Expandir e encarcerar: esse parece ser o leitmotiv da política prisional brasileira, que, levado a cabo nas últimas décadas, resultou numa verdadeira catástrofe humanitária e num quadro de violação sistemática de direitos fundamentais.
Como reconheceu o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em audiência pública realizada pela Corte no último dia 14 de junho, o sistema penitenciário nacional é "extremamente custoso, desumano, degradante e ineficiente".
Segundo dados do último Levantamento de Informações Penitenciárias, do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o Brasil conta atualmente com mais de 1.500 unidades prisionais. Já o número de vagas no sistema saltou de mais de 137 mil, no início dos anos 2000, para cerca de 423 mil, em 2017 — ano em que foi realizado o último levantamento pelo governo federal.
Essa expansão vertiginosa da infraestrutura prisional, porém, foi incapaz de acompanhar o aumento do número de pessoas encarceradas, que ultrapassou a marca dos 726 mil, em 2017, e pode já ter alcançado patamares ainda mais elevados.
O descompasso é tamanho que, apenas para zerar o atual déficit, o país precisaria criar imediatamente 303.112 mil novas vagas. Além disso, teria de dobrar o ritmo de construção de novas prisões para acomodar o crescente contingente de encarcerados em condições minimamente dignas.
SP tem 37% dos presos do país
Em São Paulo - que responde por 37% do total de pessoas privadas de liberdade - o número de unidades prisionais quadruplicou em 25 anos, passando de 43 para 173 estabelecimentos.
Apesar disso, as 231 mil pessoas que sobrevivem nas masmorras paulistas suportam condições precárias de encarceramento, como demonstram os relatórios de inspeção do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo. Aliado ao problema generalizado da superlotação, registram-se inúmeros casos de alimentação inadequada, carência de itens básicos de higiene, violências, entre outras violações de direitos.
Sob qualquer ângulo, a política de "expandir e encarcerar" é um fracasso civilizatório e mostrou-se incapaz de cumprir suas promessas de promoção da segurança e da paz social.
Convertido em celeiro de organizações criminosas, o sistema prisional paulista destrói vidas e desestrutura famílias e comunidades, com nítida seletividade racial.
Insistência no erro
Mas então por que o governo de São Paulo insiste no erro, prometendo a construção e entrega de mais três unidades prisionais apenas em 2022?
Tal meta está prevista na proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), de autoria do Palácio dos Bandeirantes, atualmente em discussão na Assembleia Legislativa do estado. Após aprovada, a legislação estabelecerá as bases para a formulação do orçamento paulista de 2022 e dos gastos que serão realizados pelo governo no decorrer do ano.
Dessa forma, se nada for feito para mudar a proposta original, o governo estadual seguirá redobrando a aposta na expansão da infraestrutura prisional paulista. Em contrapartida, continuará deixando de lado os investimentos em políticas que poderiam contribuir significativamente para a redução da população prisional e para a reparação dos danos sociais causados pelo encarceramento.
Conforme levantamento feito pelo Projeto Justa, São Paulo destinou R$ 4,35 bilhões, no ano de 2020, para o principal programa de manutenção do sistema prisional e apenas R$ 10,2 milhões para a única política integralmente voltada para auxiliar na reintegração social daqueles que cumpririam sua pena ou foram postos em liberdade por determinação judicial.
Ou seja: para cada R$ 427 gastos para manter as prisões paulistas na sua atual situação de degradação, apenas R$ 1 foi investido na assistência direta ao egresso do sistema.
Analisando os dados de forma mais ampla, a situação é ainda mais preocupante. Em 2020, a função orçamentária que incluiu os recursos destinados às políticas de egressos regrediu para o patamar anterior a 2016, sendo contemplada com R$ 76,6 milhões. Isso num ano de pandemia e de aprofundamento da crise econômica e social pela qual o país passa.
Apesar do debate sobre a reincidência criminal ser complexo, como apontou estudo do Ipea, os processos de vulnerabilização daqueles que sobrevivem à experiência prisional são bem conhecidos. A estigmatização social, a superveniência das penas de multa, a dificuldade para regularização de documentos básicos e os danos físicos e psíquicos causados pelo encarceramento são obstáculos quase intransponíveis para uma vida mais digna.
Ao deixar de lado políticas efetivas de assistência social e geração de renda para os egressos e suas famílias, o estado reforça um ciclo perverso de re-criminalização, mantendo essas pessoas marginalizadas e, portanto, expostas à ação das agências policiais e do sistema de justiça criminal. Como resultado, muitos voltam para superlotar as prisões ou encontram um destino ainda pior.
Pensando nisso, seis parlamentares paulistas, de diferentes partidos, subscreveram emendas propondo a supressão da meta, prevista na LDO paulista, de construção de unidades prisionais. É um passo pequeno, mas essencial para repensarmos a lógica orçamentária que, ao fim e ao cabo, estrutura a atual política prisional.
Por fim, é preciso ouvir seriamente os movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como a Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos), que há anos defendem uma política robusta de redução da população carcerária.
Se há algum beneficiado pela política de encarceramento em massa e pela expansão desenfreada da infraestrutura prisional no estado, certamente não é o conjunto da sociedade.
*Paulo Mavezzi é advogado e mestre em Filosofia Política pela Unifesp. É coordenador de advocacy do projeto Justa e co-fundador da Agência Diadorim de jornalismo LGBTI+. Foi coordenador geral do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional.
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