Garotos-propaganda de delações? Papel do STF em acordos gera debate entre ministros
Uma manifestação do ministro Luiz Fux durante julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), na tarde desta quinta-feira (22), provocou um debate acerca do papel da Corte durante a apreciação dos benefícios concedidos a colaboradores em delações premiadas pelo Ministério Público. Os ministros estão analisando se o ministro Edson Fachin deve ser mantido como relator do acordo de colaboração dos executivos da JBS no Supremo e se a decisão de homologá-lo deveria ter sido tomada apenas por ele, e não pelo conjunto dos 11 ministros.
"Verificar legalidade [da delação] é diferente de verificar eficácia. Uma vez homologada a delação, porquanto voluntária, formalmente regular e obedecendo os trâmites legais, só restará no momento do julgamento, a verificação da sua eficácia, no afã do descobrimento do crime objeto da sua delação", declarou Fux. "Eu entendo que isso deva ficar bem claro, para evitar que, no futuro, não se venha a arguir no tribunal invalidade de delações premiadas. A minha posição é essa", completou.
"E a fixação dos benefícios [dos delatores]? A quem cabe? É uma sinalização ou é definitivo?", questionou o ministro Marco Aurélio Mello, interrompendo Fux, que respondeu: "no meu modo de ver é definitivo".
O ministro Luís Roberto Barroso então interveio: "o que o Ministério Público ajusta com o colaborador premiado deve ser cumprido, a menos que o colaborador não cumpra a sua parte".
Marco Aurélio rebateu dizendo que não é isso que está na legislação. "Na prolação da sentença, serão definidos os benefícios. Agora eu não confundo com essa definição, que só cabe ao julgador, com a propositura ou não da ação penal", disse o ministro.
Fux, por sua vez, comentou que a discussão estava "sendo ótima porque as posições estão sendo colocadas". Dizendo que ainda era cedo para definir essa questão, porque ainda não há sequer um processo-crime em julgamento, Marco Aurélio fez um alerta em tom de ironia.
Nós corremos o risco de nos tornarmos, muito embora integrando o Supremo, garotos-propaganda da delação premiada
Ministro Marco Aurélio Mello
O ministro Marco Aurélio defendeu que, apesar de os benefícios dos delatores serem negociados pelo Ministério Público, a efetiva concessão do acordado depende da análise do juiz, que é quem determina a pena.
Marco Aurélio, no entanto, acabou defendendo os termos negociados na delação da JBS. "No caso concreto eu acredito piamente que o procurador-geral da República tenha feito um bom negócio jurídico penal", disse.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o plenário do STF poderia sim rever os termos do acordo de colaboração, caso seja identificada alguma ilegalidade nos termos da delação.
"Não podemos subtrair do colegiado [o plenário do STF] e tornar definitiva a cognição sumária, a cognição efêmera do relator, quando examina a homologação numa primeira abordagem, numa primeira perspectiva", disse.
Debate acalorado
O debate sobre o papel do Supremo na revisão dos termos dos acordos provocou um momento de debate acalorado entre os ministros.
O ministro Gilmar Mendes afirmou, ironicamente, que se o tribunal não puder avaliar os benefícios da delação, seria melhor entregar ao relator também todo o julgamento do processo.
“Há uma contradição aqui. Uma coisa é dizer que se trata de uma medida cautelar de produção de provas e só o relator pode fazê-lo num procedimento sigiloso. Agora se se afirma que essa decisão ganha foros de definitividade, porque já não dar ao relator o julgamento do processo e suprimir o colegiado”, disse Mendes.
Luís Roberto Barroso rebateu que não faria sentido o Ministério Público negociar benefícios em troca de provas para depois o Supremo alterar os termos do acordo.
“Contradição haveria se o Ministério Público pudesse negociar com o delator, assim, você entrega as mais poderosas autoridades da República, com grande poder de retaliação, em troca de prisão domiciliar e depois vem o Supremo e diz: eu considero que esse acordo é ilegal e você vai pra cadeia”, disse. “Porque isso desmoraliza a colaboração premiada”, afirmou Barroso.
O ministro Ricardo Lewandowski respondeu a Barroso, invocando o poder do STF na estrutura do Judiciário.
Mas a maior autoridade judicial do país é o Supremo Tribunal Federal.
Ministro Ricardo Lewandowski
O Ministério Público pode não denunciar. Se ele pode não denunciar porque ele não pode dar uma pena menor.
Ministro Luís Roberto Barroso
Nesse ponto do debate, o ministro Marco Aurélio lembrou que a definição das penas cabe ao juiz e não ao Ministério Público, que apenas apresenta a denúncia.
“Confesso que nunca vi o Ministério Público apenando quem quer que seja. Quem apena é o Judiciário”, disse Marco Aurélio.
Gilmar Mendes pede "respeito" ao voto
No final desta parte da sessão, que foi suspensa por 30 minutos, Barroso e Gilmar Mendes se envolveram em um bate-boca no plenário.
O primeiro defendeu que o debate é indispensável, porque se estava discutindo o poder do relator. "Nós temos que definir a extensão e a profundidade da missão que ele tem. Os temas de legalidade têm que ser enfrentados nesse momento", disse Barroso.
"Para dar um exemplo real. Se no caso concreto o Supremo venha a declarar ilegítima por qualquer razão uma gravação ambiental, que, no entanto, foi levada em conta no momento da celebração do acordo. Eu acho que a eventual invalidação da gravação ambiental não contamina a colaboração premiada se o procurador-geral tiver proposto o acordo e o relator tiver homologado. Eu acho que nós tiraremos a segurança jurídica do instituto da colaboração premiada se não definirmos isso e não diremos qual é o papel do relator", argumentou.
O ministro foi então questionado por Ricardo Lewandowski. "Vossa excelência destacou uma nulidade, que nós chamamos de relativa. Mas se o plenário se defrontar com uma nulidade absoluta, ele vai fechar os olhos a isso?", perguntou.
Neste momento, Gilmar Mendes tomou a palavra e o embate com Barroso começou. "Neste caso, por exemplo, se discute se não se tratou de uma ação controlada por parte do Ministério Público e não por parte do relator. Esta é uma questão que está posta no debate. A 'Folha de S.Paulo' sustenta que a gravação foi combinada previamente com o Ministério Público e que houve treinamento. Vamos dizer que se prove este fato a posteriori", disse o ministro.
"O colaborador premiado não tem culpa, ele seguiu a autoridade pública", comentou Barroso. "Essa questão não vai poder ser analisada pelo relator e pelo plenário?", perguntou Mendes.
Barroso então defendeu que a prova poderá ser avaliada, mas não a validade da colaboração. "Esta é uma questão que vai ter que ser posta", disse Mendes. "E é isso que eu estou dizendo, que já não concordo", afirmou Barroso. "E é aí que estamos divergindo", rebateu Mendes.
Todo mundo sabe o caminho que se vai tomar, e portanto eu já estou me posicionando antes, sou contra. Todo mundo sabe o que se quer fazer aqui lá na frente, então eu não quero que se faça lá na frente. Já estou dizendo agora que não aceito
Ministro Luís Roberto Barroso
Gilmar, por sua vez, disse que esta era a opinião de Barroso e pediu que o colega deixasse os outros votarem e respeitasse as posições alheias.
Se esta é a opinião de vossa Excelência, deixa os outros votarem
Ministro Gilmar Mendes
"Estou respeitando. Inclusive foi vossa Excelência que ontem suscitou que a questão não é só essa, temos outras considerações. E em consideração à reflexão de vossa Excelência, eu trouxe a minha. Não pode ser: 'ah, acho que vou perder, então vambora'. Não, estamos discutindo", conlcuiu Barroso.
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