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Cozinha em plena Paulista mantém acampamento de sem teto e recebe doações

16.fev.2017 - Mulheres cuidam de cozinha em acampamento de sem teto montado em plena avenida Paulista - Janaina Garcia/UOL
16.fev.2017 - Mulheres cuidam de cozinha em acampamento de sem teto montado em plena avenida Paulista Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

16/02/2017 19h31

Imagine uma cozinha ao ar livre, para centenas de convidados famintos, em plena avenida Paulista --um dos principais cartões postais de São Paulo? A estrutura, bastante improvisada, é o que está sustentando um grupo de manifestantes sem teto que, desde ontem, protesta por moradias a famílias de baixa renda em frente ao escritório da Presidência da República na capital paulista. O local é também o que concentra um dos maiores fluxos de carros e pedestres na avenida: o cruzamento com a rua Augusta.

A cozinha comunitária foi uma das primeiras ações do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) quando foi tomada, já no início da noite de quarta-feira (15), a decisão de acampar na Paulista. O grupo esperava que algum representante do governo federal negociasse com lideranças do movimento, o que não aconteceu até agora.

Espécie de líder do grupo de cinco mulheres responsáveis pela alimentação dos sem teto, a professora e cozinheira Débora Pereira de Lima, 29, contou que pelo menos dez pessoas de fora do movimento passaram por lá para doar mantimentos nesta quinta-feira (16).

"A gente improvisa aqui fazendo comida para muitos sem teto --e mesmo moradores de rua vêm nos pedir comida. Ontem fizemos sopa; hoje fizemos o café da manhã, normalmente, e, no almoço, teve macarrão, salsicha, omelete, arroz e feijão", elencou.

16.fev.2017 - Débora Pereira de Lima é uma das responsáveis pela cozinha montada no acampamento dos sem teto que estão na avenida Paulista reclamando por moradia - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Débora Pereira de Lima é uma das responsáveis pela cozinha montada no acampamento dos sem teto que estão na avenida Paulista reclamando por moradia
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Integrante do movimento há cinco anos --"tenho três filhos pequenos, mas moro de favor com minha mãe, na zona sul" --, ela contou que a cozinha improvisada em lugar de grande movimentação, como a Paulista, está longe de ser experiência mais trabalhosa desse período.

"O mais tenso, sem dúvida, foi ter que lidar com repressão da polícia em acampamento quando eu ainda estava grávida", relatou. "Agora, o mais difícil mesmo é quando algumas pessoas passam por aqui e nos chamam de 'desocupados'. Fico triste, mas penso que é quem não tem ideia do senso de coletividade e solidariedade que temos tido aqui", desabafou.

Até quando a cozinha fica montada na Paulista? "Até a gente ter um resultado positivo. Vamos lutar", concluiu.

Integrante do movimento, a autônoma Alcione da Silva Barros, 43, aproveitava o acampamento hoje à tarde para faturar algum dinheiro, segundo ela, para pagar o transporte: vendia pedaços de bolo e café a R$ 2 a porção.

"Moro de aluguel em Guaianazes [zona leste] e estou há muito tempo na fila para ter minha casa. Não tinha necessidade de estarmos aqui, hoje, se os políticos nos vissem. É uma situação meio humilhante para nós, mas é o que nos sobra, se não nos dão direito ao básico", relatou.

Pedestres demonstram apoio aos sem teto

As barracas acabaram atrapalhando o trajeto dos pedestres, especialmente quem entra e sai da estação Consolação do metrô. Para vários deles ouvidos pela reportagem do UOL, contudo, a causa dos sem teto justifica o transtorno.

"Acho maravilhoso isso que estão fazendo, ainda mais em um lugar simbólico como a Paulista. É jogar na cara que não adianta gestão se tem pessoas em uma situação dessas", avaliou a antropóloga Maisa Fidalgo, 26.

"O acampamento deles gerou um problema de locomoção especialmente para sair do metrô. Mas se a intenção deles é mostrar que não são invisíveis, não vejo outro lugar que não a Paulista. Mesmo porque, não é de agora que a gente tem visto pessoas sem moradia", considerou o estudante Pablo Costa, 22, que faz bico, como músico, na avenida.

"É justíssima a causa deles: moradia. Gasta-se tanto no Brasil com corrupção que não é possível que não ofereçam financiamento à moradia popular, ainda mais em São Paulo. Basta boa vontade", declarou a professora aposentada Tati Lorenzoni, 62. 

Para a médica veterinária Mariana Tourinho, 30, o acampamento atrapalha o fluxo, "mas, se for pacífico, não vejo problema". "Não é aqui na Paulista onde as coisas acontecem? Então, os sem teto estão no lugar certo, sou a favor", reforçou o quadrinhista Wander Antunes, 50.

Administrador e funcionário de uma empresa na Paulista, Leonardo Vianna dos Reis, 29, considerou que o ato do MTST "atrapalha muito quem vem de metrô para a avenida. "Gosto da forma como o governo, em um momento em que não tem condições de fazer subsídios, está lidando com o Minha Casa, Minha Vida --ampliou o acesso ao programa a mais faixas interessadas, por exemplo", argumentou.

O MTST afirma que o governo do presidente Michel Temer (PMDB) suspendeu a construção de moradias da faixa 1 do programa, voltado a famílias com renda de até R$ 1.800, ao mesmo tempo em que expandiu o limite de crédito de faixas de renda superiores.

Mais cedo, a assessoria da Presidência informou que não comentaria o ato do MTST, nem que abriria negociação com líderes do movimento.