Donald Trump vence Kamala Harris e voltará à Casa Branca após 4 anos
Do UOL, em São Paulo; e colunista do UOL, em Nova York
06/11/2024 07h32Atualizada em 06/11/2024 10h20
O republicano Donald Trump será o próximo presidente dos Estados Unidos após conquistar mais de 270 delegados no colégio eleitoral, segundo projeção não oficial, mas historicamente aceita, feita por serviço elaborado por estatísticos a pedido de institutos e meios de comunicação. A vitória foi cravada às 7h32 (horário de Brasília), quando o republicano garantiu 276 delegados. Minutos depois, venceu também no Alasca, chegando a 279 delegados.
Nos Estados Unidos, a apuração é de responsabilidade de cada estado, ou seja, a contagem pode demorar semanas. Com isso, a projeção permite saber com antecedência quem será o vencedor. Vitórias na Geórgia e na Pensilvânia foram decisivas.
Vencedor em 2016, o magnata perdeu as eleições de 2020 para Joe Biden e volta à Casa Branca após 4 anos, consolidando-se como "dono" da direita norte-americana. O vice-presidente é JD Vance.
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O novo governo prometeu aprofundar o corte de impostos, reduzir a inflação, recuperar a indústria americana e adotar políticas duras contra produtos chineses. A campanha também foi marcada por promessas de realizar a maior deportação de estrangeiros da história americana e fechar as fronteiras contra imigrantes.
Denunciado pela vasta proliferação de desinformação e ataque xenófobos, Trump volta para a Casa Branca quatro anos depois de ser derrotado para Joe Biden usando a frágil situação econômica do país como cabo eleitoral.
Como foi a campanha
Em cada um de seus comícios, ele abria da mesma forma: "vocês estão melhores agora ou quando eu era presidente?"
O apelo à situação sócio-econômica reverberou inclusive entre latinos e afroamericanos, tradicionais eleitores dos democratas. Nem mesmo suas condenações e investigações por crimes impediram seu retorno.
Ainda que tenha sido amplamente rejeitado pelas mulheres, ele também recorreu à guerra cultural, prometendo "anos dourados aos cristãos" e "acesso direto" desses líderes religiosos ao Salão Oval.
Trump rejeitou condenar os responsáveis pelos ataques ao Capitólio, em 2021, chamou a invasão de "dia do amor" e insinuou que poderia usar as forças armadas contra o "inimigo de dentro", numa referência a qualquer movimento que questione suas políticas.
O uso das redes sociais e o apoio de Elon Musk na difusão de teorias conspiratórias foram marcas de sua campanha. A radicalização de seu discurso conseguiu levar às urnas uma parcela da população que, em 2020, não havia saído de casa para votar.
A disputa foi marcada por um atentado contra Trump. Em 13 de julho, ele foi atingido na orelha enquanto discursava em Butler, na Pensilvânia. O atirador, Thomas Matthew Crooks, 20, foi morto por agentes do Serviço Secreto. Em 15 de setembro, outro homem foi preso acusado de planejar matar o republicano próximo a campo de golfe onde Trump, na Flórida. Em 13 de outubro, mais um homem foi preso por supostamente preparar um atentado, mas alegou que era apoiador de Trump.
O que esperar
Redução de inflação, corte de impostos e protecionismo devem virar prioridade. No primeiro mandato, o republicano prometeu tirar os EUA do Acordo de Paris. Agora quer cortar custos de energia expandindo a perfuração de petróleo e gás, estender o corte de impostos que ele assinou no primeiro mandato, e voltar ao protecionismo: defendeu taxar de 10% a 20% todas as importações e tarifar em mais de 60% produtos chineses. Em resposta, o chefe do IIF (Instituto Finanças Internacionais), Tim Adams, disse que essa imposição de tarifas pode aumentar a inflação e os juros.
Ele deve tentar acabar com qualquer traço de política climática 'verde' e recolocar a produção de petróleo e gás no centro da economia. Sua agenda econômica deve seguir sendo pautada por cortes de impostos e desregulamentação.
João Cândido, especialista em análise de risco e comunicação política
Comunidade internacional em alerta por política externa. "Ele já deixou claro que pretende reformular a participação dos EUA em alianças tradicionais, como a Otan, e realinhar o país em termos de comércio e geopolítica", ressaltou Cândido. Sem detalhar, Trump disse algumas vezes que acabaria "rapidamente" com a guerra entre Ucrânia e Rússia, caso fosse eleito. Ele pode reavaliar o financiamento ao conflito.
Os EUA rediscutindo essa tendência de apoiar a Ucrânia pode forçar Volodymyr Zelensky a abrir uma negociação mais efetiva visando encerrar o conflito.
Adriano Cerqueira, professor de relações internacionais do Ibmec-BH
Menos direitos civis e pressão contra estrangeiros. Assim como no primeiro mandato, o discurso xenófobo deve ser muito explorado. Trump chegou a citar a "Lei dos Inimigos Estrangeiros", de 1978, para defender uma deportação em massa de imigrantes. "Questões como imigração e políticas de direitos civis provavelmente serão ainda mais polarizadas, já que Trump se sente empoderado pela sua base. Podemos esperar menos compromisso com convenções democráticas, o que só aumentará o grau de tensão no país", avaliou João Cândido. "Os EUA devem assumir uma postura mais agressiva nas fronteiras, um endurecimento na questão da imigração, principalmente a ilegal", completa Cerqueira.
Trump vira "grande líder da direita" mundial. "Vai ser importante para o reforço da identidade de movimentos de direita e também de movimentos conservadores", ressaltou o professor do Ibmec-BH. "Para a direita americana, é a coroação de uma transformação ideológica, onde as pautas tradicionais de livre mercado e intervenção estrangeira dão lugar a uma política de identidade e nacionalismo", completa Cândido.
Vitória de Trump é um sinal claro de que o movimento populista e nacionalista está longe de desaparecer. Líderes populistas em outros países - de Viktor Orbán na Hungria a Jair Bolsonaro no Brasil [caso faça um retorno] - passam a ver isso como uma legitimação de suas próprias agendas
João Cândido
Derrota de Kamala
Dificuldade em convencer o eleitorado. A professora de Relações Internacionais Denilde Holzhacker explica que a derrota de Kamala Harris pode ser explicada por alguns motivos, entre eles, a dificuldade em convencer o eleitorado de que seu governo seria diferente da gestão Biden, especialmente na agenda econômica e na melhoria da qualidade de vida do cidadão comum.
Desconfiança de eleitores masculinos. Holzhacker pontua que embora os temas de direitos das mulheres tenham sido centrais na campanha da democrata, as divisões de gênero podem ter prejudicado Kamala, com desconfiança entre eleitores masculinos sobre sua capacidade de liderança, especialmente sendo uma mulher negra, o que pode ter ampliado a resistência.
Pouco tempo de campanha. Ela se tornou a candidata depois que Biden desistiu de concorrer à reeleição, em julho. A professora lembra que ter assumido a candidatura próximo à convenção limitou seu tempo para se distanciar dos problemas do governo atual e construir alianças com eleitores. "Sua trajetória como vice-presidente, com pouca visibilidade, também reforçou desconfianças quanto a sua liderança", avalia Holzhacker.
Desafios para conquistar o eleitor de cidades pequenas. Segundo a professora, essa eleição mostrou que ainda é um desafio para o Partido Democrata se aproximar de eleitores de pequenas cidades, que sentem que Washington não entende suas realidades. "Sua origem californiana reforça o estereótipo de desconexão", diz.
Quem é Donald Trump
Filho de herdeiro, recebeu do paí o negócio da família no ramo imobiliário. Donald John Trump nasceu em 14 de junho de 1946, em Nova York, e foi o terceiro dos quatro filhos de Frederick Christ Trump e Mary MacLeod. O pai, conhecido como Fred Trump, já era herdeiro dos negócios da família, focados no ramo imobiliário.
Assumiu a presidência da Trump Organization aos 28 anos, e investiu em cassinos. Assim que se formou em economia pela Universidade de Pensilvânia, começou herdar o império. Sob a presidência dele, o grupo investiu no setor de cassinos de Atlantic City —em 1990, o Trump Taj Mahal chegou a ser o maior cassino do mundo, antes de falir no ano seguinte.
Sob seu comando, outros negócios faliram, deixando o grupo com dívidas bilionárias. Ao longo dos anos, a Trump Organization decretou falência de diferentes empresas do grupo pelo menos 11 vezes — o que foi usado por adversários políticos para questionar sua habilidade com os negócios e sua imagem de empresário de sucesso.
Fama de homem de negócios vinha de presença constante na mídia. Seu "American Way of Life" foi extensivamente coberto a partir de seu casamento com a modelo tcheca Ivana Winklmayr, com quem ele teve seus três filhos — Donald Jr., Ivanka e Eric. Ele teria mais dois casamentos: com Marla Maples, com quem teria Tiffany, e com Melania Knauss, mãe de Barron Trump e futura primeira-dama.
"Está demitido!". O reality show "O Aprendiz", no qual Trump contratava e dispensava —com a famosa frase "you're fired" (você está demitido)— empreendedores para a Trump Organization, também ajudou a torná-lo mais conhecido.
Enfrentou processo de impeachment. Trump foi considerado culpado pela Câmara por pressionar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a abrir investigações contra Biden, então futuro rival na disputa de 2020. Ele foi poupado pelo Senado, com maioria republicana.
Seguidores trumpistas invadiram o Capitólio. Milhares de apoiadores de Trump invadiram o Capitólio para "lutar" por ele em 6 de janeiro de 2021. A multidão invadiu e depredou o Congresso. Senadores, deputados e ex-vice de Trump, Mike Pence, que se recusou a questionar o resultado das urnas, tiveram que ser escoltados pelas forças de segurança. Cinco pessoas, incluindo um policial, morreram no ataque.
Trump é alvo de condenações judiciais. O presidente eleito encarou uma série de processos judiciais -e se tornou o primeiro ex-presidente americano a ser condenado criminalmente. Leia as condenações:
Compra de silêncio de Stormy Daniels: em 30 de maio de 2024, Trump foi condenado por falsificar registros comerciais relacionados ao pagamento de US$ 130 mil para silenciar a ex-atriz Stormy Daniels, evitando um escândalo sexual nas eleições de 2016.
Interferência no resultado das eleições de 2020: Trump tentou reverter a vitória de Biden em 2020, espalhando falsas alegações de fraude e pressionando oficiais para anular os resultados, culminando na invasão do Capitólio em 6 de janeiro. Há pelo menos quatro processos ativos envolvendo o Capitólio.
Interferência de Trump nas eleições da Geórgia: Trump e aliados tentaram reverter a derrota de 2020 na Geórgia, espalhando mentiras sobre fraude eleitoral, levando a uma acusação de 98 páginas em 14 de agosto de 2023.
Documentos secretos da CIA: procuradores federais acusam Trump de esconder documentos de segurança nacional em sua mansão em Mar-A-Lago após deixar a presidência, obstruindo os esforços do governo para recuperá-los.