. Pelo contrário, a maioria dos usuários compra de forma pacífica um excelente produto, sem enfrentar os riscos que enfrentam no Brasil, Argentina ou Chile", afirmou, em entrevista ao UOL, Marcos Baudean, sociólogo e pesquisador do Monitor Cannabis, grupo que analisa o impacto da legalização da maconha no país, formado por especialistas de quatro universidades uruguaias e pelo Observatório Uruguaio de Drogas, ligado ao governo federal.
Reiteradamente, o ministro do Interior uruguaio, Eduardo Bonomi, tem declarado que a maioria dos homicídios tem relação com enfrentamentos entre criminosos.
Segundo Baudean, embora o mercado de drogas ainda seja abastecido com maconha ilegal, agora em menor escala do que antes da regulação, a cocaína e a pasta base são as principais drogas envolvidas nas disputas entre as quadrilhas.
"Além disso, a eficácia da polícia no Uruguai tem melhorado em vários âmbitos. Ela tem fechado bocas de venda de drogas todas as semanas. Isso tem feito com que as pessoas envolvidas com o tráfico e venda de drogas formem grupos para ter mais força no negócio. Esses grupos procuram garantir a distribuição das substâncias por meio do controle de bocas, e é aí que começa a rivalidade."
Nem a Fundapro, ligada à oposição, credita o crescimento no número de homicídios à descriminalização da maconha. Em seu relatório, a fundação afirma que "o fenômeno tem alguns fatores primordiais que o explicam: um governo falido, um Estado ausente, a impunidade e a baixa taxa de esclarecimento dos delitos".
Mercado da maconha movimenta US$ 22 milhões no Uruguai
A produção, comercialização e uso da maconha foram regulados no Uruguai por meio de uma lei sancionada durante o governo de Mujica, em dezembro de 2013.
Desde então, o governo estima que o mercado legalizado da cannabis no país movimentou cerca de US$ 22 milhões (em torno de R$ 83,5 milhões), de acordo com relatório divulgado em janeiro pelo IRCCA (Instituto de Regulação e Controle da Cannabis), órgão responsável pelo controle da plantação, colheita, produção e distribuição da maconha.
Para comprar maconha de forma legal no país, é preciso fazer um registro. Turistas não podem se cadastrar e não conseguem comprar a erva nas farmácias.
Estrangeiros só podem fazer o registro se tiverem a chamada cédula de identidade uruguaia, documento obtido depois de conseguir a residência permanente.
Atualmente, há 33,2 mil pessoas registradas para comprar maconha de forma legal no Uruguai. Outras quase 6.700 têm licença para cultivar até seis pés de maconha em casa.
Uma terceira possibilidade oferecida pelo governo é fazer parte de um clube de membros, que são organizações civis com autorização para produzir e distribuir cannabis entre seus sócios. Existem 114 clubes licenciados no país. Os dados são do IRCCA.
Assim como o álcool, o consumo de maconha no Uruguai é permitido em espaços públicos, mas proibido para menores de 18 anos e para quem esteja dirigindo. A lei veta qualquer tipo de propaganda da maconha.
Mesmo sem autorização para comprar ou plantar, qualquer pessoa pode carregar maconha para uso pessoal, na quantidade de até 40 gramas, sem que isso acarrete punição.
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