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Pagador de promessas de aluguel, ele vende peregrinação por R$ 14 mil

O pagador de promessas profissional Carlos Gil, em um trecho do caminho de Santiago de Compostela, na Espanha Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

12/06/2024 04h00

Carlos Gil, um angolano de 59 anos radicado em Portugal, encontrou uma maneira inusitada de unir tradição e modernidade: ele é um "personal peregrino", um profissional que cumpre promessas religiosas em nome de outras pessoas.

O que é um personal peregrino

Os pagadores de promessas profissionais surgiram há centenas de anos, segundo Gil. Eles desempenhavam um papel crucial na vida religiosa medieval, permitindo que promessas feitas a santos e a Deus fossem cumpridas, mesmo quando os devotos originais não podiam fazê-lo pessoalmente. Seu trabalho era uma mistura de devoção, resistência física e espiritual, e contribuía significativamente para a dinâmica social e religiosa da época.

Por 2.500 euros (cerca de R$ 14 mil), Gil deixa o conforto de sua casa em Cascais e percorre a pé os caminhos até santuários católicos, como o de Fátima, a 160 km de distância. O contato com o peregrino de aluguel é feito por site. O pagamento é sempre adiantado, e cada peregrinação é exclusiva para um cliente.

A ideia surgiu durante uma de suas próprias peregrinações a Santiago de Compostela. "Já tinha feito algumas peregrinações e lembrei-me, durante uma ida a Santiago, que há pessoas impossibilitadas de as cumprir por variadas razões e que, de alguma forma, eu podia fazer o caminho e 'cumprir' as promessas feitas em nome delas", explica Gil.

A primeira vez que fez um caminho por outra pessoa foi a pedido de um amigo. A experiência atraiu a atenção da mídia, o que gerou um aumento na demanda por seus serviços. "Logo surgiram pedidos para peregrinar, fazer orações ou acender velas", relembra.

"As maiores dificuldades que enfrentei no começo foram as críticas e julgamentos. No entanto, com o tempo, passei a ser procurado por pessoas dispostas a pagar bem para que eu cumprisse suas promessas".
Carlos Gil

A rotina de um peregrino

Gil admite que não faz nenhum tipo de preparação física ou mental antes das jornadas. "Não há uma preparação prévia", diz. Durante as peregrinações, ele segue uma rotina simples. "Gosto de começar cedo, paro várias vezes para rezar o terço, que pode ser numa capela ou num lugar bonito", explica. Ele carrega consigo uma mochila com o essencial: uma muda de roupa, produtos de higiene, um saco de dormir e, claro, um terço. "Rezo o terço para garantir a segurança e o bem-estar", confessa.

Cada peregrinação é única e, além de ser uma atividade espiritual, é também uma forma de reflexão para Gil. Ele mantém uma separação clara entre seu papel e a penitência do cliente, evitando sofrimento pessoal.

Para mim, peregrinar é uma coisa, pagar penitência é outra. Se me doem os pés ou os joelhos, eu paro, me sento, tiro as botas, estico os pés à sombra e descanso o tempo que for necessário. Minhas peregrinações são de reflexão.

Pelos campos, Carlos Gil já sabe perfeitamente onde pernoitar, onde encontrar uma casa que lhe dará guarida, um chão onde estender o saco de dormir. E, evidentemente, sabe onde encontrar água e alimento. Conhece as tascas e os restaurantes das áreas que percorre, como um caixeiro-viajante. As jornadas são exigentes fisicamente. Normalmente, ele leva até sete dias caminhando para percorrer os 165 quilômetros que separam Cascais do santuário de Fátima.

Destinos e desafios

Gil já visitou destinos notáveis, como a basílica de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil; o santuário de Nossa Senhora da Conceição da Muxima, em Angola; e percorreu os caminhos de Santiago de Compostela, na Espanha. A peregrinação em Angola foi especialmente desafiadora devido ao ambiente pós-guerra.

Foi de certa forma feita de maneira inocente, pois não pensei nos riscos. Aconteceu-me, por exemplo, de repente no meio do mato ficar 'envolvido' por um enxame de abelhas, mas por milagre nenhuma me picou. Ainda hoje me lembro do barulho que faziam. Passei também por zonas minadas, o que deixou o trajeto ainda mais dificultoso e arriscado.
Carlos Gil

Transformando dor em amor

Apesar das dificuldades físicas e da ausência de sua família durante suas peregrinações, Gil diz que não sente solidão. Ele carrega consigo um celular desligado para evitar distrações e só liga à noite para falar com sua esposa, garantindo que está tudo bem. "Sou capaz de transformar a dor em amor", afirma, explicando que ele vê suas caminhadas como um momento de conexão espiritual. "Se Deus existe, é quando caminho que estou com Ele", reflete.

Gil administra seu negócio de maneira organizada. Os clientes fazem transferências bancárias e recebem um recibo. Embora a peregrinação de Lisboa a Fátima custe 2.500 euros (cerca de 14 mil reais), outras viagens têm valores ajustáveis. Ele já foi contratado por pessoas de diferentes países e está aberto a novos destinos. "Sim, pessoas de outros países podem me contactar", confirma.

O personal peregrino, contudo, não revela quantas pessoas já atendeu, tratando esses contratos como segredos de confessionário. Apenas admite que cobra caro e que seus clientes são abastados. "Tenho a melhor profissão do mundo", exulta.

O pagador de promessas mantém uma postura humilde e espiritual em relação ao seu trabalho. "Baseado no Pai Nosso, 'que seja feita a vossa vontade'", diz, ao refletir sobre a prática de pagar promessas. Ele planeja continuar ajudando e apoiando outras pessoas em suas peregrinações, sempre com a mesma dedicação e espírito de serviço.

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