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Fake news não são como boato, são criadas para gerar lucro, diz diretor do UOL

Seminário sobre fake news no Congresso teve a participação do diretor de conteúdo do UOL, Rodrigo Flores (segundo da esq. para a dir.) - Gustavo Maia/UOL
Seminário sobre fake news no Congresso teve a participação do diretor de conteúdo do UOL, Rodrigo Flores (segundo da esq. para a dir.) Imagem: Gustavo Maia/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

12/12/2017 16h51Atualizada em 12/12/2017 17h55

O termo “fake news”, que em português é traduzido como “notícias falsas”, se encontra no centro de discussões sobre democracia no Brasil e no mundo. Combatido principalmente no âmbito eleitoral, o fenômeno ainda não tem definição consensual entre especialistas de comunicação. Há, por exemplo, quem o considere um mero sinônimo de “boato”.

Não é o que pensa o diretor de conteúdo do UOL, o jornalista Rodrigo Flores. Durante o seminário “Fake news e Democracia”, realizado no Senado, em Brasília, nesta terça-feira (12), ele compartilhou sua definição: “conteúdo deliberadamente falso que mimetiza notícia e é distribuído em rede social com o intuito de gerar benefício (econômico, político etc)”.

“Eu não sei se eu concordo muito quando a gente compara fake news com boato. Boato é uma coisa jocosa, informal”, disse, acrescentando que tratava das “notícias falsas” como algo “estruturado” e “maquiavélico”. “Não é erro. A imprensa erra. Mais do que deveria, inclusive. Mas o erro é mal visto. Corrigimos e lutamos para não errar”, declarou.

Flores argumentou que a distribuição de conteúdo falso só é possível se existir um canal para que ele seja difundido, citando as redes sociais e celulares como meios “tão revolucionários para o negócio [da comunicação] quanto a internet foi”. A preocupação, segundo o jornalista, é com a banalização do termo.

O diretor do UOL lembrou, por exemplo, que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, costuma atacar veículos de comunicação, como a emissora CNN, com a expressão “fake news”, sempre que elas publicam informações desfavoráveis a ele.

“Jornalismo de qualidade é obrigação, mas não tem sido eficiente para combater esse fenômeno”, opinou. Flores citou ainda as empresas de verificações de fatos, “que fazem um belíssimo trabalho e têm um ofício ingrato”. “Elas lutam com muita dificuldade, pois não existe um modelo de negócio”, disse.

Flores citou ainda o "UOL Confere”, iniciativa da empresa para checagem e esclarecimento de fatos, destacando que as reportagens geralmente estão entre as cinco mais lidas do site no dia da publicação. “Não raro é a mais lida do Brasil, no nosso caso.”

Uma matéria desmentindo que a ex-primeira dama Marisa Letícia era servidora do Congresso Nacional, por exemplo, foi acessada por mais de 1 milhão de pessoas. 

Falando sob a perspectiva do dia a dia da redação, ele apontou que aproximadamente 3/4 das pessoas acessam as notícias chegam a elas por uma “porta lateral”, e não diretamente pelos sites dos veículos.

“A timeline do Facebook é a homepage das pessoas”, afirmou, acrescentando que 47% que leem as notícias por meio das redes sociais não sabem a origem do que estão lendo.

E é aí que surge a resposta evasiva ‘fiquei sabendo no Facebook”. Como exemplo, ele citou a notícia falsa que foi mais acessada durante as eleições americanas do ano passado: “Papa Francisco choca o mundo, endossa Donald Trump para presidente, divulga comunicado”.

Flores defendeu ainda que é preciso educar plataformas como Facebook e Twitter “pelo bolso”. “Eles ganham dinheiro com isso. Não podem se isentar dizendo que são meras plataformas porque têm o algoritmo dizendo o que você vai ver e o que não vai ver na sua timeline”, declarou.

Na opinião do secretário-executivo da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Guilherme Alpendre, o próprio termo "fake news" é um paradoxo. “Para ser news, notícia, tem que ser verdadeiro, e não pode ser fake (falso)”, disse o jornalista, que prefere usar a palavra “boato”.

Durante sua palestra, ele apontou possíveis saídas para combater o fenômeno:

- Restrição à publicidade em Google e Facebook
- Alertas aos usuários de que conteúdo está em “em disputa” [sendo questionado por leitores]
- Desativação de contas falsas
- Atribuição de ‘notas’ aos conteúdos a partir de critérios definidos
- Ensinar pessoas a parar de repassar “fake news”
- Saber o que ignorar mesmo na hora de combater a desinformação
- Ação governamental

Para a jornalista Bia Barbosa, secretária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, o fenômeno das “fake news” não se restringe à internet, que “potencializa e aumenta brutalmente o alcance desses conteúdos”, mas não é o único ambiente onde ele se desenvolve.

Ela alertou para o risco de encarar a discussão sem considerar a realidade brasileira, diferente das demais ao redor do mundo, e ressaltou a manipulação editorial da informação e do conteúdo, a desinformação não-intencional e a descontextualização de um fato.

Sobre a preocupação da influência de notícias falsas nas eleições, Bia apontou a influência dos meios de comunicação tradicional em pleitos anteriores. Ao fim de sua fala, ela apontou como resposta "mais liberdade de expressão, e não menos".

Realizado pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, o evento discute o universo das notícias falsas e tem como objetivo subsidiar a elaboração de projetos de lei para combater a difusão das “fake news” nas redes sociais.

Para o presidente do conselho, Murillo de Aragão, o fenômeno representa risco para a liberdade de informação e para o sistema democrático.

Riscos

Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital, o promotor de Justiça Frederico Meinberg Ceroy alertou para a possibilidade de uso de “não apenas robôs, mas de um exército de pessoas, muitas vezes terceirizadas, que vão para cima de um inimigo político”.

Para ele, a ideia de bloquear ou criar sistemas de filtros de "fake news" resolve apenas em parte, já que podem ocorrer ataques em massa para denunciar publicações e retirá-las de redes sociais, por exemplo. “Existem ‘n’ formas de você bagunçar uma eleição que não apenas fake news”, declarou.

O promotor defendeu que o combate da difusão de notícias falsas, em regra, tem que ser feito na fonte, para não correr o risco de disseminá-las. “A retirada simples de um conteúdo talvez não resolva”, comentou, sugerindo mecanismos de fortalecimento de mídia tradicional como a criação de selos de conteúdo.

Ceroy também lembrou da reforma política aprovada esse ano, que alterou a legislação eleitoral para legalizar o impulsionamento de notícias por meio de plataformas digitais para dizer que “o grande vitorioso” do processo foi o Facebook.