Como a ratazana conquistou Nova York (e todas as outras cidades também)
Há milhões delas vivendo em Nova York, e outros bilhões em cidades e fazendas por todo o mundo. E por onde elas passam, causam estragos.
Elas devoram estoques de comida e contaminam o que não comem com fezes e urina. Elas espalham uma série de vírus e bactérias prejudiciais. Em ecossistemas delicados de todo o mundo, elas ameaçam de extinção outras espécies.
"Elas roem paredes. Elas roem fios. Elas destroem carros", diz Jason Munshi-South, um biólogo da Fordham University. "Elas conseguiram se espalhar em qualquer lugar onde houvesse humanos."
Apesar de sua onipresença, o Rattus norvegicus, também conhecido como ratazana, continua sendo surpreendentemente misterioso. Os cientistas só têm uma vaga ideia de como ele passou de roedor selvagem para um companheiro dos humanos.
Agora Munshi-South e seus colegas completaram o primeiro estudo genético aprofundado de ratazanas de todo o mundo. A história delas têm reviravoltas que surpreenderam até mesmo os especialistas.
Os cientistas descobriram que, depois de se disseminarem lentamente ao longo de milhares de anos, as ratazanas tomaram conta de boa parte do planeta somente nos últimos três séculos. E uma vez que as ratazanas se estabelecem em uma nova cidade, como sugere o novo estudo, elas repelem todos os recém-chegados, uma descoberta que poderia ter grandes implicações para nossa saúde.
Munshi-South diz que o estudo surgiu de uma simples pergunta: "O que é um rato da cidade de Nova York, e de onde ele veio?"
Ele contatou pesquisadores do mundo inteiro para ver se conseguia DNA para comparar com aquele dos ratos que ele capturasse pela cidade de Nova York. Para sua surpresa, ele recebeu amostras de centenas de ratazanas, desde as Ilhas Galápagos até o Brasil, passando pela Nova Zelândia e pelo Japão.
Em vez de simplesmente perguntar de onde as ratazanas da cidade de Nova York vinham, Munshi-South percebeu que ele poderia descobrir de onde as ratazanas do mundo tinham vindo.
Emily E. Puckett, uma pesquisadora de pós-doutorado, analisou em seu laboratório as amostras de DNA, separando 314 ratazanas de 30 países diferentes em grupos de acordo com a proximidade genética. Por fim ela conseguiu determinar como diferentes populações de ratos se misturavam ao longo do tempo.
Puckett, Munshi-South e seus colegas publicaram suas descobertas na semana passada na "Proceedings of the Royal Society B Biological Sciences".
A ratazana às vezes é chamada de rato da Noruega, mas a nova pesquisa confirma que o nome é errôneo. Na verdade as ratazanas se originaram no norte da China ou da Mongólia. Antes de se tornarem nossas companheiras, elas se alimentavam de plantas selvagens e pequenos animais em planícies abertas e frias.
A agricultura chegou relativamente tarde ao norte da China, mas em algum momento as ratazanas nativas, ao encontrarem uma fonte confiável de alimentos em seu meio, passaram a viver nas fazendas e nos vilarejos.
Puckett e seus colegas não sabem dizer quanto tempo as ratazanas permaneceram no norte da China, mas em algum momento elas começaram a se expandir. A primeira migração delas, como sugere o estudo, as levou para o sudeste da Ásia.
Muito tempo depois, uma onda de ratazanas se espalhou para o nordeste, para o Japão e a Sibéria. Outra onda migrou para o oeste, em algum momento alcançando a Europa no que parecem ter sido três grandes levas de chegadas ao continente. Esses ratos podem ter viajado em rotas terrestres ou talvez escondidos em navios que navegaram pelas costas da Ásia e da Europa.
O novo estudo sugere que as ratazanas demoraram mais para se espalhar pelo globo do que nossos outros conhecidos, o rato-preto e o camundongo. A geografia pode ter sido o motivo: os camundongos se originaram no Crescente Fértil no Oriente Médio, e os ratos-pretos na Índia.
As sociedades agrícolas e o grande comércio cresceram nesses lugares muito antes que no norte da China, dando desde cedo ao rato-preto e ao camundongo oportunidades de viajar.
Mas nos últimos três séculos a ratazana mais do que recuperou o tempo perdido.
As ratazanas no Alasca e ao longo da Costa do Pacíficoa dos Estados Unidos e do Canadá têm boa parte de sua origem na Rússia, descobriram Pucket e seus colegas. Seus ancestrais podem ter pego carona em navios que viajaram para comunidades comerciantes de peles no Novo Mundo nos anos 1700 e começo dos anos 1800.
Mas as ratazanas da Europa se tornaram verdadeiras viajantes, uma vez que os países europeus ocidentais foram colonizando outras partes do mundo, trazendo os roedores consigo.
As ratazanas de Nova York e outras cidades do leste dos Estados Unidos se originaram das ratazanas da Europa Ocidental, assim como as ratazanas da América do Sul, da África, da Nova Zelândia e das ilhas isoladas espalhadas pelo Atlântico e pelo Pacífico.
Mesmo hoje os portos da cidade de Nova York são visitados por ratos do mundo inteiro. Antes de seu novo estudo, Munshi-South suspeitava originalmente que os ratos da cidade teriam herdado uma mistura de genes de ancestrais de vários lugares.
Mas ele e seus colegas descobriram pouquíssima evidência de mistura genética em Nova York ou em outras cidades estudadas por eles. "Você não vê muitos migrantes recentes chegando e se reproduzindo", ele diz. "Existe algum tipo de força que não os deixa entrar."
Michael Kohn, um biólogo evolucionista na Rice University, disse que as dificuldades que as ratazanas hoje encontram nas cidades são intrigantes. "Não é difícil de chegar lá", ele diz. "Mas é difícil de entrar."
O motivo pode ser o fato de que as ratazanas são territoriais e simplesmente malvadas, como Munshi-South costuma lembrar quando ele inspeciona os espécimes capturados em armadilhas. Muitos deles carregam as marcas de brigas com outras ratazanas.
"Elas têm cicatrizes, têm um olho faltando, parte do rabo faltando", ele diz. "A vida delas é relativamente brutal."
Os pesquisadores agora estão trabalhando com a teoria de que as primeiras ratazanas a aparecer em uma cidade rapidamente a preenchem. Depois, quando chega uma leva posterior de ratos debilitados em navios aos portos da cidade, os residentes mais fortes os rejeitam.
Para Munshi-South, essa é uma boa notícia. "É improvável que muitas doenças vão entrar nas cidades carregadas por ratos que encontrem uma população local de ratos", ele diz.
Se isso for verdade, então o novo estudo também contém uma estranha ironia. Por mais que detestemos as ratazanas, elas podem estar sendo nossas defensoras mais fiéis.
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