Trump terá resistência se quiser retomar afogamento de presos em interrogatórios
Nos primeiros meses da presidência de Donald Trump, se a história recente servir como guia, as autoridades de inteligência se reunirão para discutir um suspeito de terrorismo vivendo no exterior. Esse suspeito poderia se tornar o próximo alvo da força não tão secreta de drones do país. Ou talvez, poderiam decidir os conselheiros de Trump, possa valer a pena capturá-lo.
Sob o presidente Barack Obama, as autoridades de segurança seguiram um roteiro familiar ao terem alguém sob custódia. Elas pediam a um país aliado para conduzir o interrogatório, ou interrogavam o suspeito a bordo de um navio de guerra americano usando técnicas militares de interrogatório, depois o entregando ao Departamento de Justiça para ser processado em um tribunal civil nos Estados Unidos.
Trump prometeu em campanha voltar a empregar a técnica de afogamento, um método proibido, antes usado pelos interrogadores da CIA (Agência Central de Inteligência), e permitir práticas não especificadas que chamou de "muito piores". Trump disse em uma entrevista na semana passada que ouviu argumentos convincentes de que a tortura não é eficaz, apesar de não ter deixado claro se pretende recuar de sua posição.
Mas caso ele decida cumprir sua promessa de campanha, isso não será fácil. A lei federal, a pressão internacional e resistência dentro da CIA estariam em seu caminho. Mesmo se superasse esses obstáculos, o preço do tratamento agonizante dado pelos Estados Unidos a prisioneiros deixou um legado danoso que tornaria mais difícil para os advogados do governo Trump justificarem a retomada do uso dessas táticas.
Dezenas de prisioneiros desenvolveram problemas psicológicos persistentes após serem submetidos a tortura e outras táticas brutais de interrogatório nas prisões secretas da CIA ou no centro de detenção militar em Guantánamo, Cuba, como noticiou o "New York Times". Ao autorizarem o afogamento, privação de sono e outras técnicas há mais de uma década, os advogados do governo argumentaram que não haveria danos duradouros aos presos, um fator fundamental na conclusão de que as táticas não se qualificavam como tortura.
Esse argumento seria difícil de ser apresentado agora, segundo advogados e ex-autoridades de inteligência e de governo.
"Todo o cenário legal mudou", disse Daniel Jones, um ex-analista do FBI (Birô Federal de Investigação, a polícia federal americana) e o principal autor de um relatório do Senado de 2014, que condenou as chamadas técnicas de interrogatório ampliadas e as considerou ineficazes na obtenção de inteligência. "Os fatos agora de conhecimento público são suficientemente conclusivos e conhecidos", ele acrescentou, "para se falar em um retorno do afogamento".
Alex Whiting, professor da Escola de Direito de Harvard e ex-promotor de crimes de guerra, disse que muito mudou desde 2002, quando advogados do Departamento de Justiça aceitaram as garantias da CIA de que não haveria consequências de longo prazo para os prisioneiros. "Evidência mostrando que as técnicas empregadas pelas autoridades americanas após o 11 de Setembro resultaram em trauma psicológico duradouro tornará muito mais difícil para futuros advogados aprovarem essas técnicas como não representando tortura", ele disse.
Até mesmo advogados e ex-autoridades que apoiaram o programa de interrogatório anos atrás agora dizem que os obstáculos são grandes demais. "Recomeçar isso seria extraordinariamente difícil", disse John Rizzo, que serviu como principal advogado da CIA durante grande parte do governo do presidente George W. Bush.
Obama, em um de seus primeiros atos como presidente, emitiu uma ordem executiva proibindo muitas das técnicas mais duras de interrogatório e proibindo a CIA de manter prisões secretas. Como primeiro passo, Trump teria que anular essa ordem executiva.
Isso permitiria à CIA novamente abrir prisões secretas no exterior. As táticas de interrogatório, entretanto, ainda permaneceriam limitadas. O Congresso aprovou no ano passado uma lei que permite aos interrogadores americanos o uso apenas das técnicas autorizadas pelo Manual de Campo do Exército, que não inclui métodos coercivos duros.
Os advogados do governo Trump poderiam tentar contornar essa proibição, argumentando que o presidente conta com amplo poder constitucional, na condição de comandante-em-chefe, para decidir como interrogar os prisioneiros e que o Congresso não pode atar suas mãos. Essa alegação serviu como base para o programa de tortura do governo Bush, apesar de muitos juristas terem posteriormente a condenado por ter ido longe demais.
Trump também poderia ordenar ao Departamento de Defesa uma revisão do Manual de Campo do Exército para autorizar as técnicas mais duras. "Se uma ordem descer pela cadeia de comando no Pentágono para revisão desse documento e adição de uma abertura ao uso das técnicas de interrogatório ampliadas, que perspectiva haveria para resistência a essa decisão?" disse Robert M. Chesney, um professor da Escola de Direito da Universidade do Texas. "Seria uma escolha moral, ética e política."
Uma mudança dessas quase certamente provocaria um confronto com o Congresso em torno da intenção da lei. Quando os legisladores a aprovaram no ano passado, eles exigiram uma revisão periódica do manual de campo para assegurar que os interrogatórios "não envolvam o uso ou ameaça do uso de força".
Esforços para permitir o uso de tratamento brutal significariam enfrentar o senador John McCain, republicano do Arizona, que foi submetido a abusos horríveis décadas atrás, como prisioneiro de guerra no norte do Vietnã e é um oponente de qualquer uso pelos Estados Unidos de tratamentos desse tipo. McCain prometeu desde a eleição impedir Trump de tentar contornar as restrições antitortura impostas pelo Congresso.
"Não dou a mínima para o que o presidente dos Estados Unidos queira fazer, ou o que qualquer outro queira fazer. Não usaremos afogamento", disse McCain. "Não faremos uso de tortura."
Nos últimos anos, o governo Obama tem usado tribunais criminais nos Estados Unidos para processar os acusados de terrorismo, condenando um homem somali ligado à Al Qaeda, dois homens que lutaram pelo Al-Shabab, um aspirante a homem-bomba suicida a bordo de um avião e outros. Ahmed Abu Khatalla, que é suspeito de ser o líder dos ataques de 2012 que mataram quatro americanos em Benghazi, Líbia, deverá ser julgado em Washington no ano que vem.
Nada disso quer dizer que, quando Trump tiver a oportunidade de capturar um suspeito de terrorismo, ele não tenha escolha a não ser seguir o roteiro de Obama. O governo dele poderia voltar a enviar os prisioneiros para Guantánamo, que manteve detidos perto de 700 homens no seu auge e agora conta com apenas 60. Apesar das autoridades de contraterrorismo americanas dizerem que parceiros estrangeiros fundamentais não compartilharão inteligência ou participarão de operações que resultem no envio de presos a Guantánamo, nada impediria isso legalmente.
*Sheri Fink, em Nova York, e Helene Cooper, Charlie Savage e Jennifer Steinhauer, em Washington, contribuíram com reportagem.
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