Topo

Juntos há mais de 50 anos, casal inter-racial conta como superou o racismo nos EUA

Rosina e Leon Watson na igreja em que eles se casaram em 1950, em Oakland, na Califórnia - JIM WILSON/NYT
Rosina e Leon Watson na igreja em que eles se casaram em 1950, em Oakland, na Califórnia Imagem: JIM WILSON/NYT

Jennifer Medina

Em Oakland (Califórnia)

14/06/2017 04h00

Em seu primeiro encontro, em 1949, Leon Watson e Rosina Rodriguez foram ao cinema. Mas eles entraram separados. Rodriguez, uma mulher de pele clara com raízes mexicanas, entrou primeiro. Watson, que é negro, aguardou vários minutos antes de entrar e se sentar ao lado dela.

“Nós sempre fizemos isso”, disse Watson em uma tarde recente. “Eles olhavam para a gente como se estivéssemos em um zoológico. Nós só mantínhamos a cabeça erguida e seguíamos em frente. Se sabíamos que haveria algum problema, nós evitávamos”.

Quando eles se casaram em Oakland, em 1950, o casamento inter-racial acabara de ser legalizado na Califórnia, resultado de uma ação judicial que chegou ao Supremo Tribunal do Estado. Eles estão entre os mais antigos casais inter-raciais casados legalmente nos Estados Unidos. Foram quase duas décadas até que todos os casais como eles em todo o país tivessem o direito de se casar.

Na próxima segunda-feira, eles comemorarão o 50° aniversário do caso Loving contra Virgínia, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que derrubou leis anti-miscigenação em todo o país. Mildred e Richard Loving, uma mulher negra e um homem branco, haviam sido condenados a um ano de prisão na Virgínia por terem se casado. O caso serviu de base para a decisão do Supremo Tribunal de permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Leon Watson, 89, e Rosina Watson, 88, não precisam olhar muito além de sua própria família para ver o quanto as coisas mudaram desde seu casamento. Um de seus netos é casado com uma mulher vietnamita-americana; outro está noivo de uma mulher filipina-americana.

Foto do dia do casamento de Rosina e Leon Watson em 1950 - NYT - NYT
Foto do dia do casamento de Rosina e Leon Watson em 1950
Imagem: NYT

É algo muito distante da vida que os Watsons poderiam ter imaginado quando ela era criança no Novo México e ele no Mississippi. Hoje, quase 20% de todos os recém-casados nos Estados Unidos são casados com alguém de uma raça ou etnia diferente, de acordo com o Pew Research Center.

“Eu me sinto abençoado por não sermos mais incomuns”, disse Leon Watson. O próprio quarteirão onde eles moram, no bairro de Westmont, em Oakland, era habitado em sua maior parte por portugueses e hoje é dominado por hispânicos, com algumas famílias afroamericanas nos arredores.

“Em determinado ponto, as pessoas simplesmente passaram a aceitar”, ele acrescentou. “Algo de milagroso aconteceu”.

Na época em que namoravam, os Watsons em geral se atinham a eventos sociais com seus amigos do Congresso de Direitos Civis, que estava pressionando as empresas de ônibus a contratar mais motoristas negros. Fora suas atividades políticas, o grupo realizava com frequência bailes nas casas dos membros, fornecendo o lugar perfeito para o início do romance do casal. (Leon Watson, como lembrou Rosina Watson outro dia, era um “excelente dançarino que todas queriam”).

Logo depois que Leon Watson lhe pediu em casamento, o pai de Rosina Watson veio do Novo México para tentar convencê-la a desistir de se casar com ele. Mas depois de ver como outro casal inter-racial estava feliz no casamento, ela não mudou de ideia. A certidão de casamento dos Watsons marca a ocasião na linguagem burocrática da época, descrevendo-o como “negro” (em inglês, de conotação pejorativa) e a ela como branca.

No entanto, após um casamento festivo, o casal enfrentou problemas: quando eles se mudaram para a pequena casa onde vivem até hoje, várias famílias brancas se mudaram de sua vizinhança. Rosina Watson ficou preocupada com o que enfrentaria no trabalho se seus colegas soubessem do casamento. (Embora ela tenha certeza de que era mais fácil procurar por um trabalho com o sobrenome Watson.)

“Era muito incomum na época, e eu nunca contei a ninguém que era casada com um homem negro”, ela disse. “Eu não queria ser rejeitada. Não queria irritar ninguém nem nada do tipo”.

Foi só quando tinha 45 anos que Rosina Watson contou a um colega de trabalho sobre seu casamento. Ela trabalhava como assistente em uma empresa de telhados, e o telhado de sua própria casa precisava de reparos. Quando seu chefe veio olhar o telhado, ela ficou com medo de que ele fosse demiti-la. Mas isso não aconteceu.

Rosina e Leon Watson mostram seus anéis de casamento - JIM WILSON/NYT - JIM WILSON/NYT
Rosina e Leon Watson mostram seus anéis de casamento
Imagem: JIM WILSON/NYT

Em casa, o casal raramente falava explicitamente sobre raça com seus três filhos. Eles deram um nome espanhol a cada um deles—José, Jorge e Lucia—e a família viajava para o México para visitar primos. Quando a família foi passar férias no Mississippi, ele lembra, os filhos de Leon Watson lhe perguntaram sobre as muitas árvores de magnólia. Ele tentou segurar as lágrimas enquanto contava a eles sobre como as árvores disfarçavam o cheiro dos corpos de vítimas de linchamento.

Na escola, quando os colegas de classe dos filhos viam Rosina Watson, alguns deles perguntavam com espanto e desdém como ela poderia ser a mãe deles. Eles tinham uma resposta padrão pronta. “O que vocês têm com isso?”, eles diziam. “Qual o seu problema?”

As escolas públicas de Oakland eram multirraciais, e os filhos dos Watsons raramente enfrentavam uma discriminação declarada, embora José Watson tenha dito que, quando ele era adolescente, um policial suspeitou que ele estava dirigindo um carro roubado porque era negro e o mandou encostar.

Rosina e Leon Watson, no centro, olhando álbum de fotos com os seus filhos em sua casa em Oakland, na Califórnia  - JIM WILSON/NYT - JIM WILSON/NYT
Rosina e Leon Watson, no centro, olhando álbum de fotos com os seus filhos em sua casa em Oakland, na Califórnia
Imagem: JIM WILSON/NYT

Hoje, a placa de seu carro proclama em alto e bom som sua identidade: BLACKMEX (“mexicano negro”). Rosina Watson ficou surpresa e preocupada no começo por seu filho estar revelando sua raça de forma tão escancarada.

“Eles têm muita consciência da forma horrível como os negros eram tratados”, disse Rosina Watson sobre seus filhos. “Isso nunca realmente mudou. É isso que gostaríamos de ver antes de morrer”.

Embora tenham contado sua história várias vezes a pesquisadores curiosos e outros ao longo dos anos, os Watsons não se veem como pioneiros. O conselho deles para jovens casais era simples.

“Façam o que estamos fazendo: pensar muito de antemão”, disse Leon Watson.

“E muita reza”, interrompeu Rosina Watson. “Só vivam um dia de cada vez”.