Terror e rebeliões: por que o caos no Equador lembra o ataque do PCC em SP
A onda de violência que atinge o Equador lembra as ações do PCC em São Paulo em maio de 2006, quando a facção espalhou terror, matou agentes de segurança e impôs medo à população. Apesar dessa semelhança, as duas organizações criminosas têm origem e modo de agir diferentes.
Atentados, rebeliões e ameaças
Líderes resistem a transferências de presídios nos dois países. No Equador, após a fuga de Adolfo Macías, o Fito, apontado como líder da facção Los Choneros, da Penitenciária de Guayaquil, uma onda de ataques e rebeliões ocorreu em diversos presídios do país. Um dos motivos apontados para a fuga foi o anúncio da transferência dele para um presídio de segurança máxima.
Grupos usam a mesma estratégia para demonstrar força e poder. Em São Paulo, no dia 12 de maio de 2006, a transferência de 765 membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) para a Penitenciária de Presidente Venceslau motivou rebeliões em 74 presídios do estado. O gatilho foi a possibilidade de mudança de Marcos Willians Camacho, o Marcola, apontado como principal líder do grupo. A remoção dele para um presídio federal ocorreu apenas em fevereiro de 2019, sob forte esquema de segurança.
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Atentados aterrorizam a população. No Equador, o terror tomou uma nova proporção com a invasão de uma emissora de televisão por homens armados, em Guayaquil. Policiais equatorianos e um empresário brasileiro foram sequestrados e moradores relatam extorsões rotineiras. Em São Paulo, os ataques miraram postos de gasolina, delegacias de polícia, Corpo de Bombeiros e agências bancárias. Carros e ônibus foram incendiados e linhas de transporte público deixaram de funcionar.
Governos responderam ao caos com medidas parecidas. "É a mesma lógica de enfrentamento à violência", diz Olaya Hanashiro, cientista política que atuou como coordenadora de Relações Internacionais da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), no Equador. "Se as mesmas políticas de combate ao tráfico são usadas, as respostas dos grupos criminosos também são as mesmas."
Atuação semelhante
Crime organizado tem características globais. Segundo o promotor de Justiça do Gaeco de São Paulo, Lincoln Gakiya, há semelhanças entre o modo de agir dos grupos criminosos nos dois países —mesmo antes da atual onda de violência no Equador. "As condições lá são bem diferentes das nossas, mas, num mundo globalizado, muitas facções têm semelhanças com as do Brasil", comenta.
Domínio de portos para escoamento das drogas. O Equador tem uma localização geográfica estratégica para o narcotráfico, por fazer fronteira com a Colômbia e possuir cidades portuárias. Gangues locais promoveram ataques e mortes nos portos de Guayaquil e de Esmeraldas. Em São Paulo, o PCC usa o porto de Santos para exportar drogas para a Europa —mas o domínio não se dá pela violência escancarada.
A tomada da televisão deu aos grupos do Equador reconhecimento nacional e colaborou para a expansão, mais ou menos como aconteceu aqui em 2006. Mas, agora, o PCC está em outra fase, em que a violência nesses patamares atrapalha os negócios da facção.
Lincoln Gakiya, promotor de Justiça do Gaeco (Grupo de Atuação Especializada contra o Crime Organizado)
Relação com agentes penitenciários
Facções com base forte dentro dos presídios. Tanto PCC quanto Los Choneros controlam a população carcerária nas unidades em que estão presentes. Os Choneros nasceram na província de Manabí, e o PCC no anexo do "Piranhão", na Casa de Custódia de Taubaté. "O avanço das facções dentro das prisões reflete o abandono e a ausência do Estado", diz Gakiya. "Quando os integrantes saem das unidades, vão para onde o Estado é mais ausente."
Por outro lado, facções equatorianas não nascem com "ideologia". Los Choneros não começou com os mesmos objetivos que a facção paulista —que reivindicava direitos à população prisional. "No Equador, não há uma questão ideológica para propor melhorias no cumprimento de pena, como tinha o PCC", diz Gakiya.
No Brasil, o PCC surgiu um ano após o massacre no Carandiru com o propósito de representar a população carcerária. "No Equador, há condições desumanas semelhantes nos presídios, mas os grupos não tiveram força para se organizar da mesma forma", afirma Olaya Hanashiro.
A hegemonia do PCC passa pela ideologia que a facção alcançou dentro da prisão. Não vejo isso no Equador.
Lincoln Gakiya, do Gaeco
Conexão entre lideranças equatorianas e a polícia. Segundo a cientista política, uma das diferenças entre os grupos criminosos e o PCC é a relação com os agentes dentro das prisões. "As lideranças [equatorianas] passam informações em relação aos grupos concorrentes; essa dinâmica criou uma situação de mais violência", explica. No Brasil há uma certa pacificação devido à atuação do PCC.
Presos como fontes de informação para a polícia equatoriana. "A partir de 2014, quando o governo anunciou a construção de novos presídios, a polícia passou a adotar a lógica de levantar informações com determinadas lideranças dentro das unidades", diz Olaya.
Briga por territórios e lavagem de dinheiro
Grupos disputam territórios. Segundo o presidente do Equador, Daniel Noboa, o país tem 22 facções criminosas, além da presença de máfias e cartéis estrangeiros. Embora o Brasil também tenha dezenas de organizações, a maior disputa se dá entre PCC e CV (Comando Vermelho) —que se aliam a grupos menores nos estados. Em São Paulo, contudo, o PCC se tornou hegemônico dentro e fora das prisões.
Segundo Gakiya, os grupos criminosos do Equador devem se reduzir ao longo dos anos. "Isso aconteceu na Colômbia, no México, até que restassem dois ou três", diz. "A hegemonia passa por uma guerra. Hoje, eles estão em guerra com o Estado, mas ainda vão passar por essa guerra entre si."
Mais facilidade para lavar dinheiro no Equador. Para a cientista política, o processo de dolarização vivido pelo Equador facilitou a lavagem de dinheiro. "No território equatoriano, isso já ocorria, mas agora acontece com mais intensidade."
Relações com periferias
Facções equatorianas praticam extorsões; PCC controla o crime nas periferias. "O PCC não admite que a população seja prejudicada. Nos ataques de 2006, houve queima de ônibus esvaziados, mas hoje eles não permitem crimes contra a população", observa o promotor do Gaeco. No Equador, há relatos de que as facções praticam extorsões.
Gangues equatorianas usam práticas semelhantes às das milícias. "É algo parecido com o que acontece na zona oeste do Rio de Janeiro, com comerciantes locais tendo de pagar para trabalhar", afirma Olaya, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Jovens aliciados para "trabalhar" no crime. Tanto a facção paulista quanto as equatorianas usam adolescentes para praticar crimes. "São jovens sem perspectiva de trabalho e de estudos, facilmente aliciados para integrar algo muito lucrativo", afirma Olaya.
É preciso um trabalho muito forte com equipes confiáveis para fazer um mapeamento dessas gangues, prender quem precisa ser preso e não indiscriminadamente. Isso só vai fomentar o aumento das facções.
Lincoln Gakiya, do Gaeco