As queimadas começam com mentiras, e o preço é alto
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Não tem outro jeito de dar a notícia: as mentiras sobre as mudanças climáticas atrasam a tomada de decisões e o engajamento para o clima. Mais: por ter natureza política, também são uma ameaça à nossa democracia.
Compartilho com você, em primeira mão, um mapa da desinformação climática no Brasil até 30 de agosto, quando o ex-Twitter levou um "x" da Justiça brasileira. Enquanto o fogo varria Amazônia, Pantanal e São Paulo — e mais recentemente, o Cerrado—, a desinformação climática se espalhava.
Das 20 postagens mais vistas sobre clima, 13 continham alguma mentira sobre os incêndios. As informações foram coletadas pela API do Twitter via Brandwatch, uma ferramenta de captura de dados.
Primeira lição sobre mentiras climáticas: não importa a tragédia, o objetivo é criar uma enxurrada de histórias ilusórias paralelas para impactar a opinião pública. Como um efeito manada, um grupo diverso posta sobre o mesmo assunto, invariavelmente atacando a imprensa também.
E sabe qual foi o assunto mais debatido? Não foi sobre mudanças climáticas nem planos de adaptação e mitigação. Às vésperas de eventos importantes, como eleições, G20 e COP 29, o espaço de diálogo foi sequestrado para relativizar o desmonte socioambiental no governo Bolsonaro.
Atenção: eu não disse que o governo atual está em dia com a lição de casa, mas existe um abismo, bem documentado, nessa história. A boiada completa você encontra em 'Nunca mais outra vez', relatório do Observatório do Clima sobre a gestão Bolsonaro.
Segunda lição: Quanto mais atrasar o engajamento para o clima, melhor. "Informações cientificamente enganosas" podem ter "implicações negativas para a política climática", afirmou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).?
Terceira lição: a indústria da desinformação climática mira jornalistas, grupos minoritários, cientistas, lideranças, comunidades indígenas, organizações da sociedade civil. As táticas mudam o tempo todo.
A desinformação climática serve a interesses de grupos de setores-chave, com poder econômico e político, capazes de atrasar e atrapalhar políticas públicas nas áreas de transição energética (mais de 80% das emissões de gases de efeito estufa são resultado da queima de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo); e a agropecuária, que puxa o ranking de emissões no Brasil.
A engrenagem de mentiras trabalha pelo obituário do clima. Há alguns anos, quando começamos a mostrar o custo alto da desinformação sobre clima, meio ambiente e discurso de ódio no Brasil, não havia sensação de urgência coletiva. Também pudera: enfrentávamos ataques aos STF e às campanhas de vacinação em um governo que desprezava a ciência e os pilares democráticos. Acontece que o clima é a batalha que muitos não podem perder, como contamos, todos os dias, no Mentira Tem Preço.
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Quarta lição: é fácil ganhar dinheiro mentindo sobre mudanças climáticas ou criar anúncios para espalhar greenwashing, ou seja, ações que parecem amigáveis ao meio ambiente, mas na verdade apenas vestem essa roupagem de sustentáveis. É como atropelar propositalmente uma pessoa e sair ileso, pronto para a próxima. Sem culpa, regra nem responsabilização. Por que? Porque mudar não interessa às plataformas. É tão grave que a União Europeia, mais avançada no debate sobre responsabilização das plataformas, inclui a desinformação como ameaça em um relatório sobre mudanças climáticas e direitos humanos.
É perverso saber que nossas curtidas e compartilhamentos viram influência e dinheiro para quem trabalha contra o clima.
Por isso, meu convite aqui é tentar conectar as informações, porque você já sentiu o impacto das mudanças climáticas. Alcança saúde e educação, com escolas fechadas e hospitais e UBSs lotadas em razão da fumaça e do tempo seco; a economia, com desaceleração que vai da perda total de safras até porta do comércio inundado na enchente ou do pescador sem rio, literalmente, para trabalhar.
Mas o impacto é pior em territórios de comunidades indígenas e tradicionais e nas periferias. (In) justiça climática.
Que janela você fecha para não respirar fumaça em uma comunidade indígena, quilombola ou dentro de uma casa na periferia sob sol de mais de 40ºC?
É justo viver em um esquema de rodízio de água permanente, a vida toda, em razão do CEP?
O que você diria a quem compra apenas móveis de plástico para a própria casa porque cansou de perder tudo, ano após ano, com enchentes?
Ou a quem instala pontes dentro de casa porque a água (e todos os animais e sujeira que vêm com ela) não baixou por meses?
Tudo bem mulheres perderem o equivalente a três meses por ano de suas vidas em caminhadas para buscar água barrenta para beber e cozinhar?
E aí, tudo bem?
*Thais Lazzeri, jornalista e cineasta , fundou a FALA, um estúdio de impacto dedicado a soluções transformadoras, e criou o projeto Mentira Tem Preço.
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