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Decisão de fazer mamografia não deve ser vinculada somente à idade

Especial para o UOL

28/04/2014 06h00

Dois estudos publicados em importantes revistas médicas – “Cancer” e, mais recente, “British Medical Journal”– avaliaram o papel da mamografia no câncer de mama. No primeiro, com base na população sueca, mulheres com mais de 40 anos que faziam triagem de rotina morreram menos de câncer. No segundo, realizado no Canadá, o exame falhou em mostrar diferença na mortalidade nas mulheres até 59 anos.

O debate, extremamente oportuno, chega junto com a publicação recente da Portaria 1.253 do Ministério da Saúde (MS), que limita pagamento da mamografia bilateral de triagem somente para mulheres entre 50 e 69 anos, apesar da Lei nº 11.664/2008, que determina que o Sistema Único de Saúde (SUS) assegure (e pague) a realização gratuita do exame preventivo em mulheres acima de 40 anos.

Então, no que acreditar? Fazer ou não mamografia? A forma de extrair essas informações das publicações é através de uma leitura crítica da produção científica disponível e análise apurada da população estudada, a forma como a pesquisa foi planejada e conduzida, assim como a sua análise estatística.

Essa forma de análise é chamada de Medicina Baseada em Evidência (MBE), em que tratamentos e tecnologias são recomendados principalmente com base em resultados estatísticos de grandes estudos clínicos.

Todavia, a medicina não deve ser guiada somente por valores numéricos. É preciso analisar a credibilidade dos resultados. Neste tema, as revistas, do mais alto prestígio, apresentaram dados conflitantes. Um olhar atento e treinado permite compreender melhor os achados.

Existem críticas sobre a publicação canadense na medida em que somente incluíram pacientes motivados ao exame – portanto não representativo - e que utilizou tecnologia de 25 anos atrás, considerada hoje subótima.

Já o estudo sueco revelou redução de chance de morrer de câncer de mama, mas não debateu profundamente o “over” diagnóstico, ou seja, o impacto de identificar alterações que demandam ampla investigação invasiva e não são doença.

Outro fator importante é saber identificar as diferenças estatísticas do que é clinicamente relevante. Apesar de as pessoas ficarem confusas e com a sensação de que os resultados são mais instáveis do que consistentes, os dados são reais e devem ser interpretados com atenção.

Brasil

A dura realidade brasileira (nem sueca nem canadense) para boa parte da população é de não ter oportunidade de ser examinada por ginecologista ou mastologista uma vez por ano e nem de realizar a mamografia, ainda que fosse bianual, dos 50-69 anos.

Vários estudos comprovam que a cobertura de mamografia do grupo de risco para o MS mal chega a 20% deste público-alvo, mesmo em capitais. Vários colegas têm demonstrado (Goiânia, por exemplo) que 25% dos casos de câncer de mama estão abaixo dos 50 anos.

A medicina caminha, nesta próxima década, para métodos como a farmacogenômica, que permite identificar quem é aquela paciente que pode se beneficiar realmente, de forma que se possa evitar o uso do exame ou tratamento para um número enorme de pessoas que não se beneficia ou até é prejudicada.

Limitar faixas etárias que possam realizar exame, sem julgamento de outros fatores de risco, é simplificar um tema muito complexo. Até que esses métodos sejam amplamente disponíveis e validados sob olhar crítico, o ideal é ter uma conversa franca com um profissional da área, de preferência o mastologista.

Não adianta só analisar os estudos conforme a conveniência. As mulheres não podem ficar sem acesso ao médico especialista, sem acesso ao exame de mamografia e na “via crucis” do SUS quando apresentarem um problema na mama.

Câncer de mama pode matar, e no Brasil mata mais do que na Suécia ou no Canadá.

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