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Narcos? Pablo Escobar? Medellín tenta esquecer o passado de guerra, mas os turistas não deixam

O Edifício Monaco, que serviu de residência para Pablo Escobar, em Medellín - Meridith Kohut/The New York Times
O Edifício Monaco, que serviu de residência para Pablo Escobar, em Medellín Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Nicholas Casey

Em Medellín (Colômbia)

24/09/2018 12h56

Quando o prefeito de Medellín apareceu, carregava uma marreta.

Ele parou na frente da antiga casa de Pablo Escobar, o famoso barão das drogas cujo império de cocaína o colocou na lista dos homens mais ricos e mais procurados do mundo.

Escobar morou durante anos no Edifício Monaco, um prédio branco de seis andares com um apartamento na cobertura e o nome da família ainda escrito em letras desbotadas no exterior.

O prédio foi bombardeado em 1988 por adversários de Escobar, e não muito tempo depois, o traficante foi embora. O mato cresceu nas rachaduras da entrada de carros. Uma antena parabólica acumulou folhas secas. E durante algum tempo Medellín pôde ignorar o Monaco vazio.

Recentemente, porém, o edifício voltou a chamar a atenção, instigada por dezenas de livros, telenovelas e filmes internacionais sobre Escobar.

Turistas se aproximam do portão para tirar fotos e postá-las nas redes sociais. Guias turísticos param ali. Um ex-pistoleiro do cartel que virou astro no YouTube apareceu oferecendo DVDs contando suas façanhas com Escobar e casos do dia em que o prédio foi atacado.

Em abril, cansado, o prefeito interveio.

"Este símbolo, que é um símbolo da ilegalidade, do mal, será derrubado", disse Federico Gutiérrez. O prefeito prometeu demolir o edifício até o ano que vem e colocar em seu lugar um parque em memória das vítimas do bandido.

Turistas visitam o túmulo de Pablo Escobar em Itagui, nos arredores de Medellín, na Colômbia - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Turistas visitam o túmulo de Pablo Escobar em Itagui, nos arredores de Medellín, na Colômbia
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

O fato do Edifício Monaco passar da relativa obscuridade a ponto turístico global, e a um dos projetos de demolição mais comentados na Colômbia, revela a difícil relação que Medellín tem com Escobar, seu filho mais famoso.

Vinte e cinco anos depois que ele foi morto em um tiroteio com a polícia, sobre um teto de laje em Medellín, a cidade não consegue esquecê-lo, por mais que queira enterrar sua lenda.

A reação conflitante em relação ao prédio, de vergonha municipal ou chamariz para fotos, é também um ótimo exemplo de como Medellín ainda se debate com a narrativa de Escobar. Quem pode contar essa história da guerra das drogas? Onde ela é contada, nas ruas ou nos museus? E quem são os protagonistas, os vilões ou as vítimas?

Eu vim morar em Medellín há oito meses, mas a conheci quando criança, no início dos anos 1990. Era o apogeu das campanhas aterrorizantes de Escobar para proteger seu negócio de bilhões de dólares, e as terríveis consequências eram mostradas nos noticiários noturnos nos EUA. Décadas depois, fui atraído a cobrir como Medellín tinha conseguido virar a página sobre seu passado de violência.

A cidade se tornou um centro pujante, onde arquitetos internacionais competem para construir projetos de prestígio e startups de tecnologia bem financiadas proliferam ao lado de restaurantes caros.

O metrô colombiano percorre toda a cidade; escadas-rolantes ligam os "barrios" nas encostas do vale verdejante onde fica o centro.

Os moradores de Medellín, um clã orgulhoso conhecido como "paisas", são os primeiros a dizer que a cidade progrediu.

Mas são os últimos a contar de onde ela avançou, as profundezas da era da cocaína que trouxeram não só o horror de Escobar, mas também o dinheiro que construiu seus edifícios, incluindo o Monaco.

"Os 'paisas' dizem que “roupa suja se lava em casa'", contou-me o escritor Juan Mosquera, em Medellín, durante um almoço, quando conversávamos sobre a razão dos moradores evitarem falar sobre o Monaco. "Era uma mansão do terror. A família dele não apenas morava lá; eles matavam e torturavam pessoas, e planejavam os maiores golpes contra a cidade."

Se a cidade queria manter sua roupa suja em particular, a popular série da Netflix "Narcos", cujas primeiras duas temporadas narraram a ascensão e a ruína de Escobar, a expôs a milhões de espectadores no mundo todo.

Medellín resistiu ao seriado desde o início. As equipes de filmagem tiveram dificuldade para obter autorização para trabalhar na cidade, e só de ouvir o nome da série meus vizinhos se irritam.

Mas a cidade em si foi um personagem chave em "Narcos", e fãs do programa visitam Medellín em bandos, procurando mais histórias sobre a vida de Escobar. Paradas obrigatórias são a Hacienda Nápoles, sua fazenda próxima à cidade; seu túmulo; e La Catedral, a prisão construída seguindo as especificações dele.

Daniel Vázquez, diretor de comunicação para o público no Museu Casa da Memória em Medellín, parecia desesperado quando lhe perguntei por que os visitantes se interessam mais pela vida do maior vilão local do que por visitar essa instituição dedicada às vítimas dos conflitos armados da cidade nos últimos 50 anos.

"Pablo Escobar se tornou o ícone pop dessa história", disse Vázquez. "A cidade não viu urgência em contar esta parte da história. Não era uma prioridade do governo até que surgiu um problema, e de repente você tinha 'narco-tours' conduzidos por Popeye."

"Popeye", o apelido de Jhon Jairo Velásquez, um pistoleiro de Escobar, começou vendendo DVDs e fazendo excursões pela cidade depois que foi libertado da prisão em 2016. Ele também criou um negócio lateral como personalidade do YouTube, com um canal chamado "Popeye Arrependido".

Em uma cidade que ainda se cura das feridas de Escobar, o atirador parecia qualquer coisa, menos arrependido. Em uma série de vídeos chamado "Túmulos Famosos", Velásquez vai aos túmulos das vítimas narrando como as assassinou.

"Aqui temos Carlos Mauro Hoyos. Nós o sequestramos em 1988", diz Velásquez junto à lápide do ex-ministro da Justiça da Colômbia, explicando que Hoyos foi ferido na perna quando sofreu a emboscada e mais tarde foi morto.

"É como se membros da Al Qaeda fizessem excursões em Nova York contando como planejaram o ataque de 11 de setembro de 2001", disse Luis Hernando Mejía, que representa a associação de moradores que inclui o Edifício Monaco, onde Popeye começava seus tours.

Popeye foi preso novamente em maio, acusado de extorsão, entre outras coisas.

Héctor Abad, um dos romancistas mais conhecidos da Colômbia, contou-me em uma visita a seu apartamento sobre a morte de seu pai por um grupo paramilitar, um ano antes do ataque ao Monaco. Ele disse que uma namorada certa vez lhe mostrou as cicatrizes que tinha nas costas, causadas por um bombardeio de Escobar.

E ele ofereceu sua própria casa como prova de que nenhum prédio em Medellín parece ter ficado ileso dos antigos crimes. Pouco depois que ele comprou o apartamento, encontrou numa parede um esconderijo de lingotes de ouro e dinheiro falsificado.

"Você mexe um tijolo e encontra um esqueleto", disse Abad.

De sua varanda, ele olha morro abaixo na direção do Monaco, um "prédio amaldiçoado", segundo ele, que aguarda a demolição pelo prefeito. "Se alguém o desse para mim, eu recusaria."

Guia leva turistas suíços pelas ruas do Barrio Pablo Escobar, onde o antigo chefão do cartel de drogas de Medellín construiu casas para famílias pobres em Medellín, na Colômbia - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Guia leva turistas suíços pelas ruas do Barrio Pablo Escobar, onde o antigo chefão do cartel de drogas de Medellín construiu casas para famílias pobres em Medellín, na Colômbia
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Quando encontrei o prefeito Gutiérrez, 43, perguntei-lhe sobre o dia em que o Monaco foi bombardeado.

"O que eu senti? Medo", disse ele. "Não apenas medo pelo que tinha acontecido, mas medo do que vamos nos tornar."

Ele fez uma pausa.

"Por que eu decidi como prefeito destruir o Monaco?", perguntou ele a si mesmo.

Para mostrar que a cidade renasceu, disse, e que a lei triunfou sobre o caos. Mas, principalmente, afirmou, ele quis demolir o Monaco porque Medellín está cansada de contar a mesma história do mesmo bandido, sem parar.

Uma das últimas pessoas que procurei para falar sobre o Monaco foi o filho de Escobar, nascido Juan Pablo Escobar. Ele deixou a Colômbia depois que seu pai foi morto, mudou seu nome para Sebastián Marroquín e hoje trabalha como arquiteto em Buenos Aires. Marroquín foi a única pessoa que encontrei que estava lá no dia em que o prédio foi bombardeado.

No início ele disse que queria falar. Mas, então, parou de responder aos meus e-mails.

Comecei a pensar no que deve ter sido a vida dessa criança, o filho do homem mais rico do país, que tinha os seis andares do Monaco para sua família, mas tantas ameaças por trás dessas paredes.

Afinal recebi uma resposta de Marroquín. Abri o e-mail, pensando que talvez ele concordasse com a entrevista. Mas também parecia farto desse assunto.

"Obrigado por sua paciência", escreveu. "Estive viajando por mais de um mês. Acho que devemos deixar isso para outro momento."