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Campanha eleitoral norte-americana é a mais negativa da história, diz pesquisadora

Peter Manseau *

01/10/2012 06h00

Um mês depois de os especialistas declararem que a atual disputa presidencial dos Estados Unidos é a "pior", a "mais sórdida", a "mais venenosa" e dito que essa é "a campanha mais suja da história", esses lamentos de verão já soam como lembretes pungentes de um tempo mais gentil e suave. Graças aos esforços recentes para marcar pontos políticos usando a violência registrada no Egito e na Líbia, e às acusações de lutas de classes - postura em ascensão em ambos os lados da campanha -, esse período mesquinho e desagradável só tem piorado.

No entanto, apesar da aparente sordidez da atual campanha eleitoral, a disputa não é nem um pouco original em seu nível de acidez. Seus protagonistas muitas vezes parecem estar lendo um script emprestado, apresentando interpretações sem brilho para as táticas negativas de campanha verdadeiramente inspiradas que fizeram da política norte-americana um esporte sanguinolento desde o início.

O confronto entre John Adams e Thomas Jefferson, em 1796, representou a primeira vez em que alegações desleais e mentirosas foram utilizadas durante uma campanha eleitoral. Mesmo à época, os rivais de Jefferson fizeram circular boatos sobre seu relacionamento com uma escrava - relacionamento que talvez tenha começado durante seus anos como o ministro dos EUA para a França, quando Sally Hemings tinha apenas 14 anos de idade. Foi graças às tendências racistas da campanha que Jefferson foi posteriormente descrito como mesquinho, degradado, filho de uma índia mestiça e cria de um mulato da Virgínia.

E a atual eleição também não é especial em sua ambição por fazer política usando a perda de vidas norte-americanas. A campanha de Obama tocou nessa questão pela primeira vez em um anúncio financiado por um Super-Comitê de Ação Política (esse tipo de comitê busca imprimir sua influência em nome de grupos de interesse, e pode levantar e gastar recursos para apoiar ou se opor a um determinado candidato), que culpou Mitt Romney pela morte de uma mulher que perdeu seu seguro de saúde quando a Bain Capital fechou uma siderúrgica em Kansas City, no Estado do Missouri. Mais recentemente, o conselheiro Richard Williamson, de Romney, sugeriu que as mortes de diplomatas norte-americanos em Benghazi poderiam ter sido evitadas caso seu candidato estivesse no poder.

Mesmo que essas alegações soem como afirmações de mau gosto, eles não têm nada a ver com a imagem do candidato britânico Zachary Taylor, do Partido Whig, sentado sobre uma pilha de crânios humanos (uma crítica afiada a respeito do tipo de experiência que ele havia ganhado durante a guerra entre México e Estados Unidos).

O caráter moral - e os envolvimentos íntimos - dos candidatos tem sido um front comum na batalha pela presidência. Em 1884, ficou muito conhecido o fato de Grover Cleveland ter que lidar com insultos que repetiam "Ma, Ma, onde está o meu pai?" quando circulou a notícia que ele tinha um filho com uma mulher com a qual não era casado.

Menos conhecido é um boato que circulou a respeito do adversário de Cleveland, James G. Blaine. Esse rumor visava atingir Blaine - que supostamente era superior moralmente a seu oponente - em seu ponto fraco. Defensores de Cleveland alegavam que o primeiro filho de Blaine, que morreu ainda criança 30 anos antes, tinha sido concebido antes de Blaine e sua mulher terem se casado. Em uma aparente tentativa de fazer parecer que Blaine estava escondendo alguma coisa, vândalos apagaram a data de nascimento da criança de seu túmulo.

Antes de os norte-americanos darem graças ao fato de eles estarem atualmente muito distantes da época em que usar os filhos mortos de políticos como uma cartada justa no processo eleitoral, vale a pena lembrar que momentos semelhantes têm feito parte da campanha de 2012 o tempo inteiro - como em janeiro, quando Rick Santorum teve de responder a perguntas sobre os métodos usados por sua família para lamentar a morte de seu filho Gabriel.

Se há algo exclusivamente negativo sobre a campanha deste ano, essa coisa só pode ser a tonelada das mensagens cruamente hostis que bombardeiam o eleitorado nos cerca de uma dúzia de Estados onde a disputa ainda está em aberto.

"O que pode diferenciar a campanha de 2012 das eleições anteriores é o volume de anúncios negativos", disse Melissa Deckman, professora de ciência política no Washington College. Ela observa que, enquanto os anúncios negativos representaram 9% de toda a propaganda política em 2008, de acordo com pesquisas recentes, na atual eleição, os anúncios de ataque respondem por 70% do total. "Considerando-se que o dia da eleição será daqui a algumas semanas", disse Deckman, "do ponto de vista publicitário, essa eleição poderia muito bem ser a mais negativa da história".

Será que alguma coisa positiva surgirá a partir disso tudo? Táticas negativas de campanha - até mesmo as piores e mais sórdidas - têm o seu lugar no teatro da política norte-americana, mas elas nem sempre têm o efeito desejado. Quatro anos atrás, Obama provavelmente não teria feito seu discurso crucial sobre raça não fosse pelas tentativas de ligá-lo à retórica desagregadora de seu ex-pastor, o reverendo Jeremiah Wright.

Vinte anos antes, George Bush fez associações negativas semelhantes - a seu favor - para rebater as preocupações a respeito de sua tenacidade ao contar as histórias de seu tempo como piloto de caça condecorado e inegável herói de guerra. Após ter que suportar vários questionamentos feitos pelos meios de comunicação a respeito de sua masculinidade, o vice-presidente mostrou que a sua capacidade de dar um soco não tinha diminuído quando partiu para a ofensiva durante uma entrevista ao vivo com Dan Rather, âncora do "CBS Evening News".

As campanhas difamatórias, caso tenham um fundo de verdade ou se baseiem em mentiras, permitem aos candidatos demonstrar como eles reagem sob a pressão de condições que a maioria das pessoas acharia insuportáveis. Como o historiador Gil Troy escreveu, essas campanhas brutais sobrevivem não apenas porque elas servem para liberar a tensão coletiva de 300 milhões de norte-americanos teimosos, mas porque - tão improvável quanto possa parecer - elas funcionam.

Se a negatividade nas campanhas parece não ter fim, talvez a pergunta que os eleitores norte-americanos devem se fazer não é "será que essa é a campanha mais suja de todos os tempos?", mas sim "por que nossas eleições têm sido tão negativas e têm usado os mesmos métodos por tanto tempo?". Os temas que sempre estão presentes nas campanhas aparentemente mais sujas - como raça, religião, sexo e morte - lembram as pessoas sobre seu caráter fundamental não apenas na política, mas em todos os aspectos de suas vidas. Não importa o quanto a economia importa para o resultado final: esta eleição é tão suja quanto as outras porque os eleitores sabem que estão escolhendo algo que vai além de um mero administrador.

Em face dos riscos, a parte mais surpreendente desse sistema político eternamente sujo é que todos os tiros retóricos que antes acertavam tão perfeitamente o alvo posteriormente podem parecer apenas engraçados ou elucidativos. As palavras agressivas de hoje serão reduzidas às histórias interessantes de amanhã. Mas as verdadeiras questões que residem no cerne de cada eleição presidencial permanecerão sem resposta.

* Historically Corrected é um projeto de estudantes e da faculdade do C.V. Starr Center for the Study of the American Experience, do Washington College, onde Peter Manseau é professor residente. Os estudantes do seminário Redação para Mídia contribuíram com a pesquisa.