Como era a Dilma que lutou durante a ditadura? Companheiros da época respondem
A presidente Dilma Rousseff foi descrita como tendo sido uma militante “disciplinada e dedicada”, além de ter demonstrado “grande capacidade de liderança” durante o período em que integrava os quadros da organização Colina (Comando de Libertação Nacional), grupo que lutou contra a ditadura e que tinha aparelhos (esconderijos) em Belo Horizonte.
A descrição do perfil da então estudante Dilma Rousseff foi apresentada por Jorge Nahas, 67, e por Fernando Pimentel, 63, ex-ministro da pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em entrevistas ao UOL. Ambos participaram ao lado de Dilma na luta contra a ditadura como militantes, entre outras organizações, no Colina. Em 1969, Nahas tinha 23 anos e estudava medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já Pimentel, com 17 anos, era aluno do Colégio Estadual Central, localizado na capital mineira e onde a presidente também estudou.
“Ela sempre foi um quadro destacado, uma pessoa com qualidades, dedicada, muito disciplinada no que fazia, muito diligente e entregue à luta. Ela se aplicava muito nas tarefas”, afirmou Nahas.
Por sua vez, Pimentel contou que Dilma “sempre teve grande capacidade de liderança”. “Era aplicada, estudiosa e determinada. Sempre demonstrou coragem e inteireza moral na militância e na prisão”, escreveu Pimentel em e-mail para a reportagem do UOL.
Nahas disse ter integrado uma célula da Colina idealizada para o embate armado contra as forças de repressão. Já Dilma seria de outra vertente da organização. “Nossa intenção era partir para um enfrentamento armado. Nós advogávamos a resistência armada à ditadura através da guerrilha rural e da guerrilha urbana”, disse Nahas. "A ditadura não te dava brecha. Ou você radicalizava ou então se submetia ao regime”,completou.
"Dilma não pegou em armas"
Os dois, no entanto, afirmam que Dilma não pegou em armas. Segundo Jorge Nahas, a então estudante Dilma Rousseff participava de trabalhos denominados de “agitação de massas”. “Ela coordenava trabalhos de agitação de massas, como dizíamos na época. Ela tinha trabalho voltados para os movimentos estudantis e operários. Ela também participava de uma imprensa clandestina, nós tínhamos um jornalzinho que era distribuído nas portas das fábricas e entre os estudantes”, disse Nahas.
Pimentel relembrou os riscos que ele e a presidente corriam na época. O ex-ministro classificou o período como o “mais pesado” da ditadura. “Como é sabido, aquele foi o período mais pesado da ditadura militar, os chamados "anos de chumbo". Os direitos civis tinham sido extintos com o AI-5 (Ato Institucional nº5) e a tortura, as mortes e os desaparecimentos eram prática constante da repressão política. A militância era arriscada, tensa. Sabíamos desse risco, mas fizemos a opção pelo enfrentamento da ditadura. Aliás, boa parte da juventude brasileira se engajou nessa luta, com graus diferentes de envolvimento”, descreveu. Jorge Nahas relembra episódio que culminou com a entrada da presidente na clandestinidade. No início da manhã de 29 de janeiro de 1969, a polícia localizou e estourou um aparelho da Colina localizado no bairro São Geraldo, em Belo Horizonte. Segundo Nahas, houve intenso tiroteio no local. Em decorrência do embate, dois policiais foram mortos.
“Foi uma ação mal conduzida pela polícia. A gente reagiu e dois policiais acabaram sendo mortos. A gente ia ser imediatamente assassinado ali, mas houve uma ação do chefe da diligência que impediu o massacre. Porque seria um massacre, nós já estávamos rendidos”, disse ele.
Nahas relembra que o episódio representou o início do périplo de Dilma na clandestinidade. “Ela iria ser presa porque eles já tinham chegado, de alguma maneira, ao nome dela e estavam de vigília no endereço da família dela em Belo Horizonte. Muito espertamente, ela e o marido perceberam e conseguiram burlar essa vigilância e fugiram. A partir desse momento, ela entrou para a clandestinidade”, relembrou.
Ele afirmou que o grupo acreditava ter se escondido em um aparelho que dificilmente seria rastreado pela polícia. “Tinham sido presos anteriormente um ou dois companheiros. Nós suspeitávamos que eles já estavam no nosso rastro. A gente tinha três aparelhos e nos concentramos, éramos oito pessoas, no terceiro aparelho, achando que a polícia não chegaria lá”, relembrou.
Na véspera, a célula da qual Nahas fazia parte assaltou duas agências bancárias na cidade de Sabará, localizada na região metropolitana de Belo Horizonte.
“Não deixar a ditadura passar batida”
Nahas relembra que, depois da prisão, iniciou um “calvário’ em vários locais usados pelas forças de repressão. Ele afirmou ter ficado um ano e meio preso. A maior parte desse período foi passada em um presídio localizado na cidade de Ribeirão das Neves, cidade na região metropolitana de Belo Horizonte. Ele disse ter sido torturado.
O ex-militante relembrou que boa parte de sua geração se engajou na luta contra a ditadura e que ela cumpriu o objeto traçado. “A gente cumpriu um objetivo fundamental, que era não deixar a ditadura passar batida. A gente resistiu, perdemos, fomos massacrados, mas a nossa derrota, paradoxalmente, foi uma vitória, porque a ditadura não passou batida. Ela ficou marcada por essa resistência, pelo nosso martírio e pela brutalidade dos métodos repressivos”, disse.
Em julho de 1970, Nahas foi libertado em uma troca de 40 militantes presos pelo embaixador alemão Ehrenfrid Von Holleren, sequestrado por guerrilheiros no Rio de Janeiro. Em seguida, ele disse ter sido expulso do país, sendo asilado em Cuba, onde terminou o curso de medicina. Ele voltou ao Brasil em 1979 após a anistia. O ex-militante contou ter participado da criação do PT.
“Eu fui banido do país, não tinha mais cidadania. Cuba nos recebeu como exilados políticos. A nossa intenção era voltar ao Brasil, de maneira clandestina, mas não deu”, contou. Na iminência de se aposentar, Nahas disse acreditar que boa parte de sua geração cumpriu um papel destacado na luta contra a ditadura.
O ex-ministro Pimentel afirmou ter sido preso em 1970, em Porto Alegre. Depois de um ano, foi transferido para Juiz de Fora, em Minas Gerais. Ele declarou também ter sido torturado. “Sofri agressões físicas e sessões de choques elétricos durante vários dias”, descreveu.
Ele não saiu do país, cumprindo no território nacional o tempo de prisão, sendo libertado em 1973.
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