Opinião: Três anos depois, tragédia como a de Brumadinho pode se repetir
Às vésperas dos três anos do rompimento da barragem de rejeitos tóxicos da Vale, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), a região voltou a passar por nova apreensão.
As fortes chuvas nas primeiras semanas do início do ano deixaram evidente que o país não avançou em um modelo de mineração seguro para os trabalhadores, para a população do entorno e para o meio ambiente.
Um transbordamento do Dique Lisa, da mina de ferro Pau Branco, propriedade do grupo francês Vallourec, no município de Nova Lima, mostrou que as obras para adequar a estrutura não foram capazes de evitar o transbordamento da lama, que levou à interdição da BR-040, a uma série de danos ambientais e à evacuação do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres do Ibama.
É como se a sequência de desastres socioambientais de Mariana (MG), em 2015, e de Brumadinho (MG), em 2019, não tivesse fim.
Tanto para o governo quanto para as empresas, as mudanças climáticas e as consequências de seus eventos extremos que se intensificam continuam sendo variáveis alheias a seus planejamentos e permanecem como critérios ignorados no licenciamento de suas atividades. Não se cumpriu a expectativa de mudanças na operação das empresas, de fortalecimento das instituições fiscalizadoras e de endurecimento de leis que garantisse a não-repetição de trágicos episódios.
Três anos após a tragédia de Brumadinho, ainda não houve reparação justa, com participação das pessoas atingidas. Em fevereiro de 2021, o governo de Minas Gerais e a mineradora Vale fecharam um acordo de reparação, no valor de R$ 37,7 bilhões, que pode ser considerado mais uma violação ao princípio da centralidade das vítimas, do direito à participação e à informação ambiental.
Povos indígenas e comunidades tradicionais não tiveram seus direitos à consulta, participação e consentimento respeitados nas negociações: desde o ocorrido, comunidades se queixam de que as decisões em relação a medidas de reparação aconteceram sem participação efetiva.
Trata-se de violação frontal à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho e a outros compromissos internacionais assumidos pelo país, como a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas da Organização dos Estados Americanos e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas.
Além desses grupos, estiveram de fora das conversas pescadores artesanais, agricultores familiares, coletivos tradicionais de extrativistas, benzedeiras e povos ciganos que foram diretamente atingidos pelo desastre.
Em junho de 2021, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), instituiu o Grupo de Trabalho Código de Mineração, responsável por elaborar proposição legislativa destinada a alterar o Código de Mineração, que é de 1967 (Decreto-Lei nº 227, de 2 de fevereiro de 1967).
No entanto, não existe previsão constitucional, nem regimental para a criação e funcionamento dos chamados grupos de trabalho. Na prática, um GT não pode propor projetos de lei, nem considerar que o debate ali existente tenha proporcionalidade partidária, como exigido para a formação de comissões, por exemplo.
O texto até então proposto pelo GT considera que o aproveitamento de recursos minerais é "utilidade pública", "interesse nacional" e "essencial à vida humana". Ainda que a mineração tenha relevância para a sociedade, trata-se de atividade de natureza comercial e explorada principalmente pelo setor privado.
A atividade minerária não pode soterrar os interesses difusos e coletivos, como, por exemplo, a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da segurança climática, dos povos e comunidades tradicionais. No entanto, o interesse econômico tem prevalecido em detrimento de criação de unidades de conservação ou demarcação de terras indígenas, dois tipos de áreas protegidas que são estratégicas para a proteção das florestas e fundamentais para produção, recarga e abastecimento de água, por exemplo.
Existe uma correlação de forças desigual no processo legislativo e na tomada de decisão no Poder Executivo. As reivindicações e alertas da sociedade civil continuam sendo ignoradas. Basta observar a boiada passando no Congresso Nacional.
Organizações da sociedade civil, entidades de classe, pesquisadores e comunidades afetadas seguem solicitando audiências públicas, reuniões com parlamentares e alertando para o crime socioambiental que o "PL da Grilagem" (PL 2633/2020) e o PL do Licenciamento Ambiental ou também chamado de "PL da Boiada" (PL2159/2021) representam. Mesmo assim, tais projetos foram aprovados na Câmara e estão no Senado.
No Poder Executivo, instituições governamentais que promovem a mineração possuem uma atuação muito mais evidente do que aquelas que defendem os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. O Estado mantém comunidades afetadas alheias a qualquer tomada de decisão pela falta de diálogo, linguagem demasiadamente técnica, complexidade dos planos de gestão e não divulgação dos procedimentos fiscalizatórios —quando existem.
O desassossego da bacia do rio Paraopeba —e de todo estado de Minas, que vive sob ameaça de novos rompimentos de barragens de rejeitos da mineração, de produção energética ou abastecimento de água— é agravado a cada ano pelas fortes chuvas e alagamentos com água contaminada por rejeitos de minério.
Como poderemos garantir que esse novo Código de Mineração seja mais protetivo aos direitos humanos e que tragédias evitáveis como as de Mariana e Brumadinho não se repitam?
*Júlia Neiva é coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos e uma de suas fundadoras.
Letícia Aleixo é assessora técnica na Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais e doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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