Os impactos das mudanças climáticas colocaram definitivamente o Brasil no mapa dos desastres, que não são nada naturais, infelizmente, com dezenas de mortos, feridos e milhares de pessoas atingidas e desabrigadas. Basta!
Não podemos aceitar em silêncio tantos desastres, tantas pessoas desabrigadas e tantas mortes. Todos os anos, em alguma região do país, ocorrem tragédias como a que estamos assistindo no litoral sul e norte de São Paulo, causando perdas de vidas humanas e prejuízos materiais.
Por diversos motivos, infelizmente, os governos, a mídia e a própria sociedade acabam em pouco tempo se esquecendo do ocorrido e a vida segue, até que outra tragédia ocorra. Por vezes, os únicos que ficam, quando todos desaparecem, são os movimentos populares, e uns poucos atores da sociedade civil organizada, tentando cobrar as promessas do poder público e tentando não deixar a tragédia cair no esquecimento.
De acordo com o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, o Brasil tem hoje aproximadamente 14 mil pontos de riscos altíssimos de desastre e 4 milhões de pessoas morando nessas áreas. A necessidade de habitação no país é gigantesca. A pandemia, a miséria e o desemprego empurraram, nestes últimos anos, milhares de pessoas para condições ainda mais precárias de moradia.
Segundo a Fundação João Pinheiro, no ano de 2019, havia um déficit habitacional de 5,9 milhões de moradias, depois de mais de dois anos de pandemia este déficit pode ser ainda maior, mais de 1 milhão de pessoas estão ameaçadas de despejos e milhões de famílias vivem em moradias precárias e outras milhares estão em situação de rua.
A questão social das cidades, no que diz respeito à moradia e os impactos ambientais, se tornou ainda mais complexa e exige atuação rápida e articulada dos governos e dos demais poderes da república. A dificuldade de acesso à terra bem localizada, preço do aluguel e baixa renda jogam milhões para sobreviverem em precárias condições de moradias, principalmente em encostas do litoral brasileiro.
Mudanças do clima, desigualdade social e ausência de políticas públicas urbanas permanente são os principais fatores que causam tragédias recorrentes como esta do litoral norte e sul de São Paulo.
É importante, mas não basta apenas um arrojado programa de construção de novas moradias ou até mesmo reformas de prédio em regiões centrais das cidades.
É urgente o combate à especulação imobiliária, enfretamento aos conflitos fundiários e aos despejos, com investimento pesado nas melhorias de moradias precárias, urbanização de favelas, intervenção em áreas de risco, em sua maioria localizadas nas periferias, nos morros, nas encostas e na beirada de rios.
O aumento do desemprego, a baixa renda das famílias e a alta dos aluguéis não deixam outra alternativa para milhões de pessoas, a não ser se aglomerarem em lugares sem infraestrutura e sem interesse do mercado imobiliário formal. Em 2019, a mesma Fundação João Pinheiro aponta que 24,9 milhões de unidades habitacionais tinham alguma carência de infraestrutura, como coleta de lixo, esgoto, energia elétrica, entre outros.
Seguimos vivenciando um rápido processo de favelização das cidades brasileiras. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aponta que de 2010 a 2019, o número de pessoas morando em favelas cresceu 59%, passando de 3,2 milhões de domicílios para 5,1 milhões, agravado ainda mais pelo governo genocida de Bolsonaro que acabou com os programas de urbanização de favelas, com o Minha Casa Minha Vida e extinguiu o Ministério das Cidades.
Uma boa notícia é que o governo federal retomou o programa Minha Casa, Minha Vida, com prioridade para a população com baixa renda e, entre as demandas a serem atendidas, está famílias vítimas de calamidade ou em situação de vulnerabilidade, além de indicar que os empreendimentos habitacionais precisam dialogar com a sustentabilidade econômica, social e ambiental.
O anúncio do presidente Lula de apoiar, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, a construção de moradias para quem perdeu suas casas em São Sebastião e em outras cidades do litoral paulista, é fundamental neste momento de desespero e tragédia humanitária.
Porém, de forma isolada, e por si só, resolverá apenas parcialmente um problema que atinge não apenas o litoral de São Paulo, mas está presente em várias regiões e cidades do país, especialmente nas regiões Sul e Sudeste e no litoral do Nordeste. Soluções emergências são fundamentais, mas sem ações estruturais e duradouras é como enxugar gelo.
Entendemos que é preciso dar um passo a mais. Não podemos esquecer das tragédias que nos últimos anos vitimaram milhares de pessoas pelo país afora, especialmente, nos estados da Bahia, Pernambuco, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O governo federal precisa convocar com urgência, os governadores, prefeitos, especialistas e movimentos populares para formar um uma força tarefa, com a atribuição de fazer um profundo diagnóstico das áreas de risco no Brasil, debater e construir um amplo programa de intervenção em áreas sujeitas a desastres.
Esse grupo poderia também acompanhar e fiscalizar os recursos destinados a essas tragédias, e, junto com a sociedade civil, assegurar a transparência na aplicação dos recursos, além de articular com os Ministérios do Meio Ambiente, Cidades e Integração Nacional, entre outros, um mutirão com ações de prevenção e combate às tragédias em áreas de riscos.
A presença do presidente Lula, com o governador de São Paulo e prefeitos da região em São Sebastião, foi um ótimo sinal dos novos tempos que renascem na política nacional, mas, com o acompanhamento, atuação e fiscalização dos movimentos sociais, podemos ir mais longe na solução e enfrentamento deste grave problema ambiental, econômico e social que afeta e coloca em risco a vida de milhões de pessoas, especialmente das camadas mais empobrecidas e excluídas da sociedade e quem sabe, num prazo curto, com participação popular possamos evitar que desastres ambientais atinjam proporções tão horríveis e trágicas como esta, do litoral norte de São Paulo.
*Raimundo Bonfim é advogado e coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP)
Benedito Roberto Barbosa é advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.