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Estaria na hora de a Mulher-Maravilha aposentar seu maiô?

A atriz Lynda Carter durante a gravação do seriado A Mulher-Maravilha - Divulgação
A atriz Lynda Carter durante a gravação do seriado A Mulher-Maravilha Imagem: Divulgação

Vanessa Friedman

21/10/2016 06h01

Nesta sexta-feira (21), a Mulher-Maravilha completa 75 anos, e ela vai ganhar uma festa de arromba. Ela vai acontecer nas Nações Unidas, no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, e entre os convidados especiais estarão Diane Nelson, presidente da DC Entertainment (a empresa proprietária da DC Comics, que criou a Mulher-Maravilha); Lynda Carter, que incorporou a Mulher-Maravilha na série de TV dos anos 1970; Gal Gadot, que assumiu o papel no novo filme da Mulher-Maravilha; e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Ocorre que Ban também tem uma espécie de presente para a personagem: ela está sendo nomeada embaixadora honorária para o empoderamento de mulheres e meninas e para a igualdade de gênero, ou seja, o Objetivo 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: 17 Objetivos para Transformar Nosso Mundo. Ela aparecerá em uma campanha de mídias sociais e outras iniciativas.

De certo modo, isso faz sentido. A Mulher-Maravilha é o epítome da mulher que precisa de um homem tanto quanto um peixe precisa de uma bicicleta. (Ela apareceu duas vezes na capa da revista “Ms.”).

Ela é autossuficiente, forte e luta por igualdade e justiça. Ela não deriva de um personagem masculino como a Supergirl ou a Batgirl, e ela não se disfarça como a Mulher-Gato. No novo filme da “Mulher-Maravilha”, com lançamento previsto para o próximo verão (hemisfério norte), ela diz a seu co-protagonista masculino: “O que eu faço não cabe a você decidir.”

E ela certamente leva a causa da organização para um público totalmente diferente, diz Maher Nasser, diretor da Divisão de Serviços e Produtos Destinados ao Público para o Departamento de Informação Pública das Nações Unidas.

(A organização percebeu as vantagens de fazer parcerias com o mundo dos quadrinhos este ano, quando Red do “Angry Birds” se tornou seu embaixador honorário para o Dia Internacional da Felicidade; todos os embaixadores honorários são personagens fictícios, ao contrário dos mensageiros da paz, por exemplo, uma categoria que inclui celebridades como Leonardo DiCaprio, Charlize Theron e Jane Goodall, ou embaixadores da boa-vontade, que incluem Anne Hathaway, David Beckham e Shakira.).

Faz ainda mais sentido quando você se dá conta de que em 1943 a Mulher-Maravilha concorreu à presidência. (Era “1.000 anos à frente”, segundo os quadrinhos dos anos 1940, mas ainda assim...). E ela voltou a ser nomeada pela revista “Ms.” em 1972. Trazê-la de volta para falar sobre aquilo em que ela acredita, em um ano em que uma mulher de verdade pode ser eleita para o Salão Oval, parece mais relevante do que nunca.

Exceto por uma coisa.

Como Nasser falou, de uma forma um tanto delicada, a “questão da roupa.”

O que ele disse especificamente foi: “Não ignoramos a questão da roupa”. No caso, a questão é o fato de a Mulher-Maravilha fazer a maior parte de seu trabalho de ação, como todos sabemos, usando um maiô sem alças decorado de estrelas e botas de cano alto, com uma boa dose de decote e pernas à mostra. Para dizer um mínimo, suas roupas não acompanharam suas ideias, nem a de muitas outras pessoas, aliás. (No novo filme ela parece usar uma espécie de saia semelhante a uma tanga, também).

No final, a ONU determinou que “Você precisa olhar para suas ações além do superficial”, segundo Nasser. E Carter observou que a personagem é “muito maior do que o que ela veste”.

Mas na era de Donald Trump, quando a questão da objetificação da mulher por causa da aparência delas está em todas as conversas, a questão da roupa, juntamente com a questão relacionada da imagem corporal, não pode ser ignorada tão facilmente.

De fato, os trajes da Mulher-Maravilha parecem ter saído direto de um palco de Miss Universo, como costumava ser quando Trump era dono do concurso. (Ele o vendeu ano passado para a WME-IMG, a gigante dos esportes e do entretenimento). Afinal, até mesmo o concurso de Miss Teen USA acabou com sua competição de trajes de banho neste ano, transformando-o em uma categoria de trajes de ginástica, para celebrar a força no lugar da sensualidade. Paula Shugart, presidente da Organização Miss Universo, escreveu em uma carta para diretores de cada Estado que posteriormente foi citada no “The New York Times”: “Esta decisão reflete uma importante mudança cultural que estamos todos celebrando”.

Só que a Mulher-Maravilha, não.

Isso importa porque, assim como a maior parte dos super-heróis, ela é indissociável de seus trajes. Eles são seu significante mais imediato, a representação de tudo aquilo que é especial e singular (e impressionante) nela. E essa roupa inevitavelmente indica para todos que parte da fonte de seu poder é sua “gostosice”, para definir de uma maneira particularmente retrógrada.

A razão pela qual Steve Trevor, seu flerte original, se apaixona por ela não é só o fato de que ela pode defender a si mesma e a ele, lutar montada a cavalo e decidir não matar seus inimigos. Sejamos sinceros: é por causa da aparência dela, quando ela tira os óculos, deixa de ser a desleixada Diana Prince de camisa abotoada até o pescoço e se torna sua versão minimamente vestida.

Ela pode não estar usando sua sexualidade como uma arma (ela tem braceletes e um laço de ouro para isso), mas de qualquer forma ela está passando uma mensagem.

O que levanta a questão, ainda que aceitemos que ela é um personagem exagerado em um mundo exagerado: é essa realmente a mensagem que queremos passar sobre empoderamento feminino para nossas filhas, em uma era onde há um bom número de exemplos femininos poderosos e totalmente vestidas?

Por um lado, permitir que as garotas se divirtam com sua fisicalidade e feminilidade é algo bom. Não estou dizendo que elas devam se vestir como freiras ou adotar uma mentalidade de que só devem usar calças de moletom. Elas devem assumir sua condição de mulher e tudo aquilo que é especial e diferente a respeito. Você pode argumentar que recusar-se a pedir desculpas ou esconder seu corpo por baixo de um pano seja um ato feminista.

Mas a maior parte das mulheres, imagino, não escolheriam se mostrar atraentes usando um maiô de estrelinhas e capa, uma roupa que ninguém de fato usaria para trabalhar, a menos que estivesse trabalhando como sósia de um personagem de quadrinhos.

Carter não tem problemas com o visual (“Eu nunca me senti objetificada como Mulher-Maravilha, embora eu tenha como Lynda Carter”, ela disse por telefone recentemente), mas ela reconhece que, embora ela tenha duas fantasias clássicas, ela não vestiu nenhuma desde que pendurou a capa em 1979.

Aliás, quando ela aparece como presidente nesta temporada de “Supergirl” (ela estreará na semana que vem), Carter veste um blazer comprido azul-bebê, calças justas pretas e sapato de salto alto. “Elegante, forte, simples e confortável”, ela disse sobre o visual, acrescentando que ela se inspirou em Hillary Clinton e na líder da minoria da Câmara, Nancy Pelosi.

Vestir-se de forma poderosa não quer dizer se vestir como um homem, mas também não precisa significar se vestir como o clichê de uma fantasia sexual masculina.

A moda, que certamente está a par da ascensão da mulher poderosa, e o papel da indústria em determinar qual seria o visual dela, certamente apresentou várias opções, desde o vestido justo e sequinho para as executivas até o abrigo esportivo, passando pela dupla legging e lycra para se usar no dia a dia. Eu imagino que Donatella Versace, Stella McCartney e Diane von Furstenberg (que aliás lançou seu livro sobre a Mulher-Maravilha em apoio à ONG Vital Voices em 2008), para citar só algumas, teriam algumas ideias sobre o que torna uma super-heroína moderna. Isso é algo que eu adoraria ver.

Questionado se a ONU havia pensado em uma reforma no guarda-roupa, Nasser respondeu: “A arte que foi desenvolvida com a campanha reflete de fato muitas das observações e comentários que fornecemos”, mas ele se recusou a ser mais específico.

Uma porta-voz da DC Entertainment usou palavras como “magnífica” e “apropriada” na discussão sobre como a Mulher-Maravilha se vestiria em suas aparições da ONU, e acrescentou que a campanha foi desenhada por Nicola Scott, a artista por trás da encarnação atual da Mulher-Maravilha dos quadrinhos. Mas a personagem ficaria reconhecível, de acordo com a porta-voz, sugerindo que o traje estaria intacto em sua maior parte.

Em breve saberemos. Enquanto isso, se tivéssemos de escolher uma mulher de maiô como um exemplo, talvez devêssemos considerar Katie Ledecky, uma das maiores nadadoras de todos os tempos. Seu poder vem de dentro, como todos sabem. E é essa, na verdade, a mensagem que a organização quer passar: “que existe uma Mulher-Maravilha em toda mulher”, nas palavras de Nasser.

Esse é um conceito digno de aplausos. Mas, considerando o clima atual das coisas, será que não está na hora de seu personagem ter algo novo para usar em uma festa? Carter, por exemplo, disse ter escolhido um elegante modelo em jacquard com renda azul-marinho e preto de Oscar de la Renta.