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Barbosa bate-boca com Lewandowski e diz que colega faz 'chicana' no julgamento do mensalão

Cronologia do mensalão

  • Nelson Jr/STF

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Fernanda Calgaro e Guilherme Balza

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

15/08/2013 17h35

Os ministros Joaquim Barbosa, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator do processo do mensalão, e Ricardo Lewandowski, reeditaram as discussões ásperas travadas no julgamento do mensalão, no ano passado, na sessão desta quinta-feira (15), que analisa os recursos dos réus condenados.

RECURSOS DO MENSALÃO

  • Arte/UOL

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O bate-boca ocorreu quando ambos divergiam sobre o recurso do ex-deputado federal Carlos Alberto Rodrigues (PR-RJ), conhecido como Bispo Rodrigues, condenado a seis anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele recebeu R$ 150 mil para votar a favor de projetos do governo federal.

A defesa pede a redução de pena do réu com o argumento de que ele foi acusado de ter cometido o crime de corrupção passiva em 2002 --ao pedir dinheiro-- e de tê-lo recebido só em 2003, após a mudança da lei com penas mais rígidas. A questão gerou um longo debate na Corte, envolvendo vários ministros. Lewandowski concordou com a tese da defesa do réu.

Barbosa subiu o tom contra o colega e afirmou que ele está fazendo "chicana". Em termos jurídicos, chicana é o ato de retardar um processo judicial com base em um detalhe ou em um ponto irrelevante. A palavra também pode ser entendida como "trapaça" ou "tramoia".

Debate e provocações

Barbosa rejeitou o pedido da defesa para que Rodrigues seja condenado com base na lei antiga. Segundo ele, o acórdão deixou claro que o réu recebeu dinheiro em 17 de dezembro de 2003, "portanto, bem após a promulgação da lei 10.763, que, como todos sabemos, foi em novembro daquele ano."

A discussão começou quando Lewandowski fez um aparte e citou argumento da defesa de que os acertos do pagamento para o ex-deputado foram feitos em 2002, antes da vigência da nova lei. "Ele não participou de acordo algum em 2002. Em dezembro de 2003, ele recebeu comprovadamente essa quantia", disse Barbosa a Lewandowski.

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O ministro rebateu e disse que alguns réus tiveram a pena calculada com base na lei antiga e outros na mais recente, que prevê penas mais severas. "A denúncia fala em 2002, o acórdão fala em 200. É crime formal, que se consuma instantaneamente, os recebimentos posteriores são mero exaurimento do crime", afirmou Lewandowski.

Barbosa interveio e afirmou que o ex-deputado, ao contrário de outros réus, não participou de encontro entre os partidos políticos para acertar o pagamento da propina, que aconteceu em 2002.

Lewandowski respondeu que fontes de sua assessoria encontraram provas nos autos de que Bispo Rodrigues recebeu parcelas de dinheiro depois da promulgação da lei. Para ele, os magistrados deveriam considerar que o crime de corrupção aconteceu em 2002 e aplicar a pena de acordo com a lei vigente à época.

"Se ele aceitou previamente, mas se não interveio nestes momentos, a conduta típica (o crime) dele é o de haver recebido”, disse. “"Esse é o momento de o julgador se redimir”, acrescentou Lewandowski.

Para o decano da Corte, ministro Celso de Mello, se o réu não participou da negociação, o recebimento do dinheiro é que deve ser considerado. "Esse é o tempo do crime."

"Chicana"

Após algum tempo de discussão, Barbosa se irritou. “Vossa excelência participou de uma votação unânime e agora mudou de ideia?”, questionou Barbosa, referindo-se ao julgamento do ano passado. Lewandowski rebateu o relator, dizendo que a função da análise dos recursos dos réus é justamente esta.

“Mas para que serve a análise dos embargos?”, disse Lewandowski.

“Não serve para isso, para arrependimento", retrucou Barbosa. “Serve para fazer nosso trabalho, não chicana”, acrescentou.

“Vossa excelência está dizendo que estou fazendo chicana?”, respondeu Lewandowski. “Peço que se retrate imediatamente.”

“Não vou me retratar”, disse Barbosa.

“Vossa excelência está dizendo que estou brincando? Não admito isso”, retrucou Lewandowski. “Vossa excelência não respeita esta casa”

“Quem não respeita é vossa excelência”, disse Barbosa.

O ministro Marco Aurélio condenou a discussão. "É ruim em termos de credibilidade na instituição. É ruim em termos de entendimento que deve haver no colegiado. Nós não podemos deixar que a discussão descambe para o campo pessoal."

A defesa do ex-deputado apresentou outros dois recursos, um com o argumento de que o réu praticou uma só ação (receber dinheiro) e foi condenado por dois crimes diferentes (lavagem e corrupção) e outro de que o Supremo não analisou as provas que apontam que o dinheiro recebido era para pagar despesas de campanha eleitoral, e não para comprar apoio político. Ambos foram rejeitados pelo relator com o argumento de que as questões já foram rebatidas em outras ocasiões do julgamento.

Por conta da discussão, a sessão foi encerrada sem que os ministros finalizassem o voto sobre os recursos do condenado. 

Depois da sessão, houve outro intenso bate-boca entre os ministros na sala atrás do plenário, no salão branco, onde os ministros ficam nos intervalos. Foi possível entreouvir o ministro Lewandowski pedindo "respeito" a Barbosa.

A defesa do ex-deputado apresentou outros dois recursos, um com o argumento de que o réu praticou uma só ação (receber dinheiro) e foi condenado por dois crimes diferentes (lavagem e corrupção) e outro de que o Supremo não analisou as provas que apontam que o dinheiro recebido era para pagar despesas de campanha eleitoral, e não para comprar apoio político.

O julgamento dos recursos será retomado na próxima quarta-feira (21).

Para o advogado Leandro Sarcedo, vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), o embate entre os dois ministros traz uma questão de fundo, se os embargos declaratórios --tipo de recurso apresentado pela defesa de Bispo Rodrigues, que, em tese, não tem capacidade de reverter uma condenação, mas sim corrigi-la-- tem efeito infringente, isto é, se podem reabrir um julgamento.

“Houve discussão sobre o entendimento do ministro Lewandowski e Barbosa sobre o alcance do embargo declaratório, se ele pode ter o efeito infringente.  Acho que no decorrer do processo haverá um entendimento", afirmou o advogado, que acompanhou a sessão de hoje na redação do UOL.

Outros recursos

Os magistrados também rejeitaram na sessão de hoje todos os recursos apresentados pelos ex-deputados federais Roberto Jefferson (RJ) e Romeu Queiroz (MG), ambos do PTB. Jefferson pediu perdão judicial por ter sido o delator do esquema do mensalão. O petebista foi condenado sete anos e 14 dias de prisão, além de receber multa de R$ 689 mil, por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

O réu pediu ainda a inclusão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do mensalão. Todos os recursos foram rejeitados por Barbosa, que foi seguido pelas demais nove magistrados.

Também foram rejeitados, por unanimidade, todos os recursos da ré Simone Vasconcelos, ex-diretora financeira da agência de publicidade SMP&B, de Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão. Ela tentava reduzir a sua pena, que superou os 12 anos de condenação.