O que está por trás dos protestos do povo maori na Nova Zelândia
Colaboração para o UOL
20/11/2024 12h00
Uma proposta de alteração de um tratado assinado no século 19 levou membros do povo maori, na Nova Zelândia, a organizarem protestos em todo o país e até mesmo encenarem uma "haka" no interior do Parlamento.
O tratado
Assinado em 1840 entre a Coroa Britânica e mais de 500 chefes indígenas maoris, o Tratado de Watangi é considerado o documento de fundação da Nova Zelândia e estabelece como as duas partes concordaram em governar.
Ele criou princípios que orientam o relacionamento entre a Coroa e os maoris, em duas versões - uma em inglês e outra em maori. O tratado prometia aos maoris os direitos e privilégios dos cidadãos britânicos, mas as versões em inglês e maori diferiam quanto ao poder que os chefes maoris estavam cedendo sobre seus assuntos, terras e autonomia.
Esses princípios pretendem ser flexíveis, mas comumente são levados em conta uma parceria com a Coroa, a proteção dos interesses dos maoris e a participação na tomada de decisões. A interpretação do documento orienta a legislação e as políticas atuais.
Embora os maoris continuem sem direitos em muitos aspectos, o reconhecimento do tratado por meio da lei e as tentativas de reparação mudaram a estrutura da sociedade desde então. O idioma maori passou por um renascimento, e muitas palavras foram incorporadas ao cotidiano - mesmo entre os não maoris. Foram promulgadas políticas para combater as disparidades que os maoris comumente enfrentam.
Bilhões de dólares em reparações foram negociados entre a Coroa e as tribos por violações do tratado, especialmente a expropriação generalizada de terras e recursos naturais dos maoris.
Debate
Alguns neo-zelandeses estão insatisfeitos com as reparações. Eles encontraram uma voz no legislador David Seymour, o líder do pequeno partido político libertário ACT Nova Zelândia, que obteve menos de 9% dos votos na eleição de 2023, mas que conseguiu uma influência extraordinária para sua agenda como parte de um acordo de governo da coalizão de centro-direita.
A lei proposta por Seymour estabeleceria definições específicas dos princípios do tratado e as aplicaria a todos os neo-zelandeses, não apenas aos maoris. O legislador diz que a construção fragmentada do significado do tratado deixou um vácuo, deu tratamento especial aos maoris e discriminou os cidadãos não indígenas.
A proposta em discussão pode limitar direitos dos povos originários no país. O texto propõe uma alteração no tratado, que garante aos maoris posses de terras e recursos naturais, além de independência governamental dos líderes tribais.
É improvável que o projeto de lei de Seymour seja aprovado na votação final. Seu projeto de lei tem ampla oposição - de ex-primeiros-ministros de esquerda e de direita, de 40 dos principais juristas do país e de milhares de neo-zelandeses maoris e não maoris que estão protestando por todo o país.
Protestos
Uma sessão no Parlamento da Nova Zelândia foi interrompida por um protesto de deputados do grupo originário maori. A realização da dança tribal "haka" veio em protesto a um projeto de lei que pode restringir direitos indígenas do país.
A dança protagonizada pelos parlamentares, foi utilizada para expressar resistência e insatisfação. Historicamente, a haka, que significa "dança", está associada a confrontos e a demonstrações de força. No entanto, a expressão também é utilizada em casamentos e velórios, ou até em jogos de rugby.
Além da dança, a congressista Hana Rawhiti Maipi-Clarke também rasgou simbolicamente o papel da proposta. A atitude antecedeu a dança e o canto, que teve adesão de outros colegas originários.
Nesta terça-feira (19), a polícia da Nova Zelândia estimou que mais de 40 mil pessoas se reuniram ao lado do Parlamento, após uma passeata pelo centro da cidade que fechou as ruas e atraiu milhares de espectadores, muitos segurando cartazes de apoio aos manifestantes.