Nem leão, nem tubarão: Homem é o maior predador da Terra, indica estudo
Do UOL, em São Paulo*
20/08/2024 19h00
Um estudo com participação de um pesquisador brasileiro analisou o maior banco de dados do mundo sobre conservação de espécies, e descobriu que o ser humano é o maior dos predadores da Terra, deixando para trás animais como águia, tubarão, orca e grandes felinos.
O que descobriu o estudo
Humanos predam 15 mil espécies de vertebrados. Onze pesquisadores de quatro países analisaram a interação do homem e de 19 dos maiores predadores do mundo com 47 mil espécies de vertebrados, e a conclusão é que ninguém é mais voraz que o homem, que preda quase um terço do total, ou 15 mil espécies.
Relacionadas
Entre esses 19 grandes predadores, o maior de todos é a coruja águia, encontrada no ártico. Enquanto ela consome 552 espécies em seu habitat, os seres humanos predam cinco vezes mais espécies (3.007) no mesmo nicho em que vivem essas aves e ainda disputam 65% das mesmas presas.
Essa diferença chega a 300 vezes se comparado à onça. Enquanto ela preda nove espécies de vertebrados, no mesmo nicho o homem explora 2.707 espécies.
"Nesse caso, o homem preda 100% das presas da onça pintada", diz Mauro Galetti, pesquisador brasileiro no estudo e professor de Biodiversidade da Unesp. "Ou seja, competimos com ela pelas mesmas presas."
Homem preda 80 vezes mais do que o leão quando vai à caça no habitat do "rei dos animais". Veja outros exemplos:
- Leão: O homem preda 80 vezes mais
- Orca: O homem preda 86 vezes mais
- Leopardo: O homem preda 94 vezes mais
- Lobo Cinza: O homem preda 108 vezes mais
- Tubarão Branco: O homem preda 113 vezes mais
Quando a gente pensa num predador, logo pensa num tubarão ou tigre. Mas esses animais predam bem menos espécies que um primata bípede que surgiu há 200 mil anos na África, o ser humano.
Mauro Galetti, professor da Unesp
Ao todo, 12 pesquisadores participaram do estudo. Além do pesquisador brasileiro, o grupo é formado por estudiosos de universidades dos Estados Unidos e do Canadá, e ainda do Centro para Ecologia e Hidrologia do Reino Unido. A pesquisa completa pode ser acessada aqui.
Oceanos são as áreas mais impactadas. As pessoas exploram 43% das espécies marinhas, principalmente peixes. Aparecem na sequência os peixes de água doce, com 35%, e os animais terrestres (26%).
55% dessas espécies exploradas são mortas para alimentação, enquanto a caça esportiva atinge 8%. O restante vira matéria-prima para remédios, venenos, roupas e ração animal, diz o estudo. Os pesquisadores incluíram a captura de animais para outros fins além da alimentação por considerar que o processo de predação é o mesmo, como detecção e captura do bicho.
Todas as formas de se retirar animais da natureza afetam as populações naturais. Quando se mata ou se coleta um animal vivo para colocar numa gaiola, esse indivíduo não pertence mais à população silvestre.
Mauro Galetti, pesquisador
Tecnologias aumentaram letalidade humana
A humanidade tem agora um nicho predatório mais amplo do que em qualquer outro momento da história, diz o estudo. Mas a realidade era outra no final da Era do Gelo (entre 2,5 milhões e 11 mil anos atrás), quando muitas presas desapareceram em razão das extinções daquela época.
Evolução humana resolveu o problema. O período, porém, coincidiu com o desenvolvimento de técnicas de controle ambiental, como a descoberta do fogo, da agricultura e da pecuária. "Embarcações permitiram que um 'organismo terrestre' se tornasse um predador altamente eficiente em mar aberto", diz o estudo.
Habilidades cognitivas e cooperativas de caça sem paralelo entre os predadores permitiram o desenvolvimento de tecnologia sofisticada, desde projéteis feitos de pedra até veículos movidos a combustível fóssil equipados com equipamentos sensíveis à detecção de presas.
Trecho do estudo publicado na Communicatios Biology (Nature)
A voracidade humana já ameaça a extinção de 39% dos vertebrados que explora. Essa perda deverá afetar todo o ecossistema, diz o estudo. "São os animais que plantam sementes, controlam pragas, polinizam flores, movem esporos de fungos que ajudam as plantas", explica o professor.
A criação e proteção de enormes reservas para animais selvagens é essencial para a manutenção da biodiversidade na Terra. Ainda temos muitas áreas na Amazônia, Pantanal e Cerrado que podem abrigar reservas de proteção integral.
Mauro Galetti, pesquisador
*Com reportagem de Wanderley Preite Sobrinho, em julho de 2023