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Como o combate à corrupção pode pôr em risco a estabilidade política do Brasil

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Amanda Taub

29/05/2017 10h42

Por que o Brasil está novamente mergulhado no caos político? Há menos de um ano, a presidente Dilma Rousseff foi obrigada a deixar o cargo em um turbilhão de denúncias de improbidade financeira. Agora seu sucessor, Michel Temer, também vê sua Presidência ameaçada.

Gravações que surgiram recentemente parecem mostrar Temer, que já estava sendo investigado por corrupção, aprovando propinas pagas a um deputado que está preso por corrupção. Hoje muitos acreditam que o presidente enfrentará o impeachment.

Na quarta-feira (24), Temer mobilizou os militares na capital, Brasília, depois que milhares de manifestantes se chocaram com a polícia. Muitas pessoas viram a medida como um sinal de profunda insegurança de um governo fraco.

A ciência política sugere que isso é um exemplo de que as "ilhas de honestidade" em sistemas corruptos --como promotores independentes e tribunais com vontade e autoridade para aplicar a lei-- podem se chocar com as redes de corrupção consolidadas, ao mesmo tempo provocando e anulando esforços das elites para se protegerem.

Enquanto as forças honestas e as corruptas se debatem, os choques podem ter efeitos imprevisíveis no sistema político.

Impeachment, mas com um detalhe

"Precisamos ter um pacto", disse Romero Jucá, um influente senador, em uma gravação em março de 2016, para Sergio Machado, um ex- executivo em uma subsidiária da companhia de petróleo Petrobras, enquanto os dois conversavam sobre a necessidade de substituir Dilma Rousseff para proteger-se e a outros das acusações de corrupção.

A escolha das palavras foi adequada. Uma "transição pactuada" é uma em que membros da elite, muitas vezes no governo ou em seus círculos de aliados, unem forças à oposição para substituir um presidente ou um regime, visando proteger seus próprios interesses. O termo é geralmente usado para explicar como um regime autoritário faz a transição para a democracia, mas também oferece uma explicação útil sobre como o impeachment funciona nos sistemas democráticos.

No Brasil, políticos de oposição e outras elites, incluindo Machado e Jucá, cooperaram para o impeachment de Rousseff em agosto.

Muitos analistas acreditam que as acusações contra ela --violação das leis orçamentárias ao emprestar de um banco estatal para ocultar um déficit-- foram de menor importância.

"Diversos jogos foram jogados no impeachment de Dilma", disse Ken Roberts, um cientista político na Universidade Cornell que estuda a América Latina. "Em qualquer impeachment há interesses políticos e partidários. Nunca é uma questão estritamente jurídica."

Alguns políticos viram o impeachment como uma oportunidade de obrigar o Partido dos Trabalhadores, de Dilma, a deixar o poder, disse ele. Mas outros parecem ter acreditado que um novo governo encerraria um inquérito de corrupção que já tinha implicado grande parte da elite política e econômica, e que Rousseff havia se recusado a deter.

A corrupção depende de um "equilíbrio", escreveram a economista política Miriam Golden e o economista Ray Fisman. As pessoas pagam ou aceitam propinas porque pensam que todos os outros estão fazendo a mesma coisa. O suborno pode se espalhar rapidamente por um sistema como um câncer em metástase, apoderando-se das instituições.

Mas quando os promotores ou juízes ganham independência suficiente para investigar e processar os crimes, a corrupção generalizada se torna vulnerabilidade generalizada, criando um incentivo para os políticos tomarem medidas drásticas para se protegerem.

No Brasil, alguns políticos parecem ter visto a deposição de Rousseff como esse passo drástico mas necessário. Em sua conversa gravada, Machado disse a Jucá que queria ver a "saída de Dilma", dizendo que Temer "formaria um governo de união nacional, faria um grande acordo, protegeria a Lula e a todo mundo". "Este país voltará a ser calmo", acrescentou.

Como delatores podem minar um pacto

Mas as transições pactuadas podem ser vulneráveis. Se as instituições poderosas ou os eleitorados não aceitarem os termos do pacto, podem agir como espoliadores, deixando o governo fraco.

Os políticos que pressionaram pelo impeachment de Rousseff parecem ter suposto erroneamente que o Ministério Público e o Judiciário entrariam na linha e que um governo Temer seria capaz de fechar ou limitar a investigação de corrupção.

Isso não aconteceu. Os processos por corrupção continuaram sob a Presidência de Temer e se concentraram em algumas das pessoas mais poderosas do país.

Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara dos Deputados e arquiteto-chave do impeachment de Rousseff, foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro e recebeu a sentença de 15 anos de prisão. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta diversas acusações criminais.

O público brasileiro também pode ter sido um espoliador importante. O novo governo foi impopular desde o início, segundo Amy Erica Smith, professora na Universidade Estadual de Iowa que estuda o Brasil. "Temer entrou e desde o primeiro dia teve baixos níveis de popularidade."

O apoio da massa é crucial para uma sucessão pactuada bem sucedida, disse Tom Pepinsky, um professor em Cornell que estuda autoritarismo e mudanças de regime. Nos países onde tais transições tiveram sucesso, o apoio público deu ao novo governo autoridade para governar, o que ajuda as instituições a se fortalecerem e estabilizarem.

Mas se o público é contra a transição, disse Pepinsky, o poder e a autoridade do governo são minados.

Como instituições fortes podem minar a estabilidade

A reação contra Temer sugere que o público não vai tolerar a corrupção política, e que o sistema jurídico é forte o suficiente para revelar os desvios de conduta.

Mas especialistas temem que cada rodada de denúncias, processos e impeachment enfraqueça o sistema político e diminua a confiança do público. Isso torna mais difícil para as instituições políticas recuperarem a credibilidade e manter a estabilidade.

Em outros países, situações semelhantes se mostraram uma oportunidade para líderes populistas que prometem jogar fora todo o sistema defeituoso e recomeçar.

Especialistas que acompanham a crise brasileira citaram o mesmo exemplo --a operação "mãos limpas" na Itália nos anos 1990. Lá, uma série de processos revelou redes de corrupção, limpando o sistema político.

"Mas nesse processo o sistema de partidos que foi a âncora do regime democrático no período pós-guerra basicamente desmoronou", disse Roberts. "Você acaba com um vácuo político que é preenchido por um estranho populista que é Berlusconi."

Na Venezuela, a corrupção minou a confiança do público no governo, abrindo espaço para o populismo de Hugo Chávez. Com o tempo, Chávez minou as instituições do governo e consolidou seu poder, colocando o país na rota para o autoritarismo e a crise econômica que enfrenta hoje.

O Brasil poderá encontrar destino semelhante. "Eu realmente me preocupo que nessa limpeza o sistema inteiro desmorone", disse Roberts. "Realmente temo o que será um Berlusconi brasileiro."

Smith concorda: "É um castelo de cartas. Se muitas cartas são fracas, é impossível levantá-lo."