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Vaticano investiu em fabricante de 'pílula do dia seguinte', diz relatório

A Santa Sé teria investido cerca de 20 milhões de euros em ações de empresas farmacêuticas que produzem o medicamento. - Andreas Solaro/AFP
A Santa Sé teria investido cerca de 20 milhões de euros em ações de empresas farmacêuticas que produzem o medicamento. Imagem: Andreas Solaro/AFP

Colaboração para o UOL

27/04/2021 20h42Atualizada em 27/04/2021 22h03

Segundo relatório divulgado hoje pela imprensa italiana, o Vaticano investiu, por mais de 20 anos e até 2016, em empresas farmacêuticas que produzem, entre outros medicamentos, a chamada "pílula do dia seguinte", método contraceptivo condenado pela Igreja Católica. A informação foi confirmada em entrevista ao canal de televisão italiano Rai 3 pelo ex-Auditor Geral das contas da Santa Sé, o empresário italiano Libero Milone.

De acordo com Milone, que foi nomeado pelo papa Francisco em 2015 para monitorar todas as finanças da Igreja Católica — e forçado a renunciar pelo próprio Pontífice em 2017 —, a Secretaria de Estado do Vaticano possuía ações no valor de cerca de 20 milhões de euros das farmacêuticas suíças Novartis e Roche. A Novartis, por meio da sua subsidiária Sandoz, é uma das principais produtoras da pílula do dia seguinte.

O investimento teria sido feito através da APSA (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica), uma espécie de "Banco Central" do Vaticano, responsável por cuidar dos seus assuntos econômicos. Ao canal italiano, Milone revelou que, na época em que estava à frente do Escritório de Auditoria Geral, chegou a considerar as aplicações como "investimentos de risco", já que não correspondiam à doutrina social da Igreja Católica, e comunicou o caso às altas hierarquias do Vaticano.

Ainda segundo Milone, após o seu relatório, as ações teriam sido "imediatamente vendidas" para evitar um possível escândalo. Para o antigo Auditor Geral, o caso comprova que os investimentos vaticanos geralmente eram feitos de maneira descuidada. O italiano descarta, porém, que a controversa aplicação seja parte de alguma conspiração ou evidencie caso de má conduta administrativa.

O jornal da Itália il Fatto Quotidiano conversou com o atual presidente da APSA, Nunzio Galantino, nomeado para o cargo em 2018 pelo papa Francisco. Galantino disse não ter conhecimento sobre os fatos, já que na época ele não estava na Administração do Patrimônio da Sé Apostólica.

O prelado, porém, garantiu que "critérios éticos" são adotados para todos os investimentos feitos pelo governo administrativo da Igreja Católica. A intenção é justamente evitar que sejam feitas aplicações em empresas que vão contra os valores da instituição.

Em 2019, como parte das reformas que o papa Francisco vem implementando na Cúria Romana, a administração da Igreja Católica, o Pontífice renovou os estatutos do IOR (Instituto para as Obras de Religião), o famoso "Banco do Vaticano", especificando os princípios católicos nos quais devem se basear a atuação do órgão.

As novas regras estabelecem critérios "negativos e positivos" para a seleção de investimentos financeiros coerentes com a ética católica, selecionando apenas empresas que realizam atividades em conformidade à Doutrina Social da Igreja.

O que a Igreja diz da pílula do dia seguinte

Em um comunicado divulgado no ano 2000, através da Pontifícia Academia para a Vida, o Vaticano declarou que a pílula do dia seguinte não é um "simples contraceptivo" ou um "contraceptivo de emergência", mas sim um "aborto quimicamente induzido", já que possui função "anti-implantação", isto é, impede que um possível ovo fertilizado seja implantado na parede uterina.

No documento, o Vaticano afirmou que a "mesma absoluta ilegalidade dos procedimentos abortivos" também se aplica à distribuição, prescrição e uso da pílula do dia seguinte. "Todos os que, compartilhando ou não a intenção, cooperam diretamente com esse procedimento, são também moralmente responsáveis por ele", diz o texto. Segundo o Código de Direito Canônico da Igreja, uma das causas de excomunhão "latae sententiae", ou seja, automática, é exatamente a prática do aborto.

De acordo com a declaração do Vaticano, os cristãos não podem também produzir ou vender a pílula do dia seguinte por objeção de consciência.