Técnicos no governo agradam militares, mas religião e recuos preocupam
A escolha de quadros de primeiro escalão do governo feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) alegando critérios técnicos e sem indicações partidárias agradou militares do Exército. No entanto, recuos em decisões e questões envolvendo religião e mudanças no sistema de seguridade social das Forças Armadas geram preocupação nos primeiros dias do novo governo, segundo militares ligados à cúpula da instituição afirmaram ao UOL.
A reportagem ouviu seis oficiais influentes no Exército a respeito de suas visões individuais sobre o governo. Institucionalmente, a força diz que é um órgão de Estado e se expressa apenas pelas palavras de seu comandante, Edson Leal Pujol --que em sua única entrevista, desde que tomou posse na semana passada, defendeu o sistema de seguridade social dos militares.
Segundo esses oficiais, os primeiros dias do governo causaram apreensão em relação a declarações do presidente posteriormente desmentidas por ele ou por membros de sua equipe --como um aumento no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a intenção de dar autorização ao governo norte-americano para instalar uma base militar no Brasil (proposta que desagrada boa parte dos militares).
Os recuos seriam sinal, na opinião desses militares, de uma possível falta de comunicação entre os diversos braços do novo governo. Em uma tentativa reverter o quadro, Bolsonaro nomeou nesta semana um porta-voz oficial, que é um general da ativa do Exército.
Outro fator de preocupação é um eventual aumento da influência de grupos religiosos na administração pública. Nas primeiras semanas de governo, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que é pastora evangélica, foi alvo de polêmicas --uma delas envolve um vídeo no qual critica o ensino da teoria da evolução nas escolas (não é possível saber quando o vídeo foi gravado).
A ministra afirmou logo depois que vai respeitar a laicidade do Estado e seus assessores disseram que as declarações dela estavam relacionadas a um contexto de exposição teológica e não a políticas públicas.
"A maioria dos oficiais [da cúpula] do Exército vem de classe média, muitos tiveram formação católica e valorizam o Estado laico. É compreensível que demonstrem essa preocupação. Já nos militares da PM [policiais militares, classe de servidores onde Bolsonaro tem muito apoio] há um grande contingente de soldados e oficiais evangélicos", disse o professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-RJ Márcio Scalércio, pesquisador de história militar e do Exército brasileiro.
Os oficiais se questionam ainda se o governo Bolsonaro terá habilidade para tratar de temas delicados, como as questões raciais e o combate à discriminação.
Essas preocupações se baseiam no sentimento de que a imagem da instituição foi vinculada à do governo Bolsonaro após a eleição de 2018 de forma "irreversível", segundo os militares ouvidos pela reportagem. "Os oficiais com quem eu tenho contato se preocupam sobre como vai ficar a imagem da força se o governo fracassar. Eles temem que isso possa ser creditado às Forças Armadas", disse Scalércio.
Mas isso não significa que os militares não sejam favoráveis a Bolsonaro --pelo contrário, ele goza de grande apoio nas fileiras das Forças Armadas e muitos enxergam seu governo como a última esperança de o Brasil sair da crise.
Os oficiais ouvidos pelo UOL disseram que o apoio a Bolsonaro continua forte no Exército porque os militares valorizam o fato de o presidente ter baseado suas escolhas de ministros e assessores em critérios técnicos, em detrimento de favores políticos.
Sete dos 22 ministros do gabinete do presidente são militares da reserva e muitos dos outros são considerados técnicos, e não indicações de partidos políticos tradicionais. Porém, os oficiais se preocupam com nomeações de segundo e terceiro escalões --eles dizem esperar que nesses níveis hierárquicos não prevaleça a tradição de indicações e favores.
Outros aspectos que tornam Bolsonaro popular entre os militares são suas promessas de combater a criminalidade e a corrupção e promover os valores da família.
Previdência é foco de ministro da Defesa
Em uma tentativa de sinalizar à sociedade que o Exército é uma instituição de Estado, o novo comandante do Exército tende a, publicamente, se dedicar mais a questões internas da instituição e deixar questões relacionadas a discussões políticas para o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, segundo a reportagem apurou.
O ministro deve focar especialmente no debate sobre a inclusão ou não dos militares na reforma da previdência. Os militares não querem ter o mesmo sistema de previdência das categorias civis devido a especificidades da profissão. Mas, admitem fazer concessões em seu sistema de seguridade social, como aumento do tempo de contribuição e inclusão das pensionistas no rol de pagadores.
Segundo Scalércio, os interesses da categoria devem se chocar diretamente com os da equipe econômica de Bolsonaro, chefiada pelo economista Paulo Guedes, que trabalham para viabilizar a reforma previdenciária com o discurso de que todos têm que colaborar.
O comandante anterior do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, participou do debate de temas relacionados à política por meio de mídias sociais e entrevistas à imprensa. A opção dele de se manifestar publicamente sobre temas alheios ao ambiente da caserna dividiu opiniões na cúpula do Exército, mas o apoio a ele foi mantido.
Villas Bôas defendeu sistema de aposentadoria diferenciado para os militares, mas se destacou mesmo por sua posição favorável a que condenados em segunda instância da Justiça não tenham direito a continuar respondendo o resto do processo em liberdade.
Em abril de 2018, um dia antes do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) de recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso após condenação por corrupção, Villas Bôas causou polêmica ao publicar um tuíte reforçando a posição.
Ele é considerado por seus pares "um ponto fora da curva" devido à sua capacidade de liderança e comunicação. Pujol, que foi colega de Bolsonaro na Academia Militar, ainda não mostrou características de seu perfil como comandante, mas conta com o apoio pleno do Alto Comando, o colegiado de 15 generais que dão base ao poder do comandante do Exército.
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