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"Rezem": como moradores da Flórida tentaram escapar de um furacão incomum

Caminhão tomba devido à força do furacão Irma, em Miami, Flórida - Carlos Barria/ Reuters
Caminhão tomba devido à força do furacão Irma, em Miami, Flórida Imagem: Carlos Barria/ Reuters

Audra D. S. Burch e Jess Bidgood

Em Orlando (EUA)

11/09/2017 12h24

Preparar-se para a chegada de furacões é quase uma tradição no verão aqui na Flórida: o som ritmado dos martelos pregando tábuas nas janelas, as filas intermináveis para comprar água mineral e combustível, as peregrinações aos abrigos fortificados.

Mas o Irma, que atingiu o litoral da Flórida duas vezes e depois avançou pelo interior do Estado com fúria, não é um furacão comum. Ele era mais largo que a própria península, e quase não havia para onde escapar de sua ira violenta.

Certamente não nas pequenas ilhas Keys, que ficaram quase submersas no domingo (10) depois que o Irma atingiu em cheio Cudjoe Key, pouco depois das 9h.

Nem nos arranha-céus brilhantes de Miami, onde os ventos do furacão derrubaram parcialmente dois guindastes de construção. Nem nos arredores dos paraísos turísticos de Orlando e Tampa, cujos parques temáticos fecharam.

Até mesmo os bolsões mais ao norte em Tallahassee, a capital do Estado, e as pequenas cidades na linha Flórida-Geórgia se recolheram com o resto do Estado para receber o golpe poderoso dos ventos com força tropical.

Para tentar escapar do Irma, os habitantes da Flórida se espalharam pelo Estado nas rodovias congestionadas. Dormiram em catres dentro de escolas, em camas estreitas em motéis à beira da estrada, em sofás de amigos e onde puderam alcançar com um tanque de gasolina. A pergunta que todo mundo se fazia era se devia partir para tentar escapar dos ventos, e para onde.

A marcha arrasadora do Irma por algum tempo rumou diretamente para o sul da Flórida, levando grande parte da população, que se lembrava do furacão Andrew e das cenas recentes do Harvey, a fugir para norte e oeste. Mas na manhã de sábado a tempestade tinha se desviado para oeste. E de repente Naples, Fort Myers e Tampa, uma série de cidades na costa do Golfo especialmente vulneráveis a enchentes durante temporais, viram-se no caminho da destruição. Durante dias, essa parte do Estado tinha sido considerada segura por algumas pessoas, e agora estava no olho da tormenta.

"Parece que a tempestade está nos perseguindo", disse Antonella Giannantonio, 51, que não perdeu tempo na semana passada para colocar sua família, incluindo seus pais octogenários, em dois carros e dirigir de Miami Beach Norte até Naples, e depois Tampa.

Usando um boné da Marinha, o governador da Flórida, Rick Scott, postou-se diante de um monte de microfones enquanto a tempestade se aproximava, dando o alarme em mensagens brutalmente diretas: evacuem, partam agora, vão embora. Suas palavras francas e a promessa de devastação do Irma obrigaram a uma das maiores evacuações em massa já vistas nos EUA.

No domingo, enquanto os ventos do Irma deixavam milhões de moradores no escuro, a mensagem de Scott foi ainda mais séria, como se não houvesse mais nada a dizer: "Rezem".

Em Key West, um lugar tão vulnerável que as autoridades disseram que ficar lá seria uma decisão idiota, Richard Peter Matson ficou de qualquer modo e dormiu enquanto o Irma se aproximava. Mesmo com uma tempestade de categoria 4 atacando sua casa, ele defendeu sua decisão de ficar, apesar do que descreveu como uma noite assustadora. "Fiquei virando de um lado para o outro", disse Matson, um artista de 81 anos. "As coisas ficavam batendo e quebrando", acrescentou.

Quando os ventos seguiram adiante, o corajoso morador de Key West saiu à rua para ver os estragos: detritos, galhos de árvores, janelas arrancadas. Ele viu um cabo caído e lembrou da advertência de amigos de que seria eletrocutado se ficasse.

Se há o oposto de um caçador de furacões seria Brian Plate, um capitão de barco de Key West que passou os últimos dias na correria. Plate, 36, pegou um gato e uma amiga e caiu na estrada por volta das 2h30 de quinta-feira (7), rumo a St. Petersburg, cidade a 640 km de distância, que parecia segura. Duas horas depois de iniciar a viagem de sete horas, ele estava tão cansado que encostou para tirar um cochilo. Acordou na manhã seguinte com uma triste notícia: o Irma, então uma tempestade de categoria 5, agora rumava para St. Petersburg.

Ele pegou a estrada de novo, e cerca de oito horas depois estacionou na fazenda de um amigo em Sale City, na Geórgia, carregando cem quilos de arroz e feijão, muitas tortillas, um gerador e um fogão portátil. Lá, soube que a tempestade estava a caminho da Geórgia, mas ele já estava cansado de correr.

"Meus nervos estão completamente tensos", disse, manifestando preocupação pelos amigos que ficaram "lá atrás".

Depois de atingir Key West, o Irma seguiu para o norte no domingo (10), e acabou atingindo de novo o litoral, na ilha Marco, na Flórida, perto de Naples, por volta das 15h30. Em Miami, que escapou de um golpe direto, a tempestade se intensificou o suficiente para fazer um sólido hotel de cinco andares tremer. A chuva era forte, o vento uivava e o céu ficou cinza-chumbo. Em muitos lugares a água arrancou o pavimento, inundando áreas em todo o sul da Flórida, de Fort Lauderdale a Miami e Miami Beach.

Drone mostra as águas 'sugadas' por furacão na Flórida

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Atrás do hotel Element, no Aeroporto Internacional de Miami, um lago transbordou e a água invadiu o estacionamento e chegou aos sacos de areia que protegiam a recepção.

Os hóspedes eram uma mistura de moradores de bairros próximos, passageiros e tripulantes de aviões que não puderam decolar e passageiros de navios de cruzeiro que foram trazidos de volta ao porto e largados para enfrentar a tempestade. Entre a multidão estava Ana Matia, que mora no bairro de Brickell, em Miami. Ela disse que se sentia segura em seu prédio, mas temia ficar isolada com sua filha, Alexandra, 5, por dias seguidos. Então foram para o hotel. Amigos de Matia fugiram para oeste, mas ouviram sobre a mudança de trajetória da tempestade e correram para leste de novo.

Quatro dias antes de o Irma atingir a terra, a família Stovall deixou sua casa em Coconut Grove e foi para St. Petersburg, para escapar do pior momento da tempestade. John e Colleen Stovall, seu filho Chaille e dois gatos fizeram a viagem de 430 quilômetros.

Colleen, 57, que é a diretora-artística e produtora da companhia de teatro Shakespeare Miami e também vivenciou o furacão Andrew, resgatou a prataria de sua avó, algumas joias e sua amada segunda edição de "The Norton Shakespeare".

"Estamos nos sentindo um pouco temerosos", disse Stovall, enquanto uma equipe trabalhava furiosamente para cobrir as 80 janelas da casa de três andares de seu cunhado em um bairro histórico de St. Petersburg, a seis quarteirões da baía. "Estávamos tomando o café da manhã e meu cunhado disse: 'Tenho boas notícias e más notícias. A boa notícia é que sua casa não será destruída. A má notícia é que [a tempestade] está vindo para cá'."

Antes do Irma, os aposentados Randy Rogers e Chuck Anderson, vizinhos e colegas de pescaria, estavam acostumados a pegar seus barcos Hurricane de 22 pés idênticos e sair pelo rio Caloosahatchee em Fort Myers, em busca de trutas, vermelhos e robalos.

Enquanto a chuva do Irma martelava as janelas do hotel onde eles se refugiaram no domingo, os dois se perguntavam o que restaria daquela vida depois da tempestade. Mesmo que a água de alguma forma poupasse suas casas e barcos, disse Rogers, o vento provavelmente não pouparia.