O STF pode suspender o exercício de mandato de senador de Aécio?
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de afastar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do cargo de senador gerou tanto um embate institucional entre a Corte e o Senado quanto uma discussão sobre se cabe ao Judiciário suspender as atividades de mandatos eletivos.
Por 3 votos a 2, os ministros da 1ª Turma do STF determinaram que o tucano cumpra recolhimento domiciliar noturno, além de entregar o passaporte e se afastar do exercício parlamentar.
Senadores reagiram à decisão com o argumento de que a medida cautelar imposta ao senador não está prevista na Constituição. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, chegou a dizer que há um "vácuo legal" em relação à questão. "Prisão pode ser feita em flagrante delito e o Senado decide [se autoriza a . A alternativa colocada não tem regra clara. Ou não pode, ou tem que criar solução. E a solução tem que ser pela legislação", disse o deputado.
Nesta quinta-feira (28), Senado decidiu que votará, na próxima semana, se acata ou não a decisão do Supremo.
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Os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, que votaram a favor das medidas cautelares contra o tucano, afirmam que o artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal) permite medidas análogas à prisão, como o recolhimento domiciliar noturno. Rosa Weber acompanhou os colegas. Marco Aurélio e Alexandre de Moraes foram vencidos.
Mas, afinal, há uma previsão legal para que o STF afaste Aécio Neves do cargo de senador e o mantenha em casa à noite?
Três especialistas ouvidos pelo UOL confirmam que não existe um artigo na Constituição que trate especificamente de suspensão de cargos eletivos nem sobre a aplicação de medidas cautelares contra membros do Congresso Nacional.
A Carta diz que deputados e senadores podem ser presos apenas em casos de flagrante de crime inafiançável. Nesta situação, segundo o artigo 53, o processo judicial deveria ser remetido à Casa Legislativa em 24 horas. A prisão seria definida pela aprovação ou rejeição da maioria dos parlamentares.
Entre os ministros do STF, há inclusive divergência se o recolhimento noturno pode ser equiparado à prisão. “O que nós tivemos foi a decretação de uma prisão preventiva em regime aberto. Vamos usar o português. Ao invés de ele se recolher a casa do albergado, ele se recolhe à própria residência, que acredito que seja mais confortável”, disse o ministro Marco Aurélio.
“Com todo o respeito a todas as opiniões, não há uma dúvida jurídica aqui. O direito é claríssimo. Agora, as pessoas todas podem ter a sua opinião política a respeito dessa matéria, menos eu, que não sou comentarista político”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, que votou pelo afastamento e recolhimento de Aécio.
Para Carlos Gonçalves Júnior, doutor e mestre em Direito do Estado da PUC-SP, o Supremo adotou uma "decisão perigosa" sem respaldo na Constituição. "O Judiciário está fazendo uma interferência muito agressiva no [Poder] Legislativo. A Constituição não previu a suspensão do mandato", pontua.
Gonçalves Júnior defende que, se não há previsão legal expressa, o Supremo deveria ter baseado a decisão de afastamento de Aécio Neves no artigo 53. "O Senado pode, sim, dizer que a determinação do STF tem que ser ratificada pela Casa".
O artigo do CPP citado pelos ministros do STF não poderia se sobrepor à Carta, afirmam os especialistas. "A Constituição está acima do nível legal", argumenta o advogado Alexandre de Carvalho, especialista em direito processual penal.
"O certo é interpretar o Código Penal à luz da Constituição. E não a Constituição à luz do CPP. A imunidade parlamentar foi garantida pela Constituição, não pode ser relaxada pelo legislador ordinário penal", reforça Gonçalves Júnior.
O artigo 319 do CPP prevê, entre as medidas cautelares alternativas à prisão, a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”. O dispositivo legal não especifica, no entanto, quais seriam as funções públicas que poderiam sofrer essas sanções.
STF é obrigado às vezes a intervir, diz Beçak
Rubens Beçak, professor de direito constitucional da USP, entende que a ausência de artigo específico na Constituição sobre o caso de Aécio Neves não invalida a decisão do STF.
"É legítimo que os três Poderes sejam autônomos. Mas cabe ao Supremo ser o último intérprete da Constituição e ditar como agir numa situação específica. O STF não está tentando diminuir o Senado. O Supremo, às vezes, é obrigado a intervir nos outros Poderes", afirma.
Na avaliação do professor, a situação do senador Aécio Neves deve ser tratada como peculiar. Segundo ele, os ministros do STF entenderam que era preciso aplicar medidas cautelares para que o parlamentar não embaraçasse as investigações. "Essa é a interpretação corrente de quem está trabalhando nessa área específica. Os ministros entenderam que não cabe a prisão, mas é necessário manter a sanidade do processo", diz.
Entenda as investigações
Aécio passou a ser investigado a partir da delação premiada de executivos da JBS. A Procuradoria aponta que o senador pediu R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, para supostamente pagar seus advogados de defesa em casos relacionados à Operação Lava Jato.
O diálogo em que Aécio pede o dinheiro a Joesley foi gravado secretamente pelo empresário, que fechou acordo de colaboração premiada.
Essa investigação levou à apresentação de denúncia contra Aécio por corrução e obstrução de Justiça e à instauração de um novo inquérito contra o senador para apurar suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro, também a partir das investigações iniciadas com a delação da
O que diz Aécio
A defesa do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) divulgou nota na noite desta quinta-feira (28) dizendo que o afastamento do tucano do exercício do mandato, ordenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) "não está autorizada pela Constituição" e causa "desequilíbrio entre os Poderes da República e o agigantamento do Judiciário".
Desde o início das investigações, Aécio tem negado todas as acusações contra ele. Seu advogado, Alberto Zacharias Toron, afirmou, em nota, à época da denúncia que a defesa do senador “refuta integralmente” o teor da acusação apresentada pela PGR e disse ver uma “inexplicável pressa” da Procuradoria em apresentar a acusação, oferecida antes de o senador ser ouvido para prestar esclarecimentos.
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