Como e por que búfalos foram parar na Amazônia e viraram um grande problema
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Cerca de 5.000 búfalos vivem hoje em uma reserva ambiental no município de São Francisco do Guaporé (RO). A falta de controle sobre os animais provoca, entre outros problemas, a formação de uma área desértica na região, a REBio (Reserva Biológica) Guaporé.
A história da chegada dos animais ao município ajuda a compreender como a situação chegou a este ponto. Faz pouco mais de 70 anos e começou com apenas 60 búfalos.
Em 1953, os administradores do antigo Território Federal do Guaporé (hoje parte do estado de Rondônia) resolveram transferir os búfalos da Ilha de Marajó (PA) para a fazenda pública Pau D'Óleo. A introdução dos animais era vista como uma forma de desenvolver a área, especialmente para consumo de carne, leite e derivados.
Anos depois, entretanto, a fazenda não deu os resultados esperados, e o projeto foi abandonado, informa um documento do ICMBio (órgão federal responsável pela administração da área).
Não há um registro exato da data do abandono, mas estima-se que em 1970, a situação na fazenda era de descontrole, segundo um artigo da Revista Científica da Faema (Faculdade de Educação e Meio Ambiente) de 2016. "Grande parte das cercas haviam sido destruídas pelos animais ou pela própria circunstância do ambiente, e a propriedade permanecia praticamente em estado de abandono", diz o estudo.
Se 60 búfalos foi o número inicialmente transferido, mais tarde, 36 passaram a viver soltos na área que é hoje a REBio (Reserva Biológica) Guaporé. Os animais passaram a se multiplicar e espalhar pela área, causando danos ambientais.
A estimativa é que, sem intervenção, o número se aproxime de 50.000 em 2030, segundo levantamento do MPF (Ministério Público Federal)

Reserva foi criada no fim da ditadura
A unidade de conservação a REBio Guaporé foi criada em 1982, com 615 hectares. A região é conhecida por extensos pantanais e terras mais altas cobertas por floresta diversificada, abrigando rica fauna —lá vivem 34 espécies ameaçadas.
O último presidente da ditadura militar, João Figueiredo (1979-1985), decidiu criar a reserva, devido à sua riqueza. "A acelerada ocupação que vem ocorrendo no Estado de Rondônia, face às migrações dirigidas, bem como aos grandes investimentos federais e a colonização agrícola, exigia maior proteção dos recursos naturais da área", diz o plano de manejo que justificou a criação da área.
Já na época, o plano citava a presença preocupante dos búfalos, que se adaptaram à área por ser "gado ideal para o aproveitamento dos campos inundáveis, além de sua capacidade anfíbia, capazes de vencer as maiores enchentes."

Ainda segundo o plano de manejo, foram empregados "métodos antiquados e rudimentares de criação, que não permitiram através dos anos nenhum melhoramento dos rebanhos ou das condições de vida a que estavam submetidos os criadores."
Entre os anos de 1991 e 1994, o governo de Rondônia chegou a retirar cerca de 3 mil búfalos da região. Mas, segundo o ICMBio, por ter sido um "evento isolado e que não contou com técnicas eficazes, não extinguiu localmente a população que avançou por áreas da REBIO e voltou a crescer."
Fugitivos da Guyana e importação da Itália: a origem dos búfalos
Segundo a Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos, as raças escolhidas para viver na região se caracterizavam por serem animais para corte e produção láctea.
A primeira introdução de búfalos no Brasil, realizada em 1890 pelo Dr. Vicente Chermont de Miranda, consistiu na compra de búfalos da raça Carabao para a Ilha de Marajó, pertencentes a fugitivos provenientes da Guyana Francesa, que naufragaram nas costas da Ilha. Em 1895, a Sra. Leopoldina Lobato de Miranda e seus filhos em Marajó, realizaram uma importação de búfalos italianos. Ambas introduções deram origem ao búfalo negro de Marajó.
Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos
O país tem hoje cerca de 3 milhões de animais, o maior rebanho do Ocidente. O número no entanto, não chega nem perto do total do rebanho bovino criado no país, de 238 milhões de cabeças, segundo dados do IBGE de setembro de 2024.
As duas raças de búfalos que ocupam a reserva são:
- Jafarabadi - O nome desta raça vem da cidade de Jafarabad, da província de Gujarat, no oeste da Índia. É a raça que apresenta o maior em tamanho entre as quatro raças existentes no Brasil: os machos pesam entre 700 a 1.500 quilos, e as fêmeas chegam de 650 a 900 kg.
Possui frente proeminente, os chifres pesados e longos, que tendem a ir até abaixo da direção atrás dos olhos, terminando em formato espiralado até atrás. É um animal forte de enorme capacidade torácica, o que o faz muito apto para produzir leite. Tem excelente conformação das tetas.
Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos

- Carabao - É a principal raça do extremo oriente, área que engloba China, Indonésia, Filipinas, Vietnã, Camboja, Tailândia. Os machos chegam a 700 kg, e as fêmeas, 500 kg. O seu uso principal é para o trabalho. "Sua aptidão é voltada para o trabalho agrícola, para a tração e para a carne", diz. Essa raça gosta de áreas pantanosas, como a da reserva, e costuma usar os chifres para se cobrir de lama.
Seus chifres são largos e abertos, com corte transversal triangular e fazem um ângulo de 90 graus ao se afastarem da cabeça. Possuem cor cinza-parda, com manchas brancas na pata e na dianteira, em forma de colar. Seu corpo é curto e o ventre largo.
Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos
O que pode ser feito agora?
Os búfalos ocupam uma área de 96,6 mil hectares no entorno e no interior da reserva Guaporé. Diante disso, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública para que governos federal e estadual sejam obrigados a implementar um plano para erradicação desses búfalos.

Diante das dificuldades logísticas para se acessar a área, a única solução viável que surge é matar esses animais, mas ainda não uma definição de como fazer isso. O detalhe é que, por serem selvagens, eles não servem para alimentação humana.
O fato do difícil acesso, de não ter controle sanitário, dificulta muito. A erradicação talvez seja a única solução viável. Mas é algo que a gente ainda não chegou ainda no denominador comum, estamos fazendo pesquisas em relação a isso para acharmos uma solução. Esse processo levaria 10, 15 anos.
Lidiane Silva, chefe Núcleo de Gestão Integrada Cautário-Guaporé do ICMBio
Uma das preocupações é o que fazer com os corpos dos búfalos quando forem mortos. "Uma das opções existentes seria abandonar a carcaça. No entanto, isso poderia causar um impacto, mesmo que pontual, na unidade de conservação. Mas como já existe um impacto gigantesco que eles vêm causando, talvez esse impacto menor justifique", diz.
Alvo da ação civil pública do MPF, o governo de Rondônia afirmou que está realizando "tratativas internas sobre a melhor maneira de abordar o problema." Além disso, conta que está em fase de elaboração de um levantamento dos impactos ambientais causados por esses búfalos.
"O abate pode causar impactos sanitários, o que torna a solução mais delicada. Além disso, os búfalos são descritos como animais selvagens, o que aumenta a dificuldade do controle", cita.
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