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Mulheres palestinas: histórias de dor e resiliência

Sou uma mulher ocidental e cultivo crenças do Ocidente. Prezo por liberdades individuais e valores democráticos. Valorizo minha carreira profissional e considero a independência financeira a base para minha liberdade.

Não deixo, porém, de respeitar e mesmo incorporar os valores da cultura árabe-oriental. Não apenas pela herança que carrego, vinda do meu querido pai, palestino e muçulmano, que já se foi, mas por acreditar que o encontro do Ocidente com o Oriente seria um grande passo para uma maior tolerância mútua.

O olhar do Ocidente é de superioridade e preconceito em relação ao Oriente, além da islamofobia. Vale ponderar, porém, que o sucesso econômico do Ocidente e o respeito a direitos humanos não são disseminados. Há muito descontentamento das classes populares e médias em relação a governantes, instituições e elites.

Esse olhar está no âmago das intervenções históricas e desastrosas do Ocidente nos países orientais. Valores liberais democráticos, caros ao Ocidente, não foram exercitados nos países dominados. A bronca em relação às nações desenvolvidas, vistas como colonialistas, não surgiu do vácuo.

No Oriente Médio, as intervenções escalaram desde o fim da Primeira Guerra Mundial, com o desmembramento do Império Otomano, o que deixou marcas profundas. Fronteiras fictícias foram criadas e os mandatos francês (Síria e Líbano) e inglês (Palestina e Mesopotâmia) foram estabelecidos.

Posteriormente, com o fim do seu domínio, diferentes histórias se seguiram, muitas vezes com a instalação de autocracias sob sua influência direta.

No caso da Palestina, seu destino foi a criação do Estado de Israel, causando o deslocamento de mais de 700 mil pessoas para campos de refugiados na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e países vizinhos, além do massacre de outros tantos.

Conforme a violência e a violação de direitos humanos avançaram no Oriente Médio, a sociedade se refugiou na religião como forma de proteção e reafirmação da identidade cultural, por vezes levando ao extremismo e a guerras civis, como no Iraque após a guerra de 2003, comandada pelos Estados Unidos.

Mal comparando, ocorre algo semelhante no Brasil com o crescimento das várias igrejas evangélicas que defendem valores tradicionais de segmentos da sociedade descontentes com o status quo.

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No caso palestino, a mão forte do Estado de Israel contribuiu para esse fenômeno, mas com contornos perversos na sociedade, por conta da perda de liberdades e da falta de perspectivas, principalmente entre os jovens.

Vi esse fenômeno acontecer com minha família que mora na Cisjordânia: é grande a diferença entre as gerações mais velhas que nasceram no mandato britânico (como meu pai e meus tios), as intermediárias que nasceram na Cisjordânia quando controlada pela Jordânia (como meus primos) e aquelas mais jovens que sofrem a opressão do Estado de Israel há décadas (como os filhos de meus primos).

As realidades dos palestinos são diversas a depender da região em que vivem, trazendo diferentes dramas e desafios às mulheres. Mas há algo em comum: a dificuldade para se desenvolver, empreender e prosperar impactando as famílias.

Os árabes com cidadania israelense (17% da população ante 88% em 1922) têm direitos plenos, mas sofrem com a discriminação, inclusive no acesso a serviços públicos. Antes da pandemia, 45% viviam abaixo da linha da pobreza (13% entre os judeus), sendo 58% a taxa entre os menores.

Na Cisjordânia (West Bank), a situação é mais difícil e é comparável ao apartheid. Muitas casas são destruídas para dar espaço a colonos israelenses (ferindo o Acordo de Oslo, de 1993), ocorrem muitas prisões arbitrárias, a economia é sufocada e há severa restrição à mobilidade no território por conta de barreiras físicas de todo tipo entre cidades e vilarejos, inclusive dificultando a circulação de ambulâncias e dividindo famílias.

Como exemplo, uma tia minha que mora em Belém não consegue facilmente visitar sua filha em Jerusalém Oriental. Minha família não consegue nem sequer visitar cidades vizinhas. Para cruzar fronteiras, os palestinos precisam de autorização de Israel e muitas vezes sofrem violência e passam por humilhações, como as mulheres serem obrigadas a se despir em revistas corporais.

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Em Gaza, as condições são mais extremas, com bombardeamentos frequentes. A guerra atual agravou a situação para patamares dramáticos pelas mortes que destruíram famílias e laços comunitários, gerando o abandono de milhares de crianças, doentes, famintas, feridas e mutiladas, e pela situação grave dos que sobrevivem.

O preconceito dificulta a compreensão e a empatia do Ocidente em relação ao sofrimento das mulheres palestinas. São outros valores, mas que precisam ser respeitados. Vale um interessante relato pessoal: uma prima que visitou o Brasil estranhou o fato de as ocidentais se arrumarem para sair de casa, pois a mulher muçulmana se arruma para sua família e seu companheiro, e para ele se expõe, mas se cobre quando sai de casa.

Isso não significa a ausência de anseio por mais liberdade e direitos, havendo movimento crescente nessa direção no Oriente Médio. Um exemplo são as Mulheres do Sol, movimento fundado no final de 2020, que busca prover às palestinas a oportunidade de ser financeiramente independentes e se envolver nos assuntos religiosos e políticos da comunidade.

Há, porém, outras prioridades da mulher palestina que adiam a busca de empoderamento: o desejo por uma vida digna e segura para ela e sua família.

A guerra em Gaza recrudesceu a situação na Cisjordânia, aumentando o número de mortes e prisões e praticamente impossibilitando o trabalho dos palestinos.

Já em Gaza, a luta é pela vida. Segundo a ONG ActionAid, a região é hoje um dos locais mais perigosos para as mulheres, com sete mortes a cada duas horas. São mais de 8 mil mulheres e 12,5 mil menores mortos desde o início do conflito. Dos 350 mil pacientes em condições crônicas, 60 mil são grávidas, e há 700 mil menores sofrendo com desnutrição e desidratação.

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As mulheres anseiam por ajuda humanitária e o fim dos ataques, enquanto tentam cuidar dos filhos, fugir de bombardeios e não morrer de fome. Outras tantas temem dar à luz com a falta de remédios e anestésicos.

Minha admiração pelas mulheres palestinas. Elas não saem do meu pensamento.

Zeina Latif é doutora em economia pela USP.

Opinião

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