Leonardo Sakamoto

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Opinião

De Trump a políticos no Brasil, muita gente é sócia do aquecimento global

A dez dias da posse do negacionista climático Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o observatório europeu Copernicus confirma que 2024 foi o ano mais quente já registrado, sendo o primeiro a romper a barreira de 1,5ºC prevista no Acordo de Paris. Como o novo mandatário deve enterrar ações para reduzir os gases de efeito estufa, mais recordes devem ser batidos.

Com isso, as metas para manter o mundo sob um aquecimento global mais leve devem ir para o beleléu e os cenários mais devastadores vão se estabelecer como mais prováveis. O Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2024, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, aponta que o mundo chegará a mais que o dobro disso, 3,1ºC, ao seguir na toada atual. Isso representa extinção em massa e uma vida dos infernos em algumas décadas. Sinto pena de quem tem filhos ou netos.

Mas tão pernicioso para o futuro da humanidade quanto o negacionista-raiz é o negacionista light. É aquele cheiroso, limpinho e bem vestido que diz acreditar nas mudanças climáticas e, vez ou outra, abraça uma árvore, mas pondera que ainda dá tempo de evitar uma catástrofe sem mudar a economia. Diz, em uma cara de pau tremenda, que precisamos explorar novas jazidas de petróleo para levar comida aos mais pobres - que, é claro, nunca veem a cor dos royalties.

E, infelizmente, tem gente que acredita nessa cascata.

No final das contas, um negacionista come com as mãos e o outro usa garfa e faca, mas o comportamento de ambos leva ao mesmo fundo do poço.

Os impactos disso já estão à nossa volta. Secas devastadoras na Amazônia, incêndios florestais incontroláveis na Califórnia, inundações letais no Rio Grande do Sul e na Espanha, dia virando noite por causa de cinzas de lavouras queimadas em São Paulo e ondas de calor em todos os lugares não são alertas de um futuro distante, mas a realidade do presente.

E, como apontou a Oxfam, apesar do 1% mais rico ser responsável por dois terços da emissão de carbono, são os mais pobres que já ardem — figurativa e literalmente. Enquanto as elites acumulam lucros em setores que aceleram a crise climática, comunidades vulneráveis perdem suas casas, terras, modos de vida e, muitas vezes, suas vidas.

E não adianta transferir a responsabilidade para apenas ações individuais. As mudanças estruturais necessárias exigem mais do que canudos de metal e sacolas reutilizáveis, demandam vergonha na cara e coragem para desafiar os interesses de uma minoria privilegiada.

A narrativa de que o mercado, com "inovações verdes" e uma pitada de boa vontade, resolverá a crise sem alterar as bases do sistema econômico global é uma fantasia conveniente para quem lucra com a exploração do planeta. Enquanto isso, eventos climáticos extremos expõem desigualdades estruturais e a incapacidade de governos em proteger os mais vulneráveis. Basta lembrar que o número de mortes em desastres climáticos é muito maior em países desiguais.

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Se os governos nacionais não assumirem o controle e implementarem medidas drásticas (como a taxação pesada de grandes fortunas e dos setores mais poluentes, o fim imediato de subsídios a combustíveis fósseis e investimentos massivos em energias renováveis e infraestrutura resiliente), estaremos condenando as gerações futuras a um mundo inabitável. Não se trata de alarmismo, trata-se de enfrentar a realidade com a seriedade que ela exige.

E não podemos esquecer que as soluções precisam ser justas. A transição energética e climática não pode reproduzir as desigualdades que ajudaram a criar o problema. Não adianta promover o uso de carros elétricos enquanto comunidades indígenas e quilombolas continuam sendo ameaçadas por mineradoras em busca de lítio e outros minerais essenciais para essa indústria. O futuro sustentável que desejamos não pode ser construído sobre as mesmas bases de exploração e violência que definiram o passado.

E no Brasil? Nosso país, com sua vasta biodiversidade e uma das maiores reservas de água doce do mundo, deveria estar liderando a luta contra as mudanças climáticas. Em vez disso, vemos esquerda e direita se digladiando em nome da exploração de uma nova província petrolífera na costa amazônica do Amapá.

O Ministério das Minas e Energia reclama, com toda a razão, da Enel, pelas chuvas e os apagões em São Paulo, enquanto defende a perfuração desses poços - que vão ajudar a tornar mais frequente eventos climáticos extremos, como as chuvas na capital paulista. Seria para rir não fosse para chorar.

E também vemos o Congresso Nacional aprovando um projeto de lei que mantém benefícios a termelétricas a carvão e gás (que agravam as mudanças climáticas), pagos, aliás, por nós consumidores na conta de luz.

Segundo as organizações, isso praticamente anularia os esforços de combate ao desmatamento na Amazônia entre 2022 e 2023, que reduziram as emissões brasileiras em 386,8 milhões de toneladas de CO2.

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Vamos sediar a COP-30, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, em Belém, neste ano. Temos a chance de ajudar a fechar o abismo entre a promessa vazia de metas grandiosas e a prática cotidiana de destruição da Amazônia, do Cerrado, do Pantanal, da Mata Atlântica, impulsionada por setores criminosos do agronegócio e do extrativismo, pela boiada de projetos que facilitam a grilagem e a destruição do meio ambiente sob a batuta do Congresso Nacional, pelo desmonte da fiscalização por parte do governo anterior e que está sendo reconstruída agora a muito custo e até pelo discurso de "progresso", com o usado para justificar a exploração de petróleo.

Não acreditem em quem fala que estamos em contagem regressiva: já adentramos uma nova era de extinção em massa de uma série de espécies. Talvez menos a nossa. Pois, ao final, os ricos comprarão sua segurança e herdarão a Terra, desta vez mais árida e violenta. Sem Tina Turner (para os mais velhos), nem Anya Taylor-Joy e Charlize Theron, num plágio bisonho de Mad Max — que virá não como tragédia, mas como farsa.

O fim do mundo não está no livro do Apocalipse, mas nos Relatórios Anuais de empresas petrolíferas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL