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Crise e guerra: rivais na Copa, Irã e Estados Unidos vivem de tensões

Irã enfrentará Estados Unidos de olho no futuro - Montagem
Irã enfrentará Estados Unidos de olho no futuro Imagem: Montagem

Lorraine Perillo

Colaboração para o UOL

26/11/2022 04h00

Uma das maiores rivalidades do mundo contemporâneo pode ter um desfecho inusitado na Copa do Mundo de 2022, no Qatar. Inimigos geopolíticos, Estados Unidos e Irã fazem parte do mesmo grupo na competição e se enfrentarão no próximo dia 29, a partir das 16h, no Al Thumama, em jogo que definirá classificação para a próxima fase.

A última vez em que as duas equipes se enfrentaram foi em 1998, na França, e a nação do Golfo levou a melhor, ganhando de 2 a 1. Além dos dois, Inglaterra e País de Gales fecham o grupo B.

Fora dos gramados, no entanto, a situação dos dois países é de tensão e guerra, com ameaça de conflito armado direto e promessa de vingança.

Em 2020, o aeroporto de Bagdá, no Iraque, foi bombardeado por forças americanas após uma ordem direta do então presidente Donald Trump. Nesse bombardeio, dois dos mais importantes líderes iranianos foram mortos, o que gerou uma crise entre Estados Unidos e Irã. Entre eles, estão o comandante das Forças Quds, unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã, o brigadeiro-general Qasem Soleimani, considerado a figura militar de maior relevância no país; e o número 2 das Forças de Mobilização Popular (FMP), o comandante Abu Mahdi al-Muhandis.

A partir desse momento, o governo iraniano prometeu vingança e o clima ameno entre os dois países tornou-se insustentável.

Golpe de Estado de 1953

No entanto, mesmo com a expectativa de uma guerra iminente, a relação entre norte-americanos e iranianos nem sempre foi de conflito. Na verdade, o histórico de amizade e aliança entre os dois é antigo, no qual ambos viviam de forma amistosa. Porém, em 1953, a união entre os dois países ficou ameaçada por conta de um golpe de Estado programado pelos americanos para depor o primeiro-ministro iraniano democraticamente eleito, Mohammed Mossadegh, restaurando a monarquia no país com a ascensão do xá Mohamed Reza Pahlevi.

Orquestrado pela CIA (Agência Central de Inteligência americana) com a ajuda do MI6 (Inteligência Militar seção 6 do Serviço Secreto britânico), a operação nomeada de 'Ajax' deu certo e é até hoje considerada um dos pilares para a animosidade entre iranianos e norte-americanos. O apoio dos Estados Unidos ao governo autoritário de Pahlevi foi o estopim que alimentou a Revolução Islâmica de 1979.

Revolução de 79

Em fevereiro, o Irã recebia de volta o aiatolá Ruhollah M?savi Khomeini, que até então vivia no exílio em Paris por conta de suas críticas ao governo. Ao lado de esquerdistas, liberais e muçulmanos tradicionalistas insatisfeitos com a corrupção e o autoritarismo de Pahlavi, Khomeini deu início à queda do monarca e à instauração da República Islâmica do Irã.

Em novembro do mesmo ano, um grupo de manifestantes invadiu a embaixada americana em Teerã, fazendo diplomatas e cidadãos americanos como reféns por 444 dias. Esse incidente promoveu o longo histórico de sanções entre a maior potência econômica do mundo e o país do Oriente Médio. Em 1980, os Estados Unidos retaliaram e cortaram qualquer relação diplomática com o Irã, o que ocorre até hoje. Os 52 reféns só foram libertados do cativeiro após a assinatura dos Acordos de Argel, mediados pelo governo argelino e assinado na cidade de Argel em janeiro de 1981, que diziam, principalmente, que os EUA não interviriam política ou militarmente em assuntos internos iranianos.

Em 1984, durante o governo do presidente norte-americano Ronald Reagan, o Irã foi declarado o país patrocinador do terrorismo, o que fez com que novas sanções fossem lançadas pelos Estados Unidos, além da oposição de que o Irã recebesse empréstimos internacionais e importasse produtos iranianos, principalmente os de "uso duplo", destinados tanto ao uso civil quanto ao militar.

Como se não bastasse, ainda durante o governo de Reagan, os EUA apoiaram Saddam Hussein na guerra entre Iraque e Irã, durante os anos de 1980 a 1988, o que permitiu que Hussein utilizasse armas químicas contra os iranianos. Esse apoio foi mal visto pela população iraniana e a imagem dos norte-americanos se deteriorou ainda mais.

Acordo nuclear e embargo econômico

As relações entre Estados Unidos e Irã se estreitaram durante o governo do presidente Barack Obama. Ele e o então presidente iraniano Hassan Rouhani chegaram a manter um contato telefônico, o que não acontecia desde a década de 70. As duas nações firmaram um acordo nuclear em 2015 entre Irã e grandes potências mundiais como EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha. As negociações diziam que o Irã se comprometia a parar seu programa nuclear - e o consequente enriquecimento de urânio com o objetivo de produzir bombas atômicas - em troca da suspensão das sanções impostas pelos norte-americanos e o acordo foi cumprido por três anos, quando foi rompido por Trump após sua eleição em 2018.

Os efeitos do embargo são visíveis na economia do Oriente Médio até os dias atuais e a tensão entre os dois países se instaurou novamente, uma vez que os Estados Unidos ameaçam invadir o Irã e o último promete fechar o acesso ao Estreito de Ormuz, que liga o Golfo Pérsico ao restante do planeta.