MP investiga ex-desembargadores por nepotismo e pedido de propina em causa de R$ 500 mi
O MP-BA (Ministério Público da Bahia) apura em investigações separadas a conduta dos desembargadores aposentados do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia) Daisy Lago Ribeiro Coelho e Clésio Rômulo Carrilho Rosa.
Na primeira investigação, a dupla é suspeita de praticar nepotismo cruzado. A segunda averigua um suposto pedido conjunto de propina de 10% relacionado a uma disputa judicial avaliada em pelo menos R$ 500 milhões.
Os dois ex-magistrados negam ter cometido qualquer irregularidade.
Nepotismo cruzado
A primeira investigação, iniciada após uma inspeção do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) realizada em 2013, aponta que os magistrados teriam cometido nepotismo cruzado: uma filha de Daisy Lago estava lotada no gabinete de Clésio Carrilho (em Salvador), mesmo morando em São Paulo; por sua vez, uma irmã do então desembargador estava na lista de funcionários do gabinete da colega.
"Existe ainda um agravante: foi constatado que nenhuma das duas parentes trabalhava efetivamente, ou seja, eram funcionárias fantasmas. Essa conduta caracteriza também enriquecimento ilícito", afirma a promotora de Justiça Rita Tourinho, autora da ação de improbidade administrativa contra os ex-desembargadores.
"Houve um prejuízo aos cofres públicos superior a R$ 500 mil, que são referentes aos salários recebidos pelas funcionárias que não exerceram suas funções. Pedimos que esse valor seja ressarcido", diz ela. A ação tramita desde janeiro de 2016 na 6ª Vara da Fazenda Pública de Salvador.
Processo milionário
Em outubro passado, os dois ex-magistrados foram conduzidos coercitivamente para prestarem depoimentos a promotores que compõem o Gaeco (Grupo de Combate ao Crime Organizado) do MP-BA durante a deflagração da Operação Leopoldo.
O nome da operação é uma referência direta ao espólio de Leopoldo Batista de Souza, cujos herdeiros brigam judicialmente, desde meados da década de 1990, com o Bradesco, sucessor do Banco Econômico --primeira instituição financeira de grande porte a ser liquidada após o lançamento do Plano Real. Ao morrer, Leopoldo tinha créditos a receber do antigo banco. Seus familiares buscam na Justiça que o Bradesco assuma essa dívida.
Pelos cálculos contidos no processo, os créditos variavam entre R$ 500 milhões e R$ 940 milhões.
"Esta demanda foi julgada favoravelmente aos herdeiros na Justiça baiana na primeira instância e determinava que o Bradesco assumisse a posição de devedor em substituição do Banco Econômico e pagasse os valores devidos aos herdeiros", afirma o promotor de Justiça Luciano Taques, chefe do Gaeco baiano.
O Bradesco recorreu da decisão ao TJ-BA. "Várias ações semelhantes tinham sido ajuizadas e o tribunal baiano já tinha uma jurisprudência que indicava que o banco tinha que arcar com aqueles créditos, contudo, nessa demanda específica, o mesmo tribunal entendeu em 2011 que o Bradesco não tinha que arcar com a dívida", diz o promotor Luciano Taques.
Diante da decisão negativa, os herdeiros de Leopoldo entraram com um recurso no próprio TJ-BA e pediram que seu advogado marcasse uma audiência com a relatora do caso, a então desembargadora Daisy Lago.
Cada envolvido receberia 5% de propina
"O advogado afirmou que não tinha acesso direto à desembargadora, mas a um outro desembargador próximo a ela", conta Taques. O desembargador, no caso, é Clésio Carrilho, conforme o UOL apurou junto a pessoas ligadas à investigação --Taques não confirma os nomes dos investigados.
"Quando o advogado retornou do encontro com o desembargador, falou de imediato a respeito do pedido de propina", acrescenta. O recado aos herdeiros, segundo Taques, seria o seguinte: a relatora Daisy Lago julgaria a causa favorável a eles desde que recebesse 5% do valor da ação, e Clésio Carrilho, por servir de intermediário, receberia outros 5%. "A propina a ser dividida entre os dois desembargadores renderia no mínimo R$ 25 milhões para cada um".
"A relatora sentou em cima do processo e não decidia. O processo estava paralisado havia dois anos. Os herdeiros se sentiram pressionados e resolveram aceitar", afirma o promotor.
"Foram produzidos contratos fictícios de honorários advocatícios. Os dois desembargadores indicaram escritórios de parentes para que fossem feitos contratos de gaveta e assim criarem uma justificativa para a vantagem indevida a ser recebida", afirma Taques. Também são investigados três advogados --dois deles familiares dos magistrados aposentados.
Após o acerto, decisão favorável
Em abril de 2014, a desembargadora Daisy Lago deu um voto favorável à demanda dos herdeiros de Leopoldo. O Bradesco recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Por isso a propina não teria sido paga aos desembargadores, que, posteriormente, se aposentaram.
A investigação do MP baiano começou em dezembro de 2015. Meses depois, foi deflagrada a Operação Leopoldo, que cumpriu mandados de busca e apreensão em imóveis de Salvador e conduziu coercitivamente os magistrados e advogados envolvidos no esquema.
"Na verdade, a então desembargadora não precisava dar a decisão favorável para configurar o crime, pois a corrupção passiva se caracterizou com a solicitação da vantagem ilícita. O ato de pedir a propina já configura crime", afirma Taques. A expectativa é que o MP baiano ofereça denúncia contra os magistrados nos próximos 30 dias, após o término da perícia nos computadores dos investigados.
Procurado pelo UOL, o Bradesco afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não se manifesta sobre assuntos que estejam sob a esfera judicial".
Outro lado
Em entrevista telefônica, o desembargador aposentado Clésio Carrilho negou ter cometido qualquer ato ilegal. "Um dos meus filhos atuou neste processo. Por esta razão, um dos advogados que me conhecia pediu que intercedesse para que meu filho fizesse um desconto nos honorários cobrados. Esta foi minha participação neste caso", afirma o ex-magistrado. "Nunca tratei com pessoa alguma sobre qualquer vantagem indevida."
A respeito da ação de improbidade administrativa sobre nepotismo cruzado, Clésio Carrilho atribui a denúncia "a inimigos que tinha no tribunal". Ele afirma: "O único lucro que tive nessa história foi o falecimento da minha irmã. Não há nepotismo cruzado porque era servidora concursada do próprio tribunal. Esse é um entendimento do próprio STF (Supremo Tribunal Federal)".
Também ouvido pela reportagem, o defensor do ex-desembargador, o criminalista Maurício Vasconcelos, afirmou que não há elementos no caso da Operação Leopoldo que comprovem qualquer conduta ilegal por parte de seu cliente.
Entre quarta-feira (15) e segunda-feira (20), o UOL ligou diversas vezes para quatro telefones indicados como pertencentes à desembargadora aposentada Daisy Lago, mas ninguém atendeu os telefonemas. A reportagem conversou ainda com um advogado que defende a irmã da ex-magistrada, também investigada no âmbito da Operação Leopoldo, mas ele alegou "razões éticas para não falar sobre o assunto". A reportagem apurou que Daisy Lago negou ter cometido ilegalidades quando prestou depoimento ao MP-BA.
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