Topo

Em resposta à Lava Jato, OAB dá a advogados direito de investigar

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/12/2018 16h41

O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) aprovou um provimento que garante aos advogados de todo o país a realização de diligências investigatórias e a condução de inquéritos defensivos. A medida foi validada de forma unânime pelos conselheiros no último dia 11, após uma série de críticas de advogados à restrição de defesa de réus, especialmente na Operação Lava Jato.

Hoje, o MP (Ministério Público) é o titular da ação penal, cabendo a ele receber o inquérito policial, tomar depoimentos e fazer diligências para, a partir de então, apresentar denúncia contra acusados à Justiça.

"O MP tem uma participação efetiva na apuração de provas e ao advogado, no exercício da defesa do cidadão esses meios são muito pequenos", explica o relator da proposta na OAB, Nilson Araújo dos Santos.

O conselheiro federal Raimundo Palmeira foi o primeiro relator do projeto ainda na comissão de Direito Penal da OAB. Ele afirma que a medida é um primeiro passo para restabelecer a "democracia às partes" na fase pré-processual.

"Esse é um passo importantíssimo. Agora, nossas requisições têm atendimento obrigatório de documento, desde que não se entre nos sigilos como o telefônico. Por exemplo: se eu sei que há um arquivo que prova que o meu cliente não estava no local no crime, não vou requerer, vou requisitar sob pena de, em negativa, diligenciar in loco", afirma.

Resposta à Lava Jato

Segundo o propositor do projeto entregue à OAB, Gabriel Bulhões, a medida serve como uma resposta a supostos abusos cometidos na operação Lava Jato. "Com certeza é uma resposta, sim, mas não se resume a isso: a inspiração é o modelo italiano, que surgiu com o fim da Operação Mãos Limpas. Estamos tentando antecipar esse processo histórico no Brasil para que a advocacia não se dê conta somente ao final da Lava Jato que está exercendo um papel meramente protocolar", diz Bulhões.

Durante a pesquisa sobre o tema --que começou no início de 2017, no Rio Grande do Norte-- ele afirma que, na Itália, só "após uma década da operação Mãos Limpas é que a advocacia se deu conta que exerceu um papel protocolar". "Foi algo meramente formal, os advogados não tiveram como dar vazão a suas teses", diz.

Para Raimundo Palmeira, o país vive retrocesso penal por conta do que chama de "histeria punitiva." "Tivemos um retrocesso no direito de defesa, e percebemos que com o aumento da violência isso aumenta porque tende-se a dar respostas rápidas e duras. Só que, se restringe-se o direito de defesa, restringe-se todos os demais direitos, porque ele é a voz do cidadão." 

"O sistema brasileiro traz que, na dúvida pró-réu. Mas com a histeria punitiva isso é só falacioso: quando há dúvida, condena-se. E pior: essas penas são mantidas pelos tribunais superiores", completa.

Paridade garantida

O professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, Edson Baldran, é um pesquisador e entusiasta da ideia aprovada pela OAB. Ele diz que agora a defesa ganha paridade com a acusação.  

"Em 14 de maio de 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu o direito de exercício de investigação direta pelo MP [Ministério Público], e com isso abriu-se a necessidade de que também a defesa fosse conferido poderes similares", afirma.

O professor acredita que com a investigação de defesa, a advocacia ganha um "importante protagonismo" para produzir provas no processo penal. "Ele vai deixar de ser um espectador inerte na fase da investigação preliminar. Nessa fase, as possibilidades de construção de elementos de convicção de seu interesse ficavam condicionadas ao atendimento de requerimentos da polícia, do MP e do Judiciário. Agora eu tenho a figura do defensor que se defende provando, pois ele passa a ter os poderes legais", pontua. 

Baldran diz que não vê a aprovação como uma resposta direta à Lava Jato --já que ele diz que o tema começou a ser estudado há mais de uma década no país. Entretanto, o professor afirma que a medida da OAB veio no momento oportuno. 

"Era uma necessidade sentida pela advocacia criminal. Mas claro que temos uma coincidência [com o andamento da Lava Jato]. No modelo italiano, verificamos que essa medida deu uma eficácia muito maior com expansão dos direitos dos advogados de defesa após a operação Mãos Limpas. Tanto lá como aqui focou-se na percepção de que o advogado não era merecedor das garantias que a Constituição dá de paridade de armas no devido processo legal. Existe a coincidência [de ser durante a Lava Jato], sim, e claro que isso nos anima", afirma Baldran.