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Cidade pró-'Brexit', Sunderland se mostra feliz em irritar o establishment

Moradores de Sunderland, cidade portuária, onde a maioria votou pela saída do Reino Unido da União Europeia - Adam Ferguson/The New York Times
Moradores de Sunderland, cidade portuária, onde a maioria votou pela saída do Reino Unido da União Europeia Imagem: Adam Ferguson/The New York Times

Kimiko De Freytas Tamura

Em Sunderland (Inglaterra)

29/06/2016 00h03

Em lugares como Sunderland, com seus antes robustos estaleiros agora silenciosos e sem vida, e seus cidadãos desconfiados tanto de Londres quanto de Bruxelas, a ideia da União Europeia nunca realmente pegou.

Apesar de a antes orgulhosa cidade de classe operária do nordeste da Inglaterra ter se beneficiado com o bloco, a campanha para saída do Reino Unido da União Europeia, conhecida como "Brexit", encontrou muitos simpatizantes e trouxe à tona muitas queixas há muito reprimidas.

E quando a decisão de sair da União Europeia fez os mercados despencarem, Ken Walker, um operário de construção aposentado, permaneceu inabalado.

"Não tenho nenhum dinheiro no mercado de ações", disse Walker, 59, enquanto bebia uma caneca de cerveja em um pub. "Por que me importaria?"

O pub, chamado Speculation (Especulação), ainda contava com os cartazes "Vote pela Saída" em suas paredes e um outro cliente exclamou "Sim!", batendo no balcão em acordo.

Sunderland surpreendeu o país quando os eleitores optaram em peso pela saída da Europa no referendo de quinta-feira, por 61% a 39%.  Foi uma votação muito mais alta do que as pesquisas previram, e foi o primeiro sinal de que o primeiro-ministro David Cameron perdeu sua aposta de permanecer no bloco.

Os cidadãos de Sunderland parecem ter votado contra seus próprios interesses. Não apenas a cidade é uma grande recebedora de dinheiro europeu, como também é lar de uma fábrica de carros da Nissan, a maior do Reino Unido, e os automóveis produzidos ali são exportados sem taxas para a Europa. A fábrica, que absorveu os operários dos estaleiros moribundos após sua abertura há 30 anos, se tornou um símbolo dos benefícios de ser integrante da União Europeia, e a Nissan era contrária à saída britânica.

Mas Edward Pennal, 64, um ex-mecânico do Exército que votou pela saída, não deu atenção à incerteza, a desdenhando como fomentação de medo. "Não, não a vejo saindo daqui", ele disse sobre a Nissan, porque a empresa recebeu verbas do governo para permanecer em Sunderland. E a desvalorização da libra é uma boa coisa para as exportações, ele disse. "Estou muito satisfeito com o resultado."

A decisão de Sunderland também foi um voto contra o Partido Trabalhista, que lutou para que o Reino Unido permanecesse na união, mas não é mais visto por muitos eleitores em Sunderland como um defensor da classe operária. Em vez disso, eles e os eleitores da classe operária por todo o Reino Unido estão cada vez mais pendendo para a direita na questão da imigração, votando pelo Partido da Independência do Reino Unido, anti-Bruxelas, anti-imigrantes, que fez campanha pela saída para que o Reino Unido pudesse controlar suas fronteiras.

Por todo o país, os eleitores jovens forneceram grande parte do apoio à campanha pela permanência, mas esse não foi o caso em Sunderland.

John Todd, 18, um aprendiz de tecnologia da informação, votou pela primeira vez e disse apoiar o Partido da Independência do Reino Unido.

"Estamos segregados do sul, e o norte é uma terra desolada", ele disse, vestindo uma pesada jaqueta preta de couro com rebites de metal apesar do calor do verão. "Somos nós contra eles."

"A UE é um mistério para nós", ele acrescentou. "Nunca tivemos notícia dela por aqui."

O resultado da votação na grande área industrial do nordeste da Inglaterra, que inclui Sunderland, expôs as profundas divisões regionais e um racha entre classes, uma classe operária que se sente prejudicada pela globalização, e uma classe de pessoas com maior escolaridade e maior mobilidade, que prosperou com o livre comércio e a liberdade de deslocamento.

Tendências semelhantes estão emergindo na França, onde a Frente Nacional de Marine Le Pen teve sucesso nas cidades pobres por todo o antigo interior industrial do país. Agora, Le Pen está pedindo por um referendo semelhante para saída da França da União Europeia.

Em Sunderland, uma cidade de 273 mil pessoas na costa do Mar do Norte, há poucos sinais do "bregret" ou "regrexit" (arrependimento da saída britânica), os termos compartilhados nas redes sociais para descrever o remorso sentido por alguns, ao verem o desaparecimento de bilhões de dólares dos mercados mundiais.

Os eleitores pró-saída disseram que não tinham nada a perder, porque, para começar, ganharam pouco com a globalização.

Karl Leyton (centro) e sua mulher Joanna Smith (esq) e suas crianças em frente sua casa, na Inglaterra - Adam Ferguson/The New York Times - Adam Ferguson/The New York Times
Karl Leyton (centro) em frente sua casa, em Sunderland, Inglaterra
Imagem: Adam Ferguson/The New York Times
"Dê uma chance à Brexit", disse Maria Taylor, uma florista de 58 anos em uma rua com uma fileira de casas geminadas de tijolos, um legado da Revolução Industrial, que parecem espremer umas às outras. "Não dá para piorar de como já está", ela acrescentou.

Em Washington, um bairro degradado próximo da fábrica da Nissan, as lojas na Co-operative Street pareciam saídas de uma máquina do tempo: um cabeleireiro com secadores de cabelo com touca, uma loja de doces onde uma única lâmpada no teto ilumina corredores de recipientes cheios de guloseimas.

Para pessoas como Walker, a turbulência nos mercados financeiros é um ruído distante, um problema para os ricos "lá do sul" em Londres e para aqueles com recursos suficientes para apostar nos vastos fluxos de dinheiro especulativo que circulam pelo mundo.

À medida que a desindustrialização e outros fatores deixaram um buraco naquele que antes era um forte reduto manufatureiro, a região tem tido dificuldades para tirar o atraso em relação aos seus vizinhos mais ricos do sul, apesar dos esforços por parte de recentes governos para reduzir a diferença.

"Todas as indústrias, tudo se foi", disse Michael Wake, 55, um operador de empilhadeira, gesticulando para Roker Beach, antes preta pela fuligem dos estaleiros. "Éramos fortes, poderosos. Mas Bruxelas e o governo, eles tiraram tudo."

Em 1988, o governo conservador da primeira-ministra Margaret Thatcher fechou o último dos estaleiros que antes margeavam o rio Wear. A União Europeia contribuiu com um pacote de ajuda de 45 milhões de libras aos trabalhadores demitidos, mas Sunderland nunca se recuperou da perda. Ela apresenta consistentemente uma das maiores taxas de desemprego no país, de cerca de 9%.

O referendo, disse Wake, foi uma oportunidade para "irritar" Cameron e o establishment em Londres.

Mas alguns moradores disseram que se beneficiaram com o fato de o país ser membro da União Europeia.

"Estou chocado. Isso é péssimo para a indústria", disse John Thompson, 53 que trabalha há mais de 30 anos em uma fábrica de componentes.  "Há muita incerteza agora e as pessoas que investiriam aqui agora pensarão duas vezes."

Muitos engenheiros que trabalhavam nos estaleiros conseguiram empregos na Nissan. Eles se tornaram parte de uma classe com mobilidade para o alto, capaz de comprar casas ao longo da praia agora sem fuligem.

Para eles e suas famílias, a União Europeia é atrativa. Eles podem nadar no Centro Aquático de Sunderland, um projeto de 20 milhões de libras com uma piscina olímpica que a União Europeia ajudou a financiar. Eles podem enviar seus filhos para o campus elegante e moderno da Universidade de Sunderland, que também recebeu financiamento da UE.

O dinheiro da União Europeia também ajudou a estabelecer a Sunderland Software City, um centro de negócios que oferece apoio e orientação para aspirantes a empreendedores de software.

Mas por mais vistosos que esses projetos possam ser, eles permanecem em grande parte inacessíveis para a classe operária de Sunderland. Muitos não podem pagar as taxas mensais de 30 libras (cerca de R$ 130) do Centro Aquático, e as pessoas no bairro próximo de Washington disseram que nunca botaram seus pés ali.

Quanto à Universidade de Sunderland, seu preço, que o governo aumentou recentemente, é caro demais para muitos jovens. "Todo o dinheiro volta para os ricos", disse Taylor, a florista. "A classe operária foi totalmente arrasada. Eles nos venderam lá no sul."

John Hall, um vizinho de 54 anos, parecia determinado. "Todas as pessoas aqui estão pensando em seus netos", ele disse, acrescentando, "Daqui 20 anos, será um lugar melhor para eles".

"Somos grandes, somos fortes o bastante", ele disse. "Poderá ser difícil, mas ainda conseguiremos comer."

Quais as consequências da saída do Reino Unido da UE?

AFP