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CGU encontra desvios de R$ 126 milhões em obras contra escassez de água

Canal do eixo leste da transposição do rio São Francisco, em Sertânia (PE) - Beto Macário/UOL
Canal do eixo leste da transposição do rio São Francisco, em Sertânia (PE) Imagem: Beto Macário/UOL

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

22/03/2018 13h15Atualizada em 26/03/2018 11h49

Técnicos do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União encontraram, em 2017, desvios de R$ 126 milhões em obras destinadas a mitigar a escassez de água em regiões como o semiárido nordestino. A constatação faz parte de um relatório do órgão obtido pelo UOL que deverá ser divulgado na tarde desta quinta-feira (22), quando se celebra o Dia Mundial da Água.

O relatório consolida informações de fiscalizações realizadas em quatro grandes obras tocadas com recursos do governo federal: a transposição do rio São Francisco, a construção de barragens em Pernambuco, a ampliação do Sistema Adutor do Alto Sertão, em Sergipe, e a sistema produtor Corumbá IV, em Goiás.

De acordo com os técnicos, a obra que, isoladamente, apresentou o maior volume de desvios foi a transposição do rio São Francisco. O projeto consiste na construção de dois canais que totalizam 447 quilômetros de extensão e levam as águas do rio São Francisco em direção a áreas tradicionalmente atingidas pela seca. A estimativa é que a obra custe R$ 10 bilhões e beneficie 12 milhões de pessoas.

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Durante uma auditoria realizada no ano passado, os fiscais da CGU constataram irregularidades no valor de R$ 61,7 milhões entre sobrepreço e superfaturamento. Sobrepreço é quando um bem ou serviço é contratado por valor acima do de mercado. Superfaturamento é quando este bem ou serviço é efetivamente pago por valores acima dos praticados pelo mercado.

Entre as irregularidades constatadas na obra, os técnicos encontraram falhas no planejamento, boletins de medição (usados para embasar os pagamentos) com inconsistências e ausência de licenciamento ambiental para a construção de algumas barragens do sistema.

Jaguari - Nilton Cardin/Estadão Conteúdo - Nilton Cardin/Estadão Conteúdo
Vista da Represa do Jaguari, que integra o Sistema Cantareira de abastecimento de águ
Imagem: Nilton Cardin/Estadão Conteúdo

Em Sergipe, outro estado duramente afetado pela estiagem, os fiscais constataram que a obra de ampliação do Sistema Adutor do Alto Sertão estava paralisada desde 2015 e que a empresa contratada para construir reservatórios foi paga por serviços que ela não executou.

Em Goiás, a CGU constatou a existência de pagamentos indevidos relativos à obra do sistema produtor Corumbá IV, destinado a atender municípios goianos e o Distrito Federal. Além disso, os fiscais levantaram indícios de que houve direcionamento na licitação realizada para a execução da obra, além de sobrepreço e superfaturamento. 

Em relação às obras atrasadas, o diretor de Auditoria de Infraestrutura da CGU, Daniel Caldeira, pontua que o volume de obras e o modelo de gestão delas dificulta o acompanhamento.

"Trata-se de uma grande quantidade de obras, na maioria delas, tocadas pelo Ministério das Cidades, mas executadas por estados e municípios. É preciso um sistema de acompanhamento muito bem azeitado para evitar atrasos como os que a gente vem constatando", disse.

"Para a população, o impacto é grande porque ela sofre com a falta de água ou com a falta de saneamento básico. Muitas vezes, o atraso em obras de saneamento, por exemplo, causa ainda mais prejuízo porque isso faz com que as águas continuem a ser contaminadas. No final, as pessoas ficam sem acesso a essa política pública", afirma o diretor.

Obras atrasadas

O relatório da CGU também fez um levantamento sobre o andamento de obras destinadas ao abastecimento de grandes centros urbanos que foram financiadas pelo governo federal com recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) entre 2007 e 2017, a maior parte delas concentradas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O volume de investimentos é da ordem R$ 16,1 bilhões.

Dos 404 projetos analisados, a CGU constatou que mais da metade (53%) ou estava atrasada ou nem sequer havia sido iniciada. Essas obras totalizam investimentos de R$ 7,1 bilhões. A maioria delas é acompanhada pelo Ministério das Cidades na medida em que o governo federal entra como financiador junto a estados e municípios.

São Paulo, que é o estado com a maior quantidade de projetos em andamento (97), também é o com a maior quantidade de projetos atrasados, não iniciados ou paralisados: 41.

Para a CGU, embora o governo federal tenha se esforçado, nos últimos anos, para intensificar as obras voltadas à segurança hídrica, "ainda se verifica a dificuldade de materialização das obras" seja por falta de recursos ou por deficiências técnicas. 

Os técnicos constataram que a maior parte dos empreendimentos financiados ou executados pelo governo têm baixa qualidade técnica. "Os empreendimentos são realizados na maior parte dos casos com projetos básicos e executivos deficientes, implicando na necessidade de revisões e readequações nos quantitativos de insumos e soluções tecnológicas contratadas", diz um trecho do documento.

Outro lado

Em nota, o Ministério das Cidades disse que tem tomado "uma série de iniciativas para reverter o quadro de obras atrasadas/paralisadas (sic), dentre as quais é possível citar a realização de videoconferências e reuniões" entre representantes do ministério, do FGTS, estados e municípios. O ministério disse que a prioridade tem sido dada às obras que estão paralisadas.

Também em nota, o Ministério da Integração Nacional diz que "a atual gestão trabalha em parceria com os órgãos de fiscalização para dar transparência às suas atuações” e que deverá acatar a todas as recomendações feitas pela CGU.

Por e-mail, a Caesb (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal) informou que a parte da obra do sistema produtor Corumbá IV que estava sob sua responsabilidade não sofreu questionamentos da CGU e que a parte que chegou a ser paralisada era tocada pela Saneago.

A Saneago informou que "realizou auditorias nos contratos e não foram confirmadas irregularidades no processo licitatório, tampouco sobrepreços ou superfaturamentos". "Em relação à diferença apontada, conforme conhecimento da própria CGU, esta se refere a fatos externos à empresa que, assim que detectada, foi ajustada com a participação e anuência do MPF, Ministério das Cidades, a própria CGU, empreiteiras e Saneago".

Procurada, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), principal operadora de abastecimento e saneamento do Estado de São Paulo, enviou uma nota em resposta aos questionamentos da reportagem.

A nota diz que "o levantamento da CGU tem informações defasadas em relação às obras da Sabesp" e que "das 22 ações da Companhia listadas como atrasadas ou paralisadas, 13 já estão concluídas e em operação, gerando benefícios para os moradores, e as demais estão em execução".