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Milei mira Trump, mas postura deve ter efeito limitado, dizem especialistas

O presidente da Argentina, Javier Milei, com Elon Musk e o presidente eleito dos EUA, Donald Trump Imagem: Divulgação/Presidência da Argentina
Pedro Canário e Luciana Taddeo

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Buenos Aires

17/11/2024 14h22Atualizada em 17/11/2024 14h22

Com posturas ideológicas contrárias às principais propostas do governo brasileiro para o G20, o governo do argentino Javier Milei tem colocado entraves em negociações, causando surpresa entre as delegações e na própria Argentina.

Apesar disso, o efeito prático dessa resistência deve ser limitado, na avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL.

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O que aconteceu

A oposição do governo argentino a questões de gênero, combate à mudança climática e à tributação dos super-ricos complicam o consenso para a redação da declaração final da cúpula. A divulgação do documento oficial, assinado pelos representantes dos países, será realizada nesta segunda (18) e terça-feira (19), no Rio.

A postura rígida que vem sendo observada na política externa argentina responde ao desejo de garantir portas abertas com o presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Milei quer assegurar o protagonismo e se transformar numa liderança de peso na América do Sul, segundo os analistas ouvidos pelo UOL.

A inflexibilidade do líder argentino pode, no entanto, ter o efeito contrário ao esperado. Se insistir em se descolar do consenso, Milei pode isolar o país, esvaziar apoios políticos internos importantes e impactar negativamente a economia, já debilitada.

Aliança com Trump

De acordo com analistas, a intenção de Milei é mostrar para o futuro presidente dos EUA que pode ser um representante de suas ideias na América do Sul. O presidente argentino foi o primeiro chefe de Estado estrangeiro a se encontrar com o republicano, na Flórida.

Milei acredita que a proximidade pode abrir portas em instâncias financeiras internacionais como o FMI (Fundo Monetário Internacional), com quem a Argentina negocia o pagamento de empréstimo obtido pelo ex-presidente Mauricio Macri e a obtenção de mais recursos.

"Existe um alinhamento ideológico, e Milei tem adotado uma linha até um pouco mais dura que a de Trump, o que pode ajudá-lo junto ao FMI", afirma o cientista político Christopher Garman, diretor-executivo para Américas da agência de análise de risco Eurasia.

O analista duvida que isso tenha efeito prático. A principal consequência do futuro governo Trump, diz ele, são as repercussões das novas políticas econômicas, que podem ser mais protecionistas e inflacionárias, num cenário em que o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, não consegue reduzir a taxa de juros.

"Do lado diplomático é uma relação mais forte, mas as repercussões econômicas são poucas", afirma. Milei tem conseguido manter a cotação do peso estável, mas não se sabe até quando, já que a tendência é que o dólar valorize frente às moedas dos países emergentes.

Milei e a 'postura pragmática'

"A prioridade de Milei é tentar trazer a Argentina de volta para a normalidade econômica", diz o economista Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais e CEO da Amero Consulting, consultoria de política e economia internacional.

Para Lucena, o presidente argentino adota uma "postura pragmática" por acreditar que a relação bilateral com Trump pode ser melhor para a Argentina do que os foros de discussão multilateral.

"Milei é um economista. Ele quer se colocar como defensor das bandeiras de Trump porque sabe que o futuro presidente chega ao cargo com toda a força do mundo para fazer o que quiser", afirma.

Competição com Lula

O ex-embaixador argentino no Brasil Juan Pablo Lohlé diz que há surpresa na Argentina com a política externa de Milei. O país também retirou sua delegação da Cúpula do Clima, a COP29, no Azerbaijão, e votou contra maiores esforços para prevenção da violência contra mulheres e crianças, na ONU.

"Milei está querendo se impor como uma liderança regional, mas não tem esse cacife ainda", avalia o ex-diplomata. Lohlé lembra que, em discurso na Flórida na sexta-feira (15), ao lado de Trump, Milei disse querer uma aliança de "nações livres", com liderança dos EUA no norte e da Argentina no sul.

A eleição de Trump, para Lohlé, dá força ao argentino, "mas é uma força relativa, porque a Argentina está muito debilitada", ressaltando não somente a situação econômica do país, mas também a minoria legislativa de Milei no Congresso.

"Ele faz todo esse percurso negativo para ficar na mídia, mas o isolamento da Argentina é inversamente proporcional à presença de Milei na mídia do mundo inteiro", diz.

Lohlé vê ainda uma competição do líder argentino com o presidente Lula (PT). "Ele quer ser mais importante que Lula", analisa.

Preocupação entre aliados

Já há manifestações de alerta entre os próprios aliados. O partido Proposta Republicana (PRO), do ex-presidente Mauricio Macri, declarou que é preciso ter "equilíbrio" e "visão estratégica" nas relações internacionais, priorizando interesses argentinos, sem "confrontos desnecessários".

O deputado Facundo Manes, da União Cívica Radical, considerado um partido da "oposição dialoguista", com o qual Milei conta para aprovar suas pautas, afirmou que a retirada da delegação argentina da COP29 "custará caro para o país".

"Abandonar a COP implica perder oportunidades de investimento e fechar mercados aos nossos produtores, cada vez mais asfixiados pela baixa nos preços internacionais das matérias-primas e dos impostos que o governo mantém", escreveu no X, o antigo Twitter.

Saída da COP29

Representante argentina na cúpula no Azerbaijão, María José Lubertino afirma que a saída da delegação do seu país pegou todos de surpresa, apesar da insistência de Milei — negando todas as evidências científicas — de que a mudança climática não é provocada pelos seres humanos.

"É um gesto político infeliz", diz ela. Para Lubertino, coordenadora da rede de defensores do Ambiente e Bom Viver da Argentina, "é preciso estar atento" ao fato de que o não cumprimento de compromissos ambientais pode trazer consequências comerciais para a Argentina, não apenas diplomáticas.

O único sentido que ela vê na postura de Milei é "fortalecer seu eleitorado fiel, que é anti-direitos, muito de extrema direita, e ter publicidade nos meios de comunicação".

Peso relativo

Apesar das resistências argentinas, um embaixador brasileiro disse ao UOL, sob condição de anonimato, que o governo brasileiro considera ter atingido seus objetivos nas negociações, já que houve consenso para a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

Nas contas desse embaixador, mais da metade dos países membros da ONU farão parte da aliança, que funcionará na sede da FAO (Organização para Agricultura e Alimentação, da ONU), em Roma.

O diplomata considera que, apesar de a postura argentina chamar atenção da imprensa, seu impacto é menor na mesa de negociação — é possível registrar que o país não concorda com o texto da declaração final.

Sombra de Trump

Na visão do economista Igor Lucena, o alcance dos acordos do G20 deve ser limitado.

Segundo ele, a agenda do combate à fome é importante, mas não prioritária para a maioria das maiores economias do mundo reunidas no evento.

Na Europa, a prioridade é a guerra na Ucrânia e a possibilidade "bastante concreta" de ela se tornar um conflito mundial.

Já o Oriente Médio está preocupado com terrorismo e Israel, enquanto Canadá e México estão esperando Trump assumir.

"A participação dos Estados Unidos no G20 este ano é irrelevante. Em pouco mais de um mês o governo vai mudar e qualquer coisa que os EUA assinam será jogada fora", analisa.

"Claro que a vitória de Trump dificulta as agendas [do Brasil no G20]. O encontro da África do Sul [em 2025] vai acontecer sob a sombra dele, mas o impacto de Trump será muito maior pelas repercussões macroeconômicas de suas políticas, que são inflacionárias e resultarão em fortalecimento do dólar", diz o cientista político Christopher Garman.

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