Topo

O que as potências globais podem fazer para destruir o Estado Islâmico

Membros do Estado Islâmico ocuparam a cidade de Sirte (Líbia), em fevereiro - Welayat Tarablos/AFP
Membros do Estado Islâmico ocuparam a cidade de Sirte (Líbia), em fevereiro Imagem: Welayat Tarablos/AFP

Tim Arango

19/11/2015 06h00

Grande parte do mundo concorda que o Estado Islâmico precisa ser esmagado. Mas saber como isso pode ser feito e quais seriam as consequências indesejadas é muito mais complicado.

O grupo, também conhecido como EI ou Daesh (sua sigla pejorativa em árabe), provou ser tão flexível e covarde quanto apocalíptico e brutal. Ele floresce sob pressão. E uma guerra intensificada com o Ocidente pode ser exatamente o que deseja, para atrair novos recrutas.

E não esqueça que o antecessor do grupo já foi derrotado antes: a Al Qaeda na Mesopotâmia, formada para combater os americanos após a invasão ao Iraque em 2003, foi eviscerada e seus líderes foram mortos em 2009. Isso custou milhares de vidas norte-americanas, muitos bilhões de dólares e um esforço no final insustentável de pagar aos líderes tribais sunitas para lutarem contra o grupo.

Mas depois que os norte-americanos partiram do Iraque, o grupo se ergueu de novo das sombras, e, em sua reencarnação, se tornou ainda mais brutal e determinado.

Agora que uma série de potências globais e regionais, incluindo rivais como Rússia e Estados Unidos, Arábia Saudita e Irã, concordam que o grupo deve ser destruído, a questão é como evitar uma repetição dos fracassos anteriores.

Conversando com um grupo diverso de especialistas, autoridades, estudiosos de religião e ex-jihadistas, fica claro que não existe um consenso sobre uma estratégia simples para derrotar o Estado Islâmico. Mas há alguns temas –como a necessidade de um papel decisivo no conflito sírio e um esforço visando uma reforma mais ampla do Islã– que uma série de pessoas que acompanham o grupo dizem que deve fazer parte da solução.

Apoiar Bashar Assad ou não

Em agosto de 2011, enquanto o governo sírio aumentava o uso da força para esmagar um levante popular, o presidente Barack Obama pediu a saída do presidente Bashar Assad.

"Pelo bem do povo sírio, chegou a hora do presidente Assad renunciar", ele disse.

De lá para cá, muita coisa mudou, mas não a posição de Obama. Mesmo hoje, apesar de disposto a tolerar Assad no poder por uma breve transição, os Estados Unidos estão tentando combater o Estado Islâmico dentro da Síria sem parecer apoiar Assad.

Os russos, entretanto, insistem que o foco deve ser em derrotar o Estado Islâmico, mas tendo Assad como aliado nessa batalha.

Os especialistas dizem que a posição americana –derrotar o Estado Islâmico e a derrubada de Assad– foi ineficaz em ambas as frentes. Agora, eles dizem, é hora de os Estados Unidos abandonarem o foco duplo e assumirem uma posição.

Uma opção seria os Estados Unidos se alinharem com a Rússia, Irã e o governo sírio, estabelecendo uma aliança para execução de uma guerra intensificada contra o grupo.

"Não se pode jogar duas cartas de uma só vez", disse Kirill V. Kabanov, um especialista em segurança russo e um ex-agente da inteligência doméstica, descrevendo o que vê como uma abordagem ocidental falha de tentar derrotar tanto Assad quanto o Estado Islâmico. Ele disse que a solução é escolher o mal menor –Assad, no seu entender– na guerra civil síria.

A outra opção seria os Estados Unidos priorizarem a remoção de Assad, cujas forças armadas foram responsáveis por muito mais carnificina na Síria do que o Estado Islâmico. Enquanto Assad estiver no poder, será difícil fazer com que muitos rebeldes sírios ajudem a combater o grupo.

"Provavelmente não haverá solução para o problema do EI enquanto não houver uma solução para Assad", disse J.M. Berger, um acadêmico da Instituição Brookings e coautor do livro "ISIS: The State of Terror" (EI: O Estado do terror, em tradução livre, não lançado no Brasil). "Esse é o fator que paralisa tudo mais."

Emile Hokayem, um membro sênior do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, argumentou que as potências ocidentais precisam começar a identificar o governo Assad como parte do problema, porque sua brutalidade e sectarismo permitiram que o Estado Islâmico prosperasse.

"Assad não é uma atração secundária", ele disse. "Ele está no centro desse imenso dilema."

Se os Estados Unidos seguirem por essa rota, eles contariam imediatamente com o apoio da Arábia Saudita e da Turquia, mas isso exigiria um intenso trabalho diplomático pesado para persuadir os dois mais importantes apoiadores de Assad –os russos e iranianos– a concordarem com sua remoção.

"A resposta é simples: para derrotar o EI, é preciso alistar as forças sunitas. Isso não acontecerá enquanto Assad permanecer no poder em Damasco", disse Ehud Yaari, um membro baseado em Israel do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo. "A forma mais curta e mais eficaz de lidar com o EI é Estados Unidos e Rússia chegarem a um acordo sobre a remoção de Assad, e assim receberão o apoio de outros. Daí as forças sunitas, os rebeldes, poderão lidar com o EI em solo."

Nova forma de governo

A longo prazo, a erradicação do Estado Islâmico e outros grupos jihadistas violentos provavelmente exigirá reformas drásticas na natureza dos governos no Oriente Médio: mais prestação de contas, Justiça equitativa, melhores escolas, mais perspectivas de emprego.

"O EI prospera com os fracassos dos governos do Oriente Médio", disse Hokayem, o analista do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos.

Na Europa e nos Estados Unidos, também é necessária mais atenção à integração das comunidades muçulmanas, para que os homens jovens não se radicalizem, dizem os analistas.

"É preciso criar uma visão melhor para nossa própria sociedade e perspectivas melhores para os jovens, de modo a assegurar que sejam mais bem integrados à nossa sociedade", disse Joost Hiltermann, o diretor do programa para Oriente Médio e Norte da África do Grupo Internacional de Crises.

Historicamente, também há um profundo senso de declínio entre as comunidades muçulmanas que os grupos extremistas exploram, prometendo restaurar um senso de dignidade e prestígio ao mundo muçulmano.

"O EI está explorando um profundo ferimento emocional entre os árabes e muçulmanos", disse Ed Husain, um ativista britânico e autor cujo livro, "The Islamist" (O Islamita, em tradução livre, não lançado no Brasil), narra sua própria rejeição do radicalismo na juventude. "Por mais de um milênio, existiram líderes muçulmanos que mantiveram a dignidade muçulmana por meio da unidade e liderança. Os otomanos no Oriente Médio, por exemplo, e seus antecessores mamelucos e abássidas."

Ele disse que ao estabelecer seu chamado califado, o Estado Islâmico oferece uma alternativa a esse declínio histórico.

Os governos árabes, ele disse, "não podem derrotar esse movimento transnacional com nacionalismo secular, mas aprender com a União Europeia sobre como devolveu a dignidade e a estima à Alemanha, França e ao continente por meio do livre movimento de pessoas, trabalho e ideias".

Segundo ele, essa é a "parte que falta" a uma estratégia de longo prazo para derrotar o Islã radical.