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Processo eleitoral enviesado e atas não entregues; as dúvidas sobre Maduro

Nicolás Maduro deve assumir presidência da Venezuela mais uma vez após eleições questionadas Imagem: Juan BARRETO / 6.jan.2024-AFP

Do UOL, em São Paulo

10/01/2025 05h30

O ditador Nicolás Maduro toma posse como presidente da Venezuela nesta sexta-feira (10), quase seis meses após resultado duvidoso das urnas, que causou mobilização nacional, com mortos e presos. Falta de atas e de integridade eleitoral são apontados por especialistas como alguns dos motivos que ainda geram questionamentos sobre a posse tanto tempo após a ida às urnas.

O que aconteceu

Atas com resultados das votações não foram divulgadas pelo governo, mesmo após promessa. Em 2023, o governo Maduro se comprometeu a realizar eleições transparentes com a assinatura do Acordo de Barbados. Após o processo eleitoral, porém, esses dados oficiais nunca foram compartilhados.

O governo disse que não divulgaria as atas e entregou um documento ao Conselho Nacional Eleitoral dizendo que aquilo ali valeria como resultado. Eles fizeram uma maquiagem política. As atas nunca foram divulgadas.
Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, ao UOL

O Conselho Eleitoral da Venezuela não divulgou as atas originais e deu a vitória a Maduro. Quem tem o controle do aparato estatal é Maduro. Então a gente não tem documentos suficientes para comprovar nem a vitória e nem que houve fraude. Ele simplesmente enterrou o processo, botou uma pedra em cima, foi declarado presidente, fim de papo.
Flavia Loss de Araújo, professora de Relações Internacionais da FESPSP, ao UOL

Violação do acordo de Barbados faz a população venezuelana viver "processo de esgotamento" e "terror político", explica professor. Para Roberto Uebel, da ESPM, um dos motivos para a convulsão do país em julho de 2024 foi a crença geral de que as eleições seriam limpas, o que não aconteceu. "A população se sentiu traída, já que Maduro não cumpriu com este contrato social", afirmou. A expectativa é de que novos protestos, com violência, ocorram nesta sexta.

Oposição usa levantamento paralelo feito por delegados diretamente nos pontos de votação para argumentar que ganhou. A professora Flávia Loss de Araújo, coordenadora de pós-graduação em Relações Internacionais da FESPSP, explica que a oposição tem cópias de cerca de 85% de todas as atas do país, que foram disponibilizadas internacionalmente. Esse documento, que daria vitória ao opositor Edmundo Gonzalez, tem sido entregue por ele a líderes internacionais em visitas.

Auditorias internacionais mostram problemas na eleição. Um dos institutos mais conceituados a apontar as incongruências, segundo a professora Flávia Loss, foi o Centro Carter, que em 30 de julho afirmou que as eleições "não cumpriram o padrão internacional de integridade eleitoral".

Falta de condições iguais aos candidatos e problemas nos votos internacionais estão entre problemas apontados pelo Centro Carter como desvios nos padrões. A instituição também ressaltou que existiam poucos locais de votação, falta de informações ao público e "abuso de recursos administrativos em favor da campanha do atual presidente".

A eleição ocorreu em um ambiente de restrição de liberdades para atores políticos, organizações civis e a imprensa. Durante todo o processo eleitoral, a CNE demonstrou um claro viés em favor do atual presidente.
Centro Carter, em nota que classifica "falta de integridade eleitoral" na Venezuela

Questionamento feito por entidades como o Centro Carter mobiliza a diplomacia internacional. Loss explica que a indicação de institutos de que houve problema nas eleições influencia nações a não reconhecerem governo como legítimo. "Outros países que prezam pela democracia começam a fazer pressão contra esse governo. Ele não é reconhecido como legítimo. Essa é uma medida diplomática, que não tem efeito prático, mas que mostra: 'você não está de acordo com o que a gente acredita'", afirmou.

Violência e autoproclamação de presidência: expectativas para esta sexta

Os professores ouvidos pelo UOL acreditam que o dia da posse de Maduro será marcado por violência na Venezuela. Gonzalez, que tem feito uma "campanha local" em países latinos após receber aceno de Estados Unidos e União Europeia, afirmou que irá ao país impedir a posse do ditador, mas sua viagem ainda é incerta. "O mais provável de acontecer se Gonzalez for a Caracas, é que ele seja preso", afirma Uebel. Protestos contrários à posse estão marcados.

Os dois também pontuam que Venezuela pode ter um "novo Guaidó", com autoproclamação de Gonzalez. Dessa vez, porém, o líder da oposição tem mais provas ao seu favor do que o antigo autoproclamado presidente.

Cartazes pedem informações que possam levar à prisão de Edmundo Gonzalez na Venezuela Imagem: Pedro MATTEY / AFP

Única chance de Maduro não assumir é se militares virarem as costas a Maduro, analisa professor. Para o docente da ESPM, as atas da oposição e a reticência do governo brasileiro, que não assumiu a vitória de Maduro, são provas concretas da vitória de Gonzalez e a melhor solução para a ocasião seria a realização de novas eleições limpas, uma promessa que já não foi cumprida por Maduro em 2024.

Edmundo Gonzales pediu que os militares cumprissem a Constituição. Ele sabe que quem mantém Maduro no poder são as forças militares. Ele só conseguirá tomar posse se os militares cumprirem com a Constituição, mas apostaria que eles continuarão ao lado de Maduro.
Roberto Uebel, professor da ESPM, ao UOL

Podemos viver uma situação muito bizarra, que é a de Maduro ser empossado presidente e Edmundo Gonzalez se autoproclamar presidente de novo, como já aconteceu antes com o Juan Guaidó. A diferença é que, dessa vez, Edmundo Gonzalez tem mais argumentos, ele tem cópias de 85% das atas eleitorais.
Flávia Loss de Araújo, professora da FESPSP, ao UOL

Autoridades ofereceram equivalente a R$ 620 mil por informações que levem até Gonzalez. Cartazes com a foto dele foram espalhados por barreiras policiais do país. O opositor, que estava exilado em Madri, é acusado de "conspiração" e "associação criminosa".

Mortos e presos após eleições contestadas

Maduro foi proclamado presidente em 29 de julho de 2024, mesmo sem divulgação das atas da eleição. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral venezuelano, controlado por chavistas, o ditador teve 51,2% dos votos. A oposição contestou o resultado, e a OEA (Organização dos Estados Americanos) disse que o processo não foi transparente.

Ditador definiu o resultado como "irreversível". "Assumo o mandato do povo para ser seu presidente e levar nosso país à paz e prosperidade, à união nacional através do diálogo e, como esse resultado, a ser irreversível a paz, a igualdade, a independência nacional. Isso que tem que ser irreversível, a paz e a união, entre todos e todas", disse, em cerimônia de posse.

Pelo menos 28 pessoas morreram em protestos contra o resultado da eleição. Três dessas pessoas morreram na prisão. Segundo as estimativas de órgãos internacionais, duas mil pessoas, entre elas adolescentes, foram detidas durante os protestos. Elas foram acusadas de "terrorismo" pelo governo. Metade desses presos foi liberada na última semana de dezembro.

Relações diplomáticas com países foram rompidas após eleição. Paraguai e da Argentina foram dois dos países que tiveram embaixadores retirados após a alegada eleição de Maduro. A Venezuela também convocou de volta representantes em Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai. Estados Unidos, com quem o país latino rompeu desde 2019, e União Europeia também criticaram a forma como a eleição ocorreu e acenaram para o opositor de Maduro, Edmundo González.

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